Alberto Carlos Almeida
O papa Francisco é argentino, mas seu principal apoio político veio
de um brasileiro, d. Cláudio Hummes. Em sua primeira entrevista coletiva
como novo papa, o cardeal Jorge Mário Bergoglio foi bastante
transparente ao declarar que o cardeal brasileiro dissera para que não
se esquecesse dos pobres. Segundo Bergoglio, essa afirmação de d.
Cláudio o teria motivado a escolher o nome Francisco. Na sua primeira
aparição pública, o ápice do ritual da escolha do novo líder da Igreja
Católica, o papa Francisco quebrou o protocolo e fez questão de que d.
Cláudio o acompanhasse à sacada do Vaticano. Trata-se de um evento de
suma importância no momento de apresentação ao mundo do novo sumo
pontífice.
D. Cláudio é franciscano e o nome do novo papa é Francisco. Não se
trata, obviamente, de uma homenagem a d. Cláudio, mas certamente indica
que ele foi importante em sua eleição, obteve votos para Bergoglio e
poderá vir a ser uma figura central na articulação política que dará
sustentação a seu papado. Quando se trata da Igreja Católica e da
eleição de um papa, quem quer mudanças escolhe nomes novos. A última vez
que um papa escolheu um nome inteiramente original, João Paulo I, foi o
cardeal italiano Albino Luciani. Ele morreu 33 dias depois de ter sido
escolhido papa. As semelhanças entre o cardeal Luciani e o cardeal
Bergoglio não se limitam a um nome de papa original: ambos iniciaram
seus papados quebrando o protocolo. Luciani abriu mão da cerimônia de
entronização, assim como ambos afirmaram em entrevistas e missas a
prioridade de ações voltadas aos pobres.
A morte de João Paulo I foi objeto de inúmeros estudos e depoimentos,
vários deles sugerindo que Luciani teria sido assassinado em virtude
das mudanças que iniciara nas estruturas de poder do Vaticano. O fato é
que Luciani não tinha histórico de problemas de saúde e vários fatos que
cercam sua morte nunca foram esclarecidos.
O principal deles é que até hoje não se sabe o motivo da morte, se
foi embolia pulmonar ou infarto do miocárdio. O Vaticano não permitiu a
autópsia, alegando que a lei canônica impunha essa restrição. Além
disso, há o registro de que os embalsamadores do corpo de João Paulo I
foram buscados em suas residências às 5 horas da manhã, ao passo que
existem duas versões para o horário em que ele foi encontrado morto:
4h30 e 5h30.
Segundo aqueles que sustentam que Albino Luciani foi assassinado, em
um clássico golpe palaciano dentro das tradições do Vaticano, as
motivações estariam relacionadas com o possível deslocamento do cardeal
americano Paul Marcinkus da presidência do Banco do Vaticano. Marcinkus,
que tinha sido guarda-costas do papa Paulo VI e era conhecido pelo
apelido de "gorila", por causa de sua compleição física, acabou sendo um
bastante longevo presidente de banco: ocupou o cargo entre 1971 e 1989.
Foi protagonista de um dos maiores escândalos do Vaticano quando, em
1982, o Banco Ambrosiano de Milão, que tinha 16% de seu capital
controlado pelo Banco do Vaticano, quebrou.
As investigações da falência do Banco Ambrosiano trouxeram à tona
outras ações nebulosas que envolviam o nome de Marcinkus. Como se
tratava de uma investigação no âmbito da Justiça italiana, o Vaticano
acabou dando asilo a Marcinkus para que ele escapasse da prisão. Jamais
se saberá se João Paulo I foi vítima de assassinato. O que se sabe é que
ele queria mudanças e não as fez porque seu papado durou somente 33
dias.
Transcorreram 34 anos entre as eleições de João Paulo I e do papa
Francisco. Nesse período, a Itália passou por profundas mudanças
institucionais, dentre as quais a domesticação da máfia por meio da
Operação Mãos Limpas. Operações financeiras fraudulentas são sempre
possíveis, mas, com o decorrer dos anos, os controles aumentaram, até
mesmo na Itália, onde o ex-banqueiro ítalo-brasileiro Salvatore Caciolla
ficou foragido por quase seis anos.
