sexta-feira, 29 de março de 2013

Papa Francisco: inaugura o terceiro milênio?

Leonardo Boff*
 
O primeiro milênio do Cristianismo foi marcado pelo paradigma da comunidade. As igrejas possuíam relativa autonomia com seus ritos próprios: a ortodoxa, a copta, a ambrosiana de Milão, a moçárabe da Espanha e outras. Veneravam seus próprios mártires e confessores e tinham suas teologias como se vê na florescente cristandade do norte da África com Santo Agostinho, São Cipriano e o leigo teólogo Tertuliano. Elas se reconheciam mutuamente e, embora em Roma já se esboçasse uma visão mais jurídica, predominava a presidência na caridade.

O segundo milênio foi caracterizado pelo paradigma da Igreja como sociedade perfeita e hierarquizada: uma monarquia absolutista centrada na figura do Papa como suprema cabeça (cefalização), dotado de poderes ilimitados e, por fim, infalível quando se declara como tal em assuntos de fé e moral. Criou-se o Estado Pontifício, com exército, com sistema financeiro e legislação que incluía a pena de morte. Criou-se um corpo de peritos da instituição, a Cúria Romana, responsável pela administração eclesiástica mundial. Esta centralização gerou a romanização de toda a cristandade. A evangelização da América Latina, da Ásia e da África se fez no bojo de um mesmo processo de conquista colonial do mundo e significava um transplante do modelo romano, praticamente anulando a encarnação nas culturas locais. Oficializou-se a separação estrita entre o clero e os leigos. Estes, sem nenhum poder de decisão (no primeiro milênio participavam na eleição dos bispos e do próprio Papa), foram juridicamente e de fato infantilizados e mediocrizados.

Firmaram-se os costumes palacianos dos padres, bispos, cardeais e Papas. A títulos de poder dos imperadores romanos, a começar pela de Papa e a de Sumo Pontífice, passou ao bispo de Roma. Os cardeais, príncipes da Igreja, se vestiam como a alta nobreza renascentista e isso permaneceu até os dias de hoje para escândalo de não poucos cristãos habituados a ver Jesus pobre e homem do povo, perseguido, torturado e executado na cruz.

Este modelo de Igreja, tudo indica, se encerrou com a renúncia de Bento XVI, o último Papa deste modelo monárquico, num contexto trágico de escândalos que afetaram o núcleo da credibilidade do anúncio cristão.

A eleição do Papa Francisco, vindo "do fim do mundo” como ele mesmo se apresentou, da periferia da cristandade, do Grande Sul, onde vivem 60% dos católicos, inaugura o paradigma eclesial do Terceiro Milênio: a Igreja como vasta rede de comunidades cristãs, enraizadas nas diferentes culturas, algumas mais ancestrais que a ocidental como a chinesa, indiana e japonesa e nas culturas tribais de África e comunitárias da América Latina. Encarna-se também na cultura moderna dos países tecnicamente avançados, com uma fé vivida também em pequenas comunidades. Todas estas encarnações tem algo em comum: a urbanização da humanidade pela qual mais de 80% da população vive em grandes conglomerados de milhões e milhões de habitantes.

Neste contexto será praticamente impossível de se falar em paróquias territoriais; mas, em comunidades de vizinhança de prédios ou de ruas próximas. Esse cristianismo terá como protagonistas os leigos, animados por padres, casados ou não ou por mulheres-sacerdotes e bispos ligados mais à espiritualidade do que à administração. As Igrejas terão outros rostos.
A reforma não se restringirá à Cúria Romana em estado calamitoso; mas, se estenderá a toda a institucionalidade da Igreja. Talvez somente com a convocação de um novo Concílio com representantes de toda a cristandade dará ao Papa a segurança e as linhas mestras da Igreja do Terceiro Milênio. Que não lhe falte o Espírito.
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* Escritor. Filósofo. Teólogo.
Fonte:  http://www.adital.com.br/site/28/03/2013

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