Ubiratan Brasil/AE
Pavilhão da Nova Zelândia na Feira de Frankfurt - a maior do mundo no gênero (2012)
Em 'Mercadores de Cultura', que sai no País no fim de abril, John B. Thompson traça um vasto painel do mercado editorial americano e inglês; aqui ele discute o tema de forma ampla
Desde a criação da imprensa, por Gutenberg, fazer um
livro foi mais ou menos igual. O autor escrevia, o editor avaliava, o
copidesque e o revisor liam e corrigiam, o designer fazia o projeto
gráfico, ele era novamente revisado e então impresso. Mais de cinco
séculos sem grandes novidades. As diferenças residiam na escolha de um
papel mais confortável para a leitura, uma capa mais chamativa ou
sofisticada, um produto mais barato ou mais caro - para o consumidor que
só lê e passa o livro adiante, para o que lê e quer guardar ou para o
colecionador.
Mas essa indústria tem sido chacoalhada desde o fim dos anos 2000,
quando os e-books começaram a ter impacto no faturamento das editoras
americanas e britânicas que, assim como as demais indústrias, sofriam
com a recessão econômica. Foi nesse momento que o livro digital deixou
de ser um assunto especulativo e passou a ser visto como o salvador das
lavouras. Novos departamentos foram criados, novos modelos de negócios
surgiram. Isso não quer dizer, porém, que tal descoberta tenha sido
simples, tranquila e reconfortante. Há quem ainda tenha medo da
novidade. E existem muitas questões a serem resolvidas.
Poucos se dedicam a estudar a evolução do mercado editorial, e essa
indústria que se ocupa de empacotar todo o conhecimento produzido no
mundo volta-se raramente à sua própria história, o que dificulta ainda
mais o entendimento do presente e exercícios de futurologia. Com o livro
Mercadores de Cultura - O Mercado Editorial no Século XXI,
cuja segunda edição, revista e ampliada, foi lançada no ano passado no
mercado internacional e chega no fim de abril ao Brasil pela Unesp, John
B. Thompson - professor de sociologia de Cambridge e há mais de dez
anos pesquisador das mudanças estruturais da cadeia do livro - tenta
preencher essa lacuna. Entre 2005 e 2009, ele mergulhou na realidade
editorial dos Estados Unidos e o Reino Unido, conversou com cerca de 280
executivos, publishers, diretores comerciais de pequenas editoras e de
grandes corporações. Desenhou, então, o atual mapa do negócio do livro,
que assim poderia ser resumido: grandes redes de livrarias destruindo as
lojas de bairro, grandes corporações, quase sempre pertencentes a
grupos de mídia, se apoderando de editoras independentes, e todos,
incluindo os que já dominaram o mercado, amedrontados pela Amazon.
Claro, passando ainda pelo crescente poder dos agentes literários, a
batalha pelos best-sellers e a revolução digital.
"Estamos vivendo uma espécie de revolução, e uma das poucas coisas
que se podem dizer com certeza sobre uma revolução é que quando se está
no meio de uma delas, não se tem ideia de onde e quando ela terminará",
diz Thompson, nascido nos Estados Unidos e radicado na Inglaterra, nesta
entrevista por e-mail, em que apresenta as mudanças do mercado
editorial - e o que as motivou -, comenta questões relativas à realidade
brasileira, como a chegada de grandes grupos do setor ao País, e fala
sobre o "futuro incerto" das livrarias, dos editores e dos livros.
A cada dia, mais pessoas aderem à autopublicação e à edição
exclusivamente digital. Com essa nova realidade, editoras e editores
ainda serão necessários? O que significa hoje ser um bom profissional
nessa área?
