José Tolentino Mendonça*
Alegria
Se dissermos que Deus é Amor, ninguém se espanta.
A afirmação tornou-se até um pouco banal à força da repetição. Mas se
dissermos que Deus é Humor, ficamos em estado de alerta, porque nos
parece que alguém está a tentar entrar, no território de Deus, “pela
entrada dos fundos” e não pela “porta principal”. A verdade é que o
Amor não dispensa o Humor.
Que fizemos do Evangelho da Alegria?
O cristianismo não é propriamente conhecido por
ser a religião da alegria, e é uma pena. «O cristianismo seria muito
mais credível se os cristãos vivessem em alegria», escreveu Nietzsche, e
não podemos dizer que sem razão. O nosso testemunho fica muitas vezes
refém de uma gravitas insonsa, de uma seriedade que facilmente
se torna em peso. Esquecemo-nos demasiadas vezes do Evangelho da
alegria. Tratamo-la com parcimónia. Nas liturgias, pregações,
catequeses, pastorais, a alegria, o humor ou o riso são abordados com
muita descrição. A alegria tornou-se uma espécie de tópico marginal,
ornamento ou sub-tema.
Por exemplo, quando citamos uma frase bíblica,
raramente ela diz respeito à alegria. E, no entanto, a Bíblia é uma
espécie de gramática do Humor de Deus. Por incrível que pareça, aquela
biblioteca tão séria é também hilariante e está cheia de risos, embora
esta dimensão seja, entre nós, escassamente referida e ensinada. Há
páginas que constituem um puro alfabeto da Alegria e muitos momentos
que só são compreendidos por quem soltar uma gargalhada. É que a
Revelação de Deus propaga-se numa dinâmica que é claramente jubilosa.
Talvez tenhamos de levar mais a sério o verso
brincado que o Salmo 2 nos segreda: «O que habita nos Céus, sorri». Ou
perceber que a expressão crente é chamada a desenvolver-se como uma
coreografia festiva, á maneira do que descreve o salmo 33: «Alegrai-vos
no Senhor, louvai o Senhor com cítaras e poemas, com a harpa das dez
cordas louvai o Senhor; cantai-lhe um cântico novo, tocai e dançai com
arte por entre aclamações».
Nessa linha está a maravilhosa imagem do Livro
dos Provérbios (8,30-31) que nos apresenta assim a Sabedoria, emanação
de Deus, sua presença visível: «A Sabedoria Divina está constantemente a
brincar: a brincar na terra e a alegrar-se com os homens», É um
enunciado desconcertante, e estamos longe ainda de acolhê-lo, tal o
desafio que representa. Não é no conjunto de tarefas tradicionalmente
ligadas à sabedoria (julgar, pensar, escrutinar, prever...) que
encontramos a Sabedoria de Deus. É infinitamente mais simples o seu
programa: brincar, alegrar-se com os homens.
Se passarmos aos Evangelhos os apelos à alegria
sucedem-se, e valia muito a pena escutá-los demoradamente. Por exemplo:
no começo do Evangelho de São Lucas, aparece uma frase que os anjos
dizem aos pastores e que é o arranque da história de Jesus:
«Anuncio-vos uma grande alegria que o será para todo o povo (2,10).
Mesmo no final do Evangelho, São Lucas tem a preocupação de recordar ao
seu leitor que esta promessa se cumpre amplamente, referindo que os
discípulos, confiados no mandato de Jesus, «voltaram para Jerusalém com
grande alegria» (24,52). A alegria é a caligrafia do Evangelho, e o seu
segredo.
Uma promessa de Jesus, transmitida pelo relato de
São João, obriga-nos especialmente a parar: «ninguém vos poderá tirar a
vossa alegria (16,22). Na nossa experiência a alegria é vivida como
sinfonia frágil, música ainda imperfeita, inacabada... Não é que não
provemos o límpido e íntimo sabor da alegria, mas apenas em momentos,
em lampejos. A verdade é que muitas ameaças avançam sobre a nossa
alegria: uma frase, uma notícia, um revés, uma alteração de humor, uma
mudança de contexto, uma sombra. Sentimos que a alegria depende de
tantas coisas! Como é que Jesus nos diz: «ninguém vos poderá tirar a
vossa alegria»? Que alegria é esta, e como podemos aceder a ela?
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*José Tolentino Mendonça é teólogo, escritor e poeta.
Fonte: © SNPC | 09.03.13
Fonte: © SNPC | 09.03.13
Caro amigo
ResponderExcluirParabéns pela linda mensagem...retirada dessa pessoa iluminada... seus temas muito nos deixa alegres, e mais sábios e conscientes da nossa jornada, terrena...e muito os aprecio""
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Namastê