O também italiano Maquiavel dedicou capítulos importantes de "O
Príncipe" para mostrar quão difícil é mudar o status quo. Alianças já
estabelecidas só são modificadas com muita dificuldade, em particular
quando, como é o caso do Vaticano, os procedimentos de manutenção do
poder são pouco transparentes. A renúncia de Bento XVI pode muito bem
ter sido motivada, dentre outras coisas, pela resistência da burocracia a
mudanças. A escolha do primeiro papa jesuíta e do Hemisfério Sul pode
ter sido a forma encontrada pelos cardeais de possibilitar uma ampla
aliança em favor da mudança.
D. Cláudio Hummes, o principal articulador da vitória eleitoral do
cardeal Bergoglio, além de ser franciscano tem em sua biografia o apoio
determinado concedido ao então líder sindical Lula, na longa greve dos
metalúrgicos do ABC, em 1980. No dia 1º de abril daquele ano, após uma
assembleia de trabalhadores que reuniu 60 mil metalúrgicos no estádio de
Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, foi iniciada uma greve geral
em toda a região do ABC. D. Cláudio, que naquela época era bispo da
diocese de Santo André, divulgou uma nota oficial em que pedia a
colaboração de todas as paróquias no apoio à greve. D. Cláudio ficou
nacionalmente conhecido porque permitiu que os metalúrgicos perseguidos
pela polícia fizessem uma memorável assembleia dentro da igreja-matriz
de São Bernardo. A aliança entre a Igreja Católica e o movimento
sindical foi crucial para o sucesso do movimento liderado por Lula.
Também foi d. Cláudio quem persuadiu Lula, preso pelas forças de
repressão à greve dos metalúrgicos, a abandonar a greve de fome que
iniciara como forma de protesto. Em 2005, o presidente Lula citou esse
episódio ao tentar persuadir o bispo de Barra, na Bahia, Luiz Flávio
Cappio, a abandonar uma greve de fome que fazia para protestar contra o
projeto de transposição das águas do rio São Francisco. O reconhecimento
de Lula a d. Cláudio também pode ser visto anos antes. Logo após ser
eleito presidente pela primeira vez, em novembro de 2002, Lula visitou o
então cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Cláudio. Esses fatos mostram
que d. Cláudio tem uma boa experiência com aliança política vitoriosa
voltada para alterar o status quo. A aliança do prelado brasileiro agora
é, nada mais, nada menos, do que com a Companhia de Jesus.
A Companhia de Jesus foi fundada por Inácio de Loyola como parte de
um esforço da Igreja Católica para deter o avanço da reforma
protestante. Naquela época, várias ordens foram iniciadas com a mesma
finalidade, muitas se mostraram infrutíferas e outras floresceram, tais
como os capuchinhos (franciscanos reformados), teatinos, barnabitas,
oratonianos. É desnecessário dizer que os que tiveram maior sucesso em
deter o protestantismo foram os jesuítas. A fórmula do sucesso dos
seguidores de Loyola era um treinamento excepcionalmente longo para seus
homens, combinado com total obediência. Até hoje é assim.
Em que pese Francisco ser o primeiro papa jesuíta, a aliança entre a
Companhia de Jesus e o pontificado para conter o avanço do
protestantismo foi consolidada na primeira sessão do Concílio de Trento,
em 1545, quando foi conferida liberdade quase ilimitada para que os
jesuítas se espalhassem pela Europa. A fórmula dos seguidores de Loyola
era simples. Se um governante ou príncipe desejasse uma escola, colégio
ou universidade, poderia contar com os jesuítas. O príncipe fornecia os
recursos e a construção do aparato físico, e os jesuítas entravam com a
técnica e o pessoal treinado. Os jesuítas se tornaram rapidamente uma
empresa multinacional que vendia serviços especializados. Conferiam algo
até então inédito ao negócio do ensino internacional: uniformidade,
disciplina e organização. Os jesuítas foram o movimento de maior sucesso
na contenção do avanço da reforma protestante. É dessa tradição que vem
o papa Francisco.
O papa Francisco precisará de muito apoio político se deseja fazer
reformas. Para isso, poderá contar com o apoio dos jesuítas, da Igreja
Católica das Américas e certamente de todos aqueles que estão
preocupados com quanto a Igreja ficou para trás do tempo em que vive. O
papa pode ser argentino, mas ele não seria papa se não houvesse a
interseção de um articulador político brasileiro. Vejamos qual será o
papel reservado a d. Cláudio Hummes na eventual nova configuração do
poder temporal da Igreja.
------------------ * Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo". E-mail: alberto.almeida@institutoanalise.com www.twitter.com/albertocalmeida
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