O desenvolvimento de novas tecnologias vem com frequência acompanhado por temores com a desintermediação, e a publicação de livros não é exceção: nenhum dos principais atores na cadeia tradicional de suprimento de livros - editoras, agentes e livreiros - tem seu futuro garantido. Cada um precisa mostrar que é capaz de agregar valor real nas novas cadeias de suprimento que estão sendo criadas pelas tecnologias digitais. Não há dúvida de que alguns escritores prefeririam dispensar as editoras tradicionais e/ou se publicar pessoalmente ou usar um dos muitos serviços de autopublicação hoje disponíveis, mas isso não eliminaria necessariamente os editores e editoras. Há pelo menos três maneiras pelas quais editores e editoras podem continuar a agregar valor real num mundo digital. Primeiro, eles podem agregar valor editorialmente no feedback que dão a escritores e na maneira como os ajudam a desenvolver seu trabalho e sua carreira. Segundo, somente editoras podem dar adiantamentos - isso não é algo que serviços de autopublicação tendem a oferecer, e pode fazer uma verdadeira diferença para a vida dos escritores. E, terceiro, boas editoras são formadoras de mercado: elas constroem mercados para livros em vez de simplesmente os tornar disponíveis. Esse ponto é crucial: nunca foi tão fácil "publicar" no sentido de tornar um conteúdo disponível - basta colocá-lo on-line. Mas "publicar" no sentido de tornar um livro conhecido do público é hoje mais difícil do que nunca, dado o puro volume de informação disponível. Hoje, as boas editoras são formadoras de mercado em um mundo onde é a atenção e não o conteúdo que anda escasso.
O desenvolvimento de novas tecnologias vem com frequência acompanhado por temores com a desintermediação, e a publicação de livros não é exceção: nenhum dos principais atores na cadeia tradicional de suprimento de livros - editoras, agentes e livreiros - tem seu futuro garantido. Cada um precisa mostrar que é capaz de agregar valor real nas novas cadeias de suprimento que estão sendo criadas pelas tecnologias digitais. Não há dúvida de que alguns escritores prefeririam dispensar as editoras tradicionais e/ou se publicar pessoalmente ou usar um dos muitos serviços de autopublicação hoje disponíveis, mas isso não eliminaria necessariamente os editores e editoras. Há pelo menos três maneiras pelas quais editores e editoras podem continuar a agregar valor real num mundo digital. Primeiro, eles podem agregar valor editorialmente no feedback que dão a escritores e na maneira como os ajudam a desenvolver seu trabalho e sua carreira. Segundo, somente editoras podem dar adiantamentos - isso não é algo que serviços de autopublicação tendem a oferecer, e pode fazer uma verdadeira diferença para a vida dos escritores. E, terceiro, boas editoras são formadoras de mercado: elas constroem mercados para livros em vez de simplesmente os tornar disponíveis. Esse ponto é crucial: nunca foi tão fácil "publicar" no sentido de tornar um conteúdo disponível - basta colocá-lo on-line. Mas "publicar" no sentido de tornar um livro conhecido do público é hoje mais difícil do que nunca, dado o puro volume de informação disponível. Hoje, as boas editoras são formadoras de mercado em um mundo onde é a atenção e não o conteúdo que anda escasso.
A briga por best-sellers resulta em editoras produzindo o
mesmo tipo de livros e perdendo um pouco de sua identidade e da
capacidade de inovação, o que pode ser um risco também à
bibliodiversidade. O senhor vê a questão dessa forma?
Toda editora, grande ou pequena, quer um best-seller: publicar é um
negócio duro e um best-seller às vezes pode significar a diferença entre
o sucesso financeiro e a ruína. As grandes editoras, que pertencem a
corporações de mídia, como Random House, Penguin e HarperCollins, tendem
a ser mais focadas na busca de best-sellers porque as cobranças
financeiras de seus donos corporativos requerem níveis de desempenho
relativamente altos; editoras independentes de pequeno e médio porte não
enfrentam o mesmo tipo de cobranças. Isso não significa, porém, que as
editoras percam a sua identidade ou que a diversidade da cultura do
livro seja indeterminada. É importante lembrar que hoje são publicados
mais livros do que em qualquer outra época: a produção de títulos nos
Estados Unidos aumentou de cerca de 200 mil livros novos em 1998 para
mais de 315 mil em 2010 - e isso sem incluir reimpressões e títulos
impressos sob encomenda. A diversidade na produção talvez seja maior
agora do nunca, e seria difícil defender que menos obras de qualidade
estão sendo impressas hoje do que há 30 ou 40 anos. O problema real de
agora não é tanto a diversidade da produção como a diversidade do
mercado. Apesar de cada vez mais livros estarem sendo publicados,
somente um número muito pequeno deles está sendo selecionado para ganhar
visibilidade num mercado cada vez mais abarrotado. Qualquer um que
entre em diversas livrarias e supermercados verá a mesma gama limitada
de títulos expostos - Harry Potter, O Código Da Vinci, os livros de James Patterson, Stephen King, Stephanie Meyer, Stieg Larsson, Cinquenta Tons de Cinza, etc. Não é exatamente uma situação em que o vencedor leva o mercado todo, mas é o que eu chamo de um vencedor leva mais mercado.
As editoras não estão pagando muito por livros em leilões? Esse dinheiro retornará algum dia?
Dada a importância dos best-sellers para as editoras, muitas estão
dispostas a pagar um preço exorbitante pelos livros que acham que vão
dar muito certo. As grandes editoras que pertencem a corporações de
mídia podem e querem fazer isso mais que as independentes, simplesmente
porque podem explorar os bolsos cheios de seus donos corporativos para
pagar altos adiantamentos: isso dá às editoras de corporações de mídia
uma vantagem-chave na competição por conteúdo novo. Em muitos casos,
elas dão baixa contábil de uma proporção substancial desses
adiantamentos - isto é, não pagarão royalties sobre eles. Isso não quer
dizer que a editora perderá dinheiro com esses livros: se o livro vender
bem, ele pode ser lucrativo para a editora mesmo que o adiantamento não
seja coberto pelos ganhos futuros, e a proporção do adiantamento que
foi lançada como passivo for tratada como um custo comercial. Mas essa é
uma prática arriscada, pois há uma grande imponderabilidade na
publicação comercial: ninguém sabe realmente que desempenho terão no
mercado muitos livros novos publicados por editoras. Uma proporção
significativa não conseguirá preencher as expectativas das editoras e se
revelará deficitária. No ramo anglo-americano de publicação, cerca da
metade dos novos livros de capa dura publicados a cada ano dá prejuízo, e
somente um em cada dez se revela muito bem-sucedido e faz uma real
diferença para a receita e lucratividade da editora. Pagar adiantamentos
altos por livros que as editoras esperam que se tornem best-sellers é
um negócio intrinsecamente arriscado: às vezes se ganha, mas, com mais
frequência, não.
Com uma economia em crise, grandes editoras se voltam para
novos mercados, especialmente os países emergentes. O Brasil é enorme e
poderia ser um foco interessante para esses grupos internacionais.
Porém, o índice de leitura é baixíssimo - quatro livros por ano,
contando a leitura escolar. O que torna, então, o Brasil atraente para
editoras como a Penguin, que comprou 45% da Companhia das Letras, ou
para a Hachette, que teve fusão frustrada com a Escala, mas que esteve
aqui recentemente sondando editoras para possíveis parcerias?
Todas as grandes editoras comerciais dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha precisam crescer de ano para ano e apresentar uma boa taxa de lucratividade para seus donos corporativos, mas o mercado de livros nos Estados Unidos e no Reino Unido está, em grande parte, estagnado. Portanto, todas as grandes editoras enfrentam o que eu chamo de "o enigma do crescimento": como crescer num mercado estagnado? Há várias maneiras de tentar resolver esse impasse, entre eles, concentrar mais esforços na aquisição de livros que eles acreditem ter potencial para se tornar best-sellers e cortar os chamados títulos "de meio de catálogo" (com expectativas medianas de vendas). Mas expandir as operações fora do mercado anglo-americano é uma parte importante de sua estratégia para lidar com o enigma do crescimento. Essa é uma das razões porque a Penguin tentou expandir suas operações no Brasil comprando uma participação substancial da Companhia das Letras. A expansão internacional há muito vem sendo também uma parte fundamental da estratégia de negócios da Hachette: de sua base na França - onde ela é a maior editora e onde sua capacidade de crescer é muito limitada -, a Hachette se expandiu agressivamente para a Grã-Bretanha (onde também é hoje a maior editora de livros), os Estados Unidos (onde adquiriu o Time Warner Book Group em 2006 e hoje figura como a quinta maior editora de livros) e Espanha (onde é a segunda maior editora); sua entrada no México e no Brasil é uma continuação dessa estratégia de crescimento de longo prazo via a expansão internacional.
Todas as grandes editoras comerciais dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha precisam crescer de ano para ano e apresentar uma boa taxa de lucratividade para seus donos corporativos, mas o mercado de livros nos Estados Unidos e no Reino Unido está, em grande parte, estagnado. Portanto, todas as grandes editoras enfrentam o que eu chamo de "o enigma do crescimento": como crescer num mercado estagnado? Há várias maneiras de tentar resolver esse impasse, entre eles, concentrar mais esforços na aquisição de livros que eles acreditem ter potencial para se tornar best-sellers e cortar os chamados títulos "de meio de catálogo" (com expectativas medianas de vendas). Mas expandir as operações fora do mercado anglo-americano é uma parte importante de sua estratégia para lidar com o enigma do crescimento. Essa é uma das razões porque a Penguin tentou expandir suas operações no Brasil comprando uma participação substancial da Companhia das Letras. A expansão internacional há muito vem sendo também uma parte fundamental da estratégia de negócios da Hachette: de sua base na França - onde ela é a maior editora e onde sua capacidade de crescer é muito limitada -, a Hachette se expandiu agressivamente para a Grã-Bretanha (onde também é hoje a maior editora de livros), os Estados Unidos (onde adquiriu o Time Warner Book Group em 2006 e hoje figura como a quinta maior editora de livros) e Espanha (onde é a segunda maior editora); sua entrada no México e no Brasil é uma continuação dessa estratégia de crescimento de longo prazo via a expansão internacional.
Quando essas corporações globais compram editoras locais,
elas acabam imprimindo o seu modelo de negócio. Por exemplo, a Companhia
das Letras, respeitada pelos autores e livros de seu catálogo, trabalha
hoje para consolidar um selo comercial que edita, entre outros, a
best-seller Sylvia Day. Como o senhor vê essa nova onda de fusões? Elas
trazem às ex-editoras independentes a oportunidade de crescimento ou o
risco de perderem seu capital intelectual e identidade?
Evidentemente, há riscos em qualquer investimento desse gênero, em especial quando uma grande corporação assume uma participação substancial numa empresa como a Companhia das Letras, que é bem conhecida e largamente admirada por sua independência e a qualidade de seu catálogo. Há vários exemplos em que a aquisição de uma editora por uma organização maior destruiu a qualidade e particularidade do catálogo: o fim da editora The Free Press - que já foi uma grande editora americana de ciências sociais e hoje é uma marca da Simon and Schuster e uma pálida sombra do que foi - é um testemunho vívido dos perigos. Mas fusões e aquisições nem sempre levam à perda de qualidade e de identidade: editoras como Knopf e Farrar, Straus & Giroux continuam sendo grandes, apesar de há muito terem deixado de ser independentes e de serem efetivamente marcas das grandes corporações que as possuem. Não há uma regra simples aqui, portanto: certamente há riscos quando uma grande corporação adquire uma participação substancial numa editora independente, mas uma editoria com uma forte tradição de qualidade pode manter sua independência editorial, contanto que tenha tido o cuidado de proteger sua independência nos termos do acordo. O perigo real a longo prazo pode ter menos a ver com os termos formais do acordo do que com a cultura de expectativas em relação a crescimento e lucratividade, que pode levar uma companhia antes independente a investir cada vez mais nos tipos de publicação capazes de dar altos retornos.
Evidentemente, há riscos em qualquer investimento desse gênero, em especial quando uma grande corporação assume uma participação substancial numa empresa como a Companhia das Letras, que é bem conhecida e largamente admirada por sua independência e a qualidade de seu catálogo. Há vários exemplos em que a aquisição de uma editora por uma organização maior destruiu a qualidade e particularidade do catálogo: o fim da editora The Free Press - que já foi uma grande editora americana de ciências sociais e hoje é uma marca da Simon and Schuster e uma pálida sombra do que foi - é um testemunho vívido dos perigos. Mas