Julian Barnes fotografado em Setembro de 2007 Miguel Madeira
Escritor revela na sua nova obra que pensou (e pensa por vezes) em suicidar-se. Em Levels of Life, o autor de O Papagaio de Flaubert fala da morte da mulher e da dor imensa que é viver sem Pat Kavanagh. “Juntam-se duas coisas que nunca se tinham juntado antes. E o mundo muda…”
Para Julian Barnes, a vida tornara-se simplesmente
insuportável. Tão insuportável que chegou a considerar o suicídio. Foi
em 2008, quando a mulher com quem viveu 30 anos, Pat Kavanagh, morreu,
com um tumor cerebral. O escritor inglês teve vontade de morrer com ela,
conta nas suas memórias, Levels of Life, livro que deverá ser lançado no Reino Unido já a 4 de Abril.
“A questão do suicídio
chega cedo, e com uma certa lógica… Soube desde logo que método
preferiria – um banho quente, um copo de vinho junto às torneiras, e uma
faca japonesa excepcionalmente afiada. Pensei nessa solução bastantes
vezes, e ainda penso”, escreve Barnes, 67 anos, autor que recebeu já
vários importantes prémios, como o Médicis pelo aclamadíssimo O Papagaio de Flaubert e o Man Booker pela sua última obra, O Sentido do Fim (ambos editados em Portugal pela Quetzal).
O jornal britânico The Daily Telegraph, que já leu algumas passagens das memórias do autor de Arthur & George
(edições Asa), diz que Barnes admite que o principal argumento que o
levou a não optar pelo suicídio foi o facto de ser, ele mesmo, o que
mais e melhor se lembra de Kavanagh, que para além de sua mulher foi sua
agente.
“Juntam-se duas coisas que nunca se tinham juntado antes.
E o mundo muda…”, continua Barnes naquele que a editora britânica está a
promover como o mais comovente dos seus livros, uma espécie de tratado
sobre a mágoa de uma perda imensa. Pat Kavanagh morreu 37 dias depois de
lhe ter sido disgnosticado um cancro na cabeça.
As sinopses disponíveis nas livrarias online garantem que em Levels of Life,
obra dividida em três, o escritor começa por falar do século XIX, de
viagens de balão, de fotografia e da actriz Sarah Bernhardt, para depois
passar a um relato profundamente intimista, ancorado na sua experiência
pessoal, na dor que a morte de Pat Kavanagh lhe deixou.
É neste livro parcialmente autobiográfico, conta a jornalista Yvonne Roberts, do britânico The Observer,
que o escritor revela a sua raiva pelo comportamento dos amigos que,
por “cobardia” e não por “boas maneiras”, evitam dizer o nome da mulher,
como se Kavanagh nunca tivesse existido. Como se Barnes-Kavanagh nunca
tivesse existido. “Esperamos que aqueles mais próximos de nós em idade e
sexo e estado civil compreendam melhor. Que ingenuidade. Lembro-me de
uma conversa à mesa num restaurante com três amigos casados
aproximadamente da minha idade. Cada um deles a conhecera durante anos –
talvez 80 ou 90 no total – e cada um teria dito, se lhe fosse
perguntado, que a amava. Eu mencionei o nome dela, nenhum lhe pegou.
Fi-lo outra vez, e outra vez nada.”
E sim, passaram cinco anos mas
ainda conversa com ela, admite o escritor, descrevendo-a de forma a não
deixar dúvida alguma: “[Pat era] o coração da minha vida; a vida do meu
coração.”
Julian Barnes habituou os seus leitores a frases como
esta, só aparentemente simples. As suas personagens, como Tony Webster, o
homem que reconstrói as memórias de um passado distante que se impôs no
presente em O Sentido do Fim, parecem muitas vezes ser alguém
que poderíamos conhecer. Umas vezes amarguradas, outras felizes, mas
sempre cheias de contradições.
Não é a primeira vez que Barnes fala em suicídio, lembra o jornal Telegraph.
Em Fevereiro, por exemplo, o autor referiu-se ao suicídio assistido,
ilegal no Reino Unido, afirmando: “Sempre pensei que uma pessoa tem
direito a suicidar-se se assim o entender. E é terrível que as pessoas
tenham de ir para a Suíça [onde o suicídio assistido está previsto na
lei] e vejam os seus familiares ameaçados com processos em tribunal ou
com acusações criminais quando estão obviamente sãs de espírito mas o
seu corpo está terrivelmente doente.”
Barnes, escreve a jornalista do Observer, tal como Noam Chomsky, nunca teve medo de falar de emoções, do que sente. Levels of Life
é uma prova disso. É nele que escreve, mais uma vez sobre a morte da
mulher: “A perda de vocabulário partilhado, alegorias, provocações, short cuts… notas de rodapé de amante… todas essas referências obscuras, ricas em memória mas sem valor se explicadas a um intruso.”
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Reportagem por
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