O que é ser de esquerda? De
acordo com o American Heritage, “grupo ou pessoas que pregam objetivos ou metas
políticas igualitárias através da reforma ou por meios revolucionários”. Que
beleza e que alívio se as definições enciclopédicas ainda tivessem algum
paralelo na vida prática! Sem perder tempo com a estagnação da direita, agora a pergunta
poderia se deslocar para “o que consiste a esquerda, hoje?”
No glossário impertinente
significaria que “as metas ou objetivos igualitários” seria a primeira avaria
terminológica. Já seria uma importante ruptura entre o conceito e o mundo
político prático.
Venho de uma época onde, para
além das definições acima aludidas, ser de esquerda também significava aspiração
por liberdade, renovação e especialmente, paz e luta contra a opressão. O que
muitos de minha geração esperavam era que o pensamento conservador e o estado
estável que ele sempre representou pudesse ceder para enfim vivermos dias
novos. Apesar de todas as promessas eles nunca chegaram.
Os regimes políticos que
usaram Marx como base teórica de seu pensamento e ideologia, rapidamente deram
sinais de que seriam sistemas tão opressivos, incoerentes e espiritualmente
fracos quanto os governos conservadores que, em tese, vieram para substituir.
O uso do manto das lutas sociais se tornou um
slogan fútil. Quase a antítese absoluta do que o romantismo original
preconizava. O oposto ao movimento libertário que deu origem à caminhada dos
revolucionários. A esquerda se reergueu na luta pelas liberdades civis e, mesmo
com uma renovação fugaz, foi, ao seu modo, eficiente, especialmente sob a
contracultura. E ainda teve uma extensão grátis com os desdobramentos da
cultura hippie, a luta contra a opressão das minorias e até o reconhecimento
dos direitos humanos e das mulheres.
Mas isso já faz 40 anos.
Desde lá temos observado, passivos, a corrosão das liberdades individuais. A
queda do Muro, a formação da União Europeia e a revolução promovida pela
comunicação e informática, todos eventos que, teoricamente, teriam sido passos
importantes para a promoção do bem-estar coletivo. Mas as ilusões se
desmancham. Muitos avanços sucumbiram às agressões terroristas (alguém se
lembra o que era pegar um avião antes do 11 de Setembro?) e setenta anos depois
do fim da II Guerra Mundial temos conflitos — potenciais e reais — espalhados
em quase todas as latitudes.
No continente africano, tribalismos e
fundamentalismos, os mesmos das guerras regionais do Oriente Médio, a
insanidade imperial da Coreia do Norte, teocracias autor-referentes e
arrivistas
que ganharam poder na América Latina. Nosso mundo assiste impotente (ou
positivo operante?) à formação de conflitos graves no clima de
acirramento e
chamamento ao conflito. Não mais de classes sociais, mas de culturas.
Não é
difícil enxergar o perfil sombrio que geralmente emulam as guerras
civis. O
resultado palpável é que virou missão impossível fazer distinções claras
e
precisas dentro de tantas saladas ideológicas. A incoerência é a tônica e
indica que há um colapso das ideologias.
A parte cheia do copo
poderia vir dos avanços sociais. Da diminuição das desigualdades e do respeito
pelas minorias. Mas infelizmente até essa metade tem evaporado. O esforço feito
por quem governa tem sido para manter e concentrar mais poder. Com raras
exceções predomina o desrespeito pelas minorias, e a xenofobia ganha ares
dramáticos na Europa. Sobretudo, vivenciamos uma brutal e pouco crível
incapacidade administrativa mundial.
Claro
que ela é diretamente
proporcional ao abandono de critérios técnicos e de competência pelo
apadrinhamento político e benesses da burocracia da máquina para
convidados vip.
Tecnicamente falando, não vivemos nem em pleno estado de direito. Então,
onde foram
parar as forças da renovação? Ouve-se por aí que a esquerda cresceu e
tornou-se
pragmática. Quem acompanha de perto sabe que o nome da metamorfose é bem
outro, enquanto uma emergente sociedade de castas e privilégios
desponta.
A atual crise econômica com
pinta de recessão mundial revela que o capitalismo acionário deu suas mãos ao
capitalismo de Estado, causando boa parte dos problemas. O papel dos Estados
seria o de encontrar saídas para as crises, mas uma vez que os governos têm interesses
endógenos, o caminho até a solução deverá ser postergado até que as pessoas
percebam que o poder não tem mais respostas para dar.
Talvez nem tenhamos mais
perguntas para fazer.
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*Médico e escritor
Fonte: http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2013/03/14/o-colapso-das-ideologias/
Imagem da Internet
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