domingo, 24 de março de 2013

Conceitos de 'liberal' e 'conservador' têm limites

RODRIGO COPPE CALDEIRA*
 
 
O papa Francisco tem aquele carisma de que a igreja lança mão nos momentos em que mais necessita.

Bergoglio, com toda a liberdade que o caracteriza, é um sinal da experiência multissecular da igreja de Roma. Abraça, beija e fala com os fiéis demonstrando uma proximidade admirável.

A sua elevação ao trono de Pedro parece ressoar positivamente num país como o Brasil, onde o número dos que se declaram católicos cai progressivamente.

A pesquisa Datafolha aponta que 74% dos entrevistados avaliaram como "ótima" a eleição do papa argentino. Contudo, a alta aprovação da eleição de Bergoglio -cargo mais representativo da igreja e que tem como uma de suas funções zelar pela doutrina- vem acompanhada de posições que, em sua maioria, contrapõem as defendidas pela instituição católica.

Nota-se, por exemplo, alta aprovação do uso da pílula anticoncepcional e aprovação razoável da "pílula do dia seguinte".

Por outro lado, observa-se que muitos a favor do uso da camisinha não se posicionam favoravelmente à legalização do casamento gay.

Outros tantos a favor do divórcio posicionam-se contra a liberação do aborto. Legalização da união de pessoas do mesmo sexo, aborto e uso de anticoncepcionais são temas que geralmente aparecem juntos nesse intrincado debate.

Contudo, é preciso atentar para o fato de que são práticas entendidas com pesos diferentes pelos brasileiros.

Uma mulher, por exemplo, pode defender o reconhecimento do casamento civil de pessoas do mesmo sexo, mas negar o aborto em qualquer circunstância.

Isso demonstra que temas que parecem caminhar juntos -especialmente quando se observa uma agenda liberalizante que cresce na América Latina- são entendidos e avaliados de maneiras diferentes pelos brasileiros.

Conceitos como "liberal" e "conservador" demonstram os seus limites operacionais no campo fluido da moral.

Os brasileiros, atravessados pela vaga da destradicionalização crescente e testemunhas da emergência de um "mercado de sentido" variado -não apenas religioso, por sinal- que ganha impulso nas últimas décadas, expressam sua sensibilidade moral de formas diferentes.

Os posicionamentos morais exprimem-se de maneira subjetiva e individualizada, mergulhados na multiplicidade de concatenações, combinações e ajustes. Sem um fiador único.

Tal característica perpassa o campo religioso brasileiro e é sentida profundamente no catolicismo: 58% dos entrevistados pelo Datafolha se declararam católicos.

Muitos responderam diferentemente às perguntas, inclusive assumindo posições que vão de encontro às oficiais da Igreja Católica.

A homogeneidade aparente se dilui nos inúmeros graus de adesão à instituição. "Ser católico", como dizia o saudoso Antônio Flávio Pierucci, "é fácil".

E completa: "Reside nisso parte da força do catolicismo, mas grande parte também de sua fraqueza". 
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