sexta-feira, 22 de março de 2013

Papa argentino, com apoio brasileiro

 Alberto Carlos Almeida
 
O papa Francisco é argentino, mas seu principal apoio político veio de um brasileiro, d. Cláudio Hummes. Em sua primeira entrevista coletiva como novo papa, o cardeal Jorge Mário Bergoglio foi bastante transparente ao declarar que o cardeal brasileiro dissera para que não se esquecesse dos pobres. Segundo Bergoglio, essa afirmação de d. Cláudio o teria motivado a escolher o nome Francisco. Na sua primeira aparição pública, o ápice do ritual da escolha do novo líder da Igreja Católica, o papa Francisco quebrou o protocolo e fez questão de que d. Cláudio o acompanhasse à sacada do Vaticano. Trata-se de um evento de suma importância no momento de apresentação ao mundo do novo sumo pontífice.

D. Cláudio é franciscano e o nome do novo papa é Francisco. Não se trata, obviamente, de uma homenagem a d. Cláudio, mas certamente indica que ele foi importante em sua eleição, obteve votos para Bergoglio e poderá vir a ser uma figura central na articulação política que dará sustentação a seu papado. Quando se trata da Igreja Católica e da eleição de um papa, quem quer mudanças escolhe nomes novos. A última vez que um papa escolheu um nome inteiramente original, João Paulo I, foi o cardeal italiano Albino Luciani. Ele morreu 33 dias depois de ter sido escolhido papa. As semelhanças entre o cardeal Luciani e o cardeal Bergoglio não se limitam a um nome de papa original: ambos iniciaram seus papados quebrando o protocolo. Luciani abriu mão da cerimônia de entronização, assim como ambos afirmaram em entrevistas e missas a prioridade de ações voltadas aos pobres.
 
A morte de João Paulo I foi objeto de inúmeros estudos e depoimentos, vários deles sugerindo que Luciani teria sido assassinado em virtude das mudanças que iniciara nas estruturas de poder do Vaticano. O fato é que Luciani não tinha histórico de problemas de saúde e vários fatos que cercam sua morte nunca foram esclarecidos. 
O principal deles é que até hoje não se sabe o motivo da morte, se foi embolia pulmonar ou infarto do miocárdio. O Vaticano não permitiu a autópsia, alegando que a lei canônica impunha essa restrição. Além disso, há o registro de que os embalsamadores do corpo de João Paulo I foram buscados em suas residências às 5 horas da manhã, ao passo que existem duas versões para o horário em que ele foi encontrado morto: 4h30 e 5h30.

Segundo aqueles que sustentam que Albino Luciani foi assassinado, em um clássico golpe palaciano dentro das tradições do Vaticano, as motivações estariam relacionadas com o possível deslocamento do cardeal americano Paul Marcinkus da presidência do Banco do Vaticano. Marcinkus, que tinha sido guarda-costas do papa Paulo VI e era conhecido pelo apelido de "gorila", por causa de sua compleição física, acabou sendo um bastante longevo presidente de banco: ocupou o cargo entre 1971 e 1989. Foi protagonista de um dos maiores escândalos do Vaticano quando, em 1982, o Banco Ambrosiano de Milão, que tinha 16% de seu capital controlado pelo Banco do Vaticano, quebrou.

As investigações da falência do Banco Ambrosiano trouxeram à tona outras ações nebulosas que envolviam o nome de Marcinkus. Como se tratava de uma investigação no âmbito da Justiça italiana, o Vaticano acabou dando asilo a Marcinkus para que ele escapasse da prisão. Jamais se saberá se João Paulo I foi vítima de assassinato. O que se sabe é que ele queria mudanças e não as fez porque seu papado durou somente 33 dias.

Transcorreram 34 anos entre as eleições de João Paulo I e do papa Francisco. Nesse período, a Itália passou por profundas mudanças institucionais, dentre as quais a domesticação da máfia por meio da Operação Mãos Limpas. Operações financeiras fraudulentas são sempre possíveis, mas, com o decorrer dos anos, os controles aumentaram, até mesmo na Itália, onde o ex-banqueiro ítalo-brasileiro Salvatore Caciolla ficou foragido por quase seis anos.

O também italiano Maquiavel dedicou capítulos importantes de "O Príncipe" para mostrar quão difícil é mudar o status quo. Alianças já estabelecidas só são modificadas com muita dificuldade, em particular quando, como é o caso do Vaticano, os procedimentos de manutenção do poder são pouco transparentes. A renúncia de Bento XVI pode muito bem ter sido motivada, dentre outras coisas, pela resistência da burocracia a mudanças. A escolha do primeiro papa jesuíta e do Hemisfério Sul pode ter sido a forma encontrada pelos cardeais de possibilitar uma ampla aliança em favor da mudança.

D. Cláudio Hummes, o principal articulador da vitória eleitoral do cardeal Bergoglio, além de ser franciscano tem em sua biografia o apoio determinado concedido ao então líder sindical Lula, na longa greve dos metalúrgicos do ABC, em 1980. No dia 1º de abril daquele ano, após uma assembleia de trabalhadores que reuniu 60 mil metalúrgicos no estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, foi iniciada uma greve geral em toda a região do ABC. D. Cláudio, que naquela época era bispo da diocese de Santo André, divulgou uma nota oficial em que pedia a colaboração de todas as paróquias no apoio à greve. D. Cláudio ficou nacionalmente conhecido porque permitiu que os metalúrgicos perseguidos pela polícia fizessem uma memorável assembleia dentro da igreja-matriz de São Bernardo. A aliança entre a Igreja Católica e o movimento sindical foi crucial para o sucesso do movimento liderado por Lula.

Também foi d. Cláudio quem persuadiu Lula, preso pelas forças de repressão à greve dos metalúrgicos, a abandonar a greve de fome que iniciara como forma de protesto. Em 2005, o presidente Lula citou esse episódio ao tentar persuadir o bispo de Barra, na Bahia, Luiz Flávio Cappio, a abandonar uma greve de fome que fazia para protestar contra o projeto de transposição das águas do rio São Francisco. O reconhecimento de Lula a d. Cláudio também pode ser visto anos antes. Logo após ser eleito presidente pela primeira vez, em novembro de 2002, Lula visitou o então cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Cláudio. Esses fatos mostram que d. Cláudio tem uma boa experiência com aliança política vitoriosa voltada para alterar o status quo. A aliança do prelado brasileiro agora é, nada mais, nada menos, do que com a Companhia de Jesus.

A Companhia de Jesus foi fundada por Inácio de Loyola como parte de um esforço da Igreja Católica para deter o avanço da reforma protestante. Naquela época, várias ordens foram iniciadas com a mesma finalidade, muitas se mostraram infrutíferas e outras floresceram, tais como os capuchinhos (franciscanos reformados), teatinos, barnabitas, oratonianos. É desnecessário dizer que os que tiveram maior sucesso em deter o protestantismo foram os jesuítas. A fórmula do sucesso dos seguidores de Loyola era um treinamento excepcionalmente longo para seus homens, combinado com total obediência. Até hoje é assim.

Em que pese Francisco ser o primeiro papa jesuíta, a aliança entre a Companhia de Jesus e o pontificado para conter o avanço do protestantismo foi consolidada na primeira sessão do Concílio de Trento, em 1545, quando foi conferida liberdade quase ilimitada para que os jesuítas se espalhassem pela Europa. A fórmula dos seguidores de Loyola era simples. Se um governante ou príncipe desejasse uma escola, colégio ou universidade, poderia contar com os jesuítas. O príncipe fornecia os recursos e a construção do aparato físico, e os jesuítas entravam com a técnica e o pessoal treinado. Os jesuítas se tornaram rapidamente uma empresa multinacional que vendia serviços especializados. Conferiam algo até então inédito ao negócio do ensino internacional: uniformidade, disciplina e organização. Os jesuítas foram o movimento de maior sucesso na contenção do avanço da reforma protestante. É dessa tradição que vem o papa Francisco.

O papa Francisco precisará de muito apoio político se deseja fazer reformas. Para isso, poderá contar com o apoio dos jesuítas, da Igreja Católica das Américas e certamente de todos aqueles que estão preocupados com quanto a Igreja ficou para trás do tempo em que vive. O papa pode ser argentino, mas ele não seria papa se não houvesse a interseção de um articulador político brasileiro. Vejamos qual será o papel reservado a d. Cláudio Hummes na eventual nova configuração do poder temporal da Igreja.
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* Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo". E-mail: alberto.almeida@institutoanalise.com www.twitter.com/albertocalmeida

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