Gisele Neuls, da Página 22
Ninguém para em frente ao espelho do provador se perguntando se a
blusa que lhe caiu tão bem contém nonilfenol etoxilado. Mas resíduos
desse disruptor endócrino – substância capaz de afetar o funcionamento
de glândulas como tireoide e ovários – foram encontrados em 14 peças de
roupas de marcas famosas.
A descoberta foi possível graças à análise encomendada pelo
Greenpeace Internacional [1], que divulgou seus resultados em março de
2012. Os relatórios da ONG trazem relatos de problemas de pele e
alergias nos moradores próximos a fábricas na China e no México, onde o
despejo de resíduos parece descontrolado.
O trabalho ainda mostrou que a contaminação química gerada pela
indústria têxtil não se restringe aos rios dos países em
desenvolvimento, onde a maior parte das roupas é fabricada. Resíduos
químicos perigosos também se encontram presentes nos produtos têxteis à
venda no varejo do mundo rico. Dessa forma, o poder de pressão dos
consumidores dos países desenvolvidos é a principal arma da campanha
Detox, lançada pelo Greenpeace em julho de 2011.
Ao mirar nas grandes marcas, o Greenpeace almeja impactar toda a
cadeia de produção, eliminando substâncias perigosas utilizadas
na
lavagem, tingimento e amaciamento de tecidos e couros. Até o momento, 15
marcas de peso [2] comprometeram-se a zerar até 2020 o uso de uma série
de produtos tóxicos com efeitos mutagênicos, carcinogênicos,
bioacumulativos e disruptores endócrinos.
[2]
Adidas, Benetton, C&A, Esprit, G-Star Raw and Valentino, H&M,
Levi’s, Li-Ning, M&S, Mango, Nike, Puma, Uniqlo, Victoria’s Secret e
Zara
Promessa esta nada fácil de cumprir, dada a acentuada ramificação da
indústria têxtil. As empresas contratam grandes fornecedores, que
contratam médias confecções. Estas, por sua vez, subcontratam pequenas
oficinas, de modo que se torna uma missão quase impossível o controle
total sobre os produtos químicos empregados nas etapas de produção.
Para enfrentar o gargalo, além da conscientização dos consumidores, a
campanha pressiona as empresas a divulgarem dados mais detalhados de
seus fornecedores. “Grupos locais com mais informações, mesmo que
incompletas, podem fazer pressão sobre as instalações locais”, diz
Marietta Harjono, do Greenpeace Internacional.
Embora o alvo esteja nas principais marcas globais, ela acredita que
uma conscientização aliada à demanda de mercado pode mudar até os ramos
mais finos da cadeia. “A campanha visa estimular a oferta
de químicos
não perigosos à indústria têxtil. O aumento da procura
por esses
produtos deve tornar mais fácil inclusive para as pequenas empresas
fabricarem roupas sem produtos tóxicos.”
Até agora, a artilharia mais pesada da campanha foi direcionada à
China, principal fornecedor de têxteis ao mercado internacional.
Contudo, os acordos assumidos pelas marcas são globais, ou seja,
prometem atingir os negócios no mundo todo, inclusive no Brasil. Embora a
legislação brasileira seja mais exigente que a chinesa do ponto de
vista socioambiental, Marcelo Furtado, diretor-executivo
do Greenpeace
Brasil, observa que não estamos livres de casos de contaminação [3] como
os denunciados pela campanha. “A legislação brasileira não proíbe o uso
da maioria dessas substâncias e o monitoramento é frágil.”
[3] Há vários relatórios
denunciando casos graves de contaminação na China e no México, bem como
sobre as principais substâncias tóxicas envolvidas, todos em inglês,
acessíveis no site
O consumidor brasileiro que quiser saber onde suas roupas foram
feitas e checar as condições de produção encontrará dificuldades. Das 15
empresas que aderiram à campanha, apenas a C&A fornece informações
em português e apresenta relatório de sustentabilidade específico do
Brasil. O de 2011 informa que a empresa possui 274 fornecedores diretos e
pouco mais de 1.400 subcontratados, mas não revela os locais de
fabricação, apenas sua distribuição por estado.
A reportagem procurou mais de uma vez Nike, Adidas, Levi’s, C&A e
Benetton para esclarecimentos sobre os compromissos assumidos com o
Greenpeace e eventuais reflexos dos acordos nas suas atividades no
Brasil. Até o fechamento desta reportagem, nenhuma dessas companhias
respondeu aos pedidos de entrevista e às questões enviadas por email.
-----------------
(Página 22)Fonte: http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/moda-limpa/26/03/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário