José Lisboa Moreira de Oliveira*
De
vez em quando, na mídia católica, alguns apresentadores se atrevem a falar mal
de ilustres prelados brasileiros, conhecidos por sua santidade, retidão de vida
e doação total ao povo de Deus. Chegam mesmo a postar suas falas nas redes
sociais com a clara intenção de divulgar suas calúnias difamatórias. Entre os
mais caluniados estão Dom Pedro Casaldáliga, Dom Luciano Mendes de Almeida e
Dom Paulo Evaristo Arns. Diante disso, muitos católicos sérios, dotados de
consciência crítica e profunda sensibilidade cristã, ficam se perguntando como
é possível que este tipo de coisa aconteça em redes televisivas católicas, sem
que nenhuma autoridade seja capaz de intervir para pelos menos pedir um pouco
de respeito por estas ilustres pessoas.
Diante
de um fato tão degradante como esse resta-nos fazer algumas observações. Antes
de tudo cabe dizer que este comportamento é a negação total do cristianismo.
Quem assim se comporta não vive o cristianismo na sua essência, pois, segundo a
Carta de Tiago, a língua dessas pessoas está "cheia de veneno mortal” (Tg 3,8)
e não impregnada de ternura (Tg 3,13). Não cabe, pois, ao cristão,
especialmente quem apresenta um programa televisivo católico, difamar
publicamente os outros, especialmente pessoas honestas, conhecidas por suas
vidas íntegras e éticas. "Tu, quem és para julgar o próximo?” (Tg 3,12).
Em
segundo lugar, é preciso lembrar que é normal a perseguição e a calúnia contra
as pessoas santas. O próprio Jesus previu isso: "Felizes sois vós quando os
homens vos odeiam, quando vos rejeitam, e quando insultam e proscrevem vosso
nome como infame por causa do Filho do Homem” (Lc 6,22). Quando um cristão é
elogiado por todo mundo é preciso tomar muito cuidado. Geralmente é um falso
profeta, afirma Jesus de maneira categórica (Lc 6,26). Portanto, o sinal de que
estes bispos foram ou são pessoas santas é o fato de serem caluniados pelos
próprios irmãos e irmãs de comunidade (Mt 10,34-36). Foram ou são pessoas que,
com seu exemplo de vida e com a palavra, incomodam e denunciam um cristianismo
frouxo, comprometido com as injustiças e a corrupção; um cristianismo que faz
pactos com os ricos, com os saciados, com os que oprimem os pobres (Lc
6,24-25).
Tomemos
como exemplo Dom Pedro Casaldáliga, recentemente ameaçado de morte. Desde que
foi nomeado bispo por Paulo VI em 1971, se posicionou claramente do lado dos
pobres e sofredores, defendendo índios e posseiros contra a ganância de
fazendeiros. Recentemente Dom Pedro recusou uma homenagem que queria lhe fazer
a Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo de Mato Grosso. O motivo
da recusa foi saber que a mulher do presidente da Assembleia Legislativa do
Estado, também secretária de Cultura, é uma latifundiária, cujo nome consta na
lista suja de pessoas que praticam o trabalho escravo em nosso país. Esta
ilustre escravocrata é a pessoa que costuma organizar festas e eventos como
aquele que a Comissão Estadual queria oferecer para Dom Pedro Casaldáliga. Dom
Pedro recusou o convite com uma simples nota protocolada junto a Casa Civil do
Mato Grosso, na qual diz o motivo de sua atitude. Como o apóstolo Tiago pôs o
dedo na ferida dos exploradores dos pobres (Tg 5,1-6). Cristãos deste porte são
odiados, especialmente por aqueles que na Igreja estão comprometidos com a
corrupção, a ladroeira e a sem-vergonhice.
Além
disso, convém esclarecer ainda que toda esta campanha difamatória contra
lideranças, bispos, padres, teólogos da libertação, não acontece por acaso.
Anos atrás Délcio Monteiro de Lima, no seu livro que tem o sugestivo título Os
demônios descem do norte (Editora Francisco Alves, 1987), mostrou que esta
campanha foi bem pensada e bem planejada pelos governos conservadores dos
Estados Unidos da América (EUA). Vendo que a Igreja na América Latina estava
realizando uma evangelização libertadora, que daria aos nossos povos mais
autonomia e independência, o governo dos EUA resolveu intervir secretamente,
financiando grupos evangélicos alienados e a ala ultraconservadora da Igreja
Católica. O objetivo era atenuar ou até mesmo eliminar a ação libertadora da
evangelização, de modo que o povo continuasse sem consciência crítica e
submisso aos governos locais de direita, totalmente aliados aos interesses
norte-americanos.
Estas
ações dos governos Nixon e Reagan, embora secretas, terminaram por vir a
público e ficaram conhecidas como Relatório Rockfeller e Comitê de Santa Fé.
Além do financiamento de grupos evangélicos, previa-se apoio moral e financeiro
aos movimentos católicos ultraconservadores, de modo que pudessem agir de
maneira agressiva, influenciando inclusive o próprio Vaticano em decisões como
a escolha de bispos, a punição de teólogos, a abertura de redes de televisão e
assim por diante. A partir do estudo feito por Délcio Lima se pode afirmar que
os programas alienados das televisões católicas respondem a este projeto do
governo dos EUA. As calúnias contra nossos pastores, feitas por apresentadores
católicos, são, pois, pensadas e planejadas de forma consciente para deixar o
povo alienado. Povo esse que, aliás, é continuamente explorado pelo peditório
constante dessas televisões católicas que trabalham contra a gente sofrida e
oprimida.
Pode-se,
então, concluir que as pessoas que estão por trás destes programas alienadores
e os seus apresentadores são pessoas sem fé. São "lobos vorazes” que se vestem
de ovelhas (Mt 7,15) para enganar o povo. Utilizam-se da religiosidade para
enganar os mais simples e defender os interesses dos ricos, dos poderosos, das
multinacionais. São no dizer do teólogo e filósofo italiano Vito Mancuso,
"ateus devotos”: pregam em nome do Evangelho, mostram-se bastante devotos, mas
não acreditam na Palavra de Deus. Seus interesses são bem outros. Alguns deles
se apresentam como professores de teologia, canonistas, biblistas. Na verdade,
porém, não passam de simples "apologistas de palácio”, definição dada por Vito
Mancuso a gente deste tipo. Tais pessoas não fazem teologia, tentando
aprofundar a doutrina católica com a ajuda da inteligência e a iluminação da
fé. Devido aos interesses escusos que estão por trás de suas falas, se recusam
a fazer um confronto crítico entre o que é pregado e a verdade que liberta. Não
querem que a verdade prevaleça (Jo 8,32). Limitam-se a ler o Catecismo da
Igreja e a comentá-los repetindo suas frases. Não acrescentam nada. Na
linguagem filosófica trata-se de uma péssima tautologia: explicar algo
repetindo a mesma coisa que se disse antes. Tudo para enganar o povo.
------------------------- *Filósofo, teólogo, escritor, conferencista e professor universitário. Autor de Viver em comunidade para a missão. Um chamado para a Vida Religiosa Consagrada, por Paulus Editora (2013)
Fonte: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=74304
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