MARCELO COELHO*
Para avaliar melhor as reais chances de dom Odilo Scherer, eu tinha dado
uma olhada nos jornais argentinos destes últimos dias. Até eles, pelo
que pude ver, colocavam o brasileiro como favorito.
A surpresa, portanto, não poderia ser maior. O próprio Jorge Mario
Bergoglio, ao surgir na janela e dizer suas primeiras palavras, parecia
completamente atônito.
Tanto que sua primeira frase foi a menos papal, e a menos preparada que se pudesse imaginar: "Boa noite".
Como assim, "boa noite"? Ao fundo, uma bandinha tocava. No final do
discurso, Bergoglio se referiu a ter sido eleito bispo "desta bela
cidade".
O papa, como se sabe, é o bispo de Roma. Mas dizer, naquela praça onde
se reuniam pessoas de todas as partes do mundo, que Roma "é uma bela
cidade" intensificou a nota interiorana da ocasião.
O Vaticano se tornou, de repente, muito simples. O nome escolhido por
Bergoglio, o de Francisco, também contribui para essa imagem de modéstia
e de pobreza, ao lembrar o santo de Assis.
É sabido que, em Buenos Aires, ele prefere morar num apartamento pequeno
a ocupar o palácio arquidiocesano; que anda de ônibus e cozinha as
próprias refeições.
Apareceu na sacada (eu ia dizendo "janelinha", mas é bem grande) só com
as roupas brancas, sem a estola vermelha -que só apareceu depois.
Mais significativo do que tudo isso foi o fato de que Bergoglio, em vez
de sair abençoando a multidão, pediu primeiro uma bênção dos fiéis para
ele próprio.
Nomes próprios têm certa mágica. Sem dúvida, Bergoglio não rima, neste momento, com "orgoglio", orgulho.
Inevitável a multiplicação de piadinhas sobre o fato de termos um papa
argentino. Detestando os preconceitos com nossos vizinhos, fico feliz de
registrar uma primeira impressão auspiciosa: temos um argentino humilde
no papado.
Reformador? "Progressista"? Midiático? Burocrata? Talvez a tentativa, ou
o mistério, da escolha tenha sido buscar uma figura que transcendesse
as divisões e impasses reais do Vaticano, alçando a figura papal a uma
espécie de nuvem de fofura, branquinha como a fumaça que saiu da chaminé
nesta tarde -e como a lã que cobre o cordeiro de Deus.
Não se trata daqueles prodígios de simpatia pelos quais eu estava torcendo.
O americano Dolan, de proporções pantagruélicas, aparecia num vídeo às
gargalhadas, com uma tremenda marreta nas mãos, para inaugurar não sei
que reforma nas paredes de um edifício. O filipino Luis Tagle chora como
um menino ao ser nomeado cardeal, e ri como num desenho animado durante
uma homilia.
Ainda assim, Bergoglio rompe com a antipatia e o aspecto robótico que,
tanto quanto a sofisticação intelectual, têm sido a tônica dos anos
Ratzinger.
Será suficiente a cordura do novo papa? Cito suas palavras a respeito do casamento gay, aprovado há pouco tempo na Argentina.
O debate não era apenas "uma luta política", disse ele, mas "uma
pretensão destrutiva aos planos de Deus". Mais do que isso, é um lance
do "pai da mentira".
O casamento gay, trovejava Bergoglio, é fruto da "inveja do demônio,
pela qual o pecado entrou no mundo, e cuja artimanha pretende destruir a
imagem de Deus".
Santo homem.
Mas o Brasil não aguenta ficar para trás. Tem o seu primeiro clérigo
xiita, o paulistano Rodrigo Jalloul, no caminho de uma escalada ao posto
de aiatolá.
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* Colunista da Folha
Fonte: Folha on line, 14/03/2013
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