Arnaldo Bloch*
Colunista propõe que sucesso do Papa Francisco se deve a ausência de líderes mundiais
Sem querer desmerecer o talento do Papa Francisco e
seu possível ânimo reformista, penso que o grande motivo de seu sucesso
meteórico é a absoluta ausência de grandes líderes e estadistas no nosso
mundo contemporâneo. Dentro da máxima de que em terra de cego quem tem
um olho é rei, Jorge Bergoglio, cheio de ideias e bem-falante, num
ambiente político tão pobre de carisma e discurso, ganhou a cena
rapidinho só no ato de elevar o nível da comunicação reflexiva sobre
questões básicas de moral e ética.
Se não,
vejamos: quem são, hoje, os grandes estadistas, os grandes oradores, os
grandes líderes da Terra? Barak Obama chegou a dar esperança, mas, por
melhor que sejam sua lábia, suas intenções e parte de sua prática, o
presidente americano brilha mesmo é nas campanhas, nos discursos de
posse e na execução de Osama Bin Laden. Raramente fala com o mundo. É um
scholar refinado, homem de gabinete e burocrata centrado nas questões
de interesse nacional.
Na Europa oriental Putin é
uma estrela patética. Na França, François Hollande refugou e está
quieto. Ninguém aguenta Angela Merkel. No Oriente Médio, bom, Netanyahu
não é propriamente um prodígio de comunicação e popularidade
intercontinental. Se pensarmos em Ben Gurion ou Golda Meir, dá até pena.
Os líderes palestinos não têm a cancha de um Arafat. A Primavera Árabe
foi um movimento e tanto. Mas, quem é a grande voz do Islã? Será
Ahmadinejad, que nem árabe é, o Nasser do futuro?
No
Brasil, Dilma Rousseff é uma grande trabalhadora mas, vamos convir, não
é uma voz altiplana, uma estadista das multidões. Lula foi e é um
vulto, um grande orador do povo, tem méritos e defeitos, mas, em que
pese o prestígio político internacional, a liderança mundial efetiva não
viria, como se previu: ficamos nas figuras do “mascote do mundo” e na
tirada de Obama: “Este é o cara”. E a nova geração? Eduardo Campos (que
chamou a atenção para a falta de novas e jovens ideias) afigura-se um
estadista? Aécio Neves terá um pedacinho que seja da estatura de
Tancredo Neves? Quem vem por aí? Garotinho? Feliciano?
Onde
estão os líderes? Meus bisavós foram contemporâneos do tsar Nicolau II e
Abraham Lincoln e viram Lenin ascender ao poder. Mahatma Gandhi pregava
a não violência. Imigrados, assistiram a discursos de Getúlio Vargas. A
segunda geração, dos meus avós, ouviu Franklin Roosevelt pregar o New
Deal e, quando Winston Churchill prometeu sangue, suor e lágrimas, papai
já ia ver o movimento na Conde de Lajes. No tempo em que o progenitor
namorou minha mãe Lacerda fazia discursos na televisão e JK já tinha
construído Brasília.
Nasci no primeiro ano do
regime militar justamente num tempo em que o nível dos governantes
(nível entendido como uma conjunção de saberes e ideias, o poder de
comunicá-las e a firmeza para implantá-las com respeito a valores morais
e éticos comprometidos com alguma dose de humanismo) começou a cair no
mundo todo. Na transição da infância para a adolescência, minha
principal referência de voz “política” era John Lennon. E, rumando para a
idade adulta, quanto mais conhecia os líderes do passado, menos
enxergava na turma da Guerra Fria qualquer tirada inspiradora.
No
meio do caminho, um Gorbatchev aparece como figura “orgânica” realmente
transformadora e comunicativa, e Ronald Reagan e Margaret Thatcher eram
personagens sinistras de certo impacto. No Brasil, saído dos anos de
chumbo, Brizola, que jamais viraria um estadista, era ao menos o último
grande orador e ainda proporcionava o prazer da escuta. Da América só
vinham vozes de guerra, só daria para relaxar um pouco com a cara de
malandro de Bill Clinton.
Na Europa, morando na
França, conheci, in loco, o charme e a consistência política de François
Mitterrand (em que pese a inconsistência doutrinária) e, depois,
ninguém mais. Sobre Jacques Chirac, cujo livro de cabeceira é do nosso
Paulo Coelho!, só depreendi mediocridade e gosto por cerveja. De
Sarkozy... bom, desse aí é melhor nem falar.
Onde
estão os líderes? Hugo Chávez morreu. Este sabia falar e mobilizar.
Mesmo assim, era desses líderes que fazem do confronto a palavra e
esvaziam o discurso com chavões. Os chavões chavistas cansaram o mundo.
Fidel, o comandante, tem hoje como porta-voz um irmão inexpressivo. A
extrema direita, felizmente, apesar das aberrações que apresenta,
especialmente na Europa, não há de encontrar um artífice com a oratória e
a fúria de Adolf Hitler, e, espera-se, nem as condições ideais para a
emersão de algo semelhante.
E, no lugar de Lennon,
vejo Yoko Ono mostrar os óculos do marido e pedir paz, na tentativa de
que uma refração mágica miraculosa substitua, por um átimo, sua silhueta
pela do cara de Liverpool. Imagine...
Os motivos
desta grande queda na mensagem e na qualidade dos governantes podem ser
observados por vários ângulos, alguns dos quais até já soam como
clichês, de tão institucionalizados que já estão no pensamento
acadêmico: do crescimento do capital sobre o estado ao advento, na
Aldeia Global, de um corpo esférico onde as ideias são mais fragmentadas
e compartilhadas através de lideranças de tribos e subtribos.
As
grandezas, os dizeres, os discursos, políticos em essência e não
partidários, estão na corrente sanguínea da web. Cada um que escolha o
seu líder e caminhe, se necessário sem sair de frente do monitor, na
direção que deseja, dentro do mundo ou em realidades paralelas.
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