RODRIGO COPPE CALDEIRA*
O papa Francisco tem aquele carisma de que a igreja lança mão nos momentos em que mais necessita.
Bergoglio, com toda a liberdade que o caracteriza, é um sinal da
experiência multissecular da igreja de Roma. Abraça, beija e fala com os
fiéis demonstrando uma proximidade admirável.
A sua elevação ao trono de Pedro parece ressoar positivamente num país
como o Brasil, onde o número dos que se declaram católicos cai
progressivamente.
A pesquisa Datafolha aponta que 74% dos entrevistados avaliaram como
"ótima" a eleição do papa argentino. Contudo, a alta aprovação da
eleição de Bergoglio -cargo mais representativo da igreja e que tem como
uma de suas funções zelar pela doutrina- vem acompanhada de posições
que, em sua maioria, contrapõem as defendidas pela instituição católica.
Nota-se, por exemplo, alta aprovação do uso da pílula anticoncepcional e aprovação razoável da "pílula do dia seguinte".
Por outro lado, observa-se que muitos a favor do uso da camisinha não se
posicionam favoravelmente à legalização do casamento gay.
Outros tantos a favor do divórcio posicionam-se contra a liberação do
aborto. Legalização da união de pessoas do mesmo sexo, aborto e uso de
anticoncepcionais são temas que geralmente aparecem juntos nesse
intrincado debate.
Contudo, é preciso atentar para o fato de que são práticas entendidas com pesos diferentes pelos brasileiros.
Uma mulher, por exemplo, pode defender o reconhecimento do casamento
civil de pessoas do mesmo sexo, mas negar o aborto em qualquer
circunstância.
Isso demonstra que temas que parecem caminhar juntos -especialmente
quando se observa uma agenda liberalizante que cresce na América Latina-
são entendidos e avaliados de maneiras diferentes pelos brasileiros.
Conceitos como "liberal" e "conservador" demonstram os seus limites operacionais no campo fluido da moral.
Os brasileiros, atravessados pela vaga da destradicionalização crescente
e testemunhas da emergência de um "mercado de sentido" variado -não
apenas religioso, por sinal- que ganha impulso nas últimas décadas,
expressam sua sensibilidade moral de formas diferentes.
Os posicionamentos morais exprimem-se de maneira subjetiva e
individualizada, mergulhados na multiplicidade de concatenações,
combinações e ajustes. Sem um fiador único.
Tal característica perpassa o campo religioso brasileiro e é sentida
profundamente no catolicismo: 58% dos entrevistados pelo Datafolha se
declararam católicos.
Muitos responderam diferentemente às perguntas, inclusive assumindo posições que vão de encontro às oficiais da Igreja Católica.
A homogeneidade aparente se dilui nos inúmeros graus de adesão à
instituição. "Ser católico", como dizia o saudoso Antônio Flávio
Pierucci, "é fácil".
E completa: "Reside nisso parte da força do catolicismo, mas grande parte também de sua fraqueza".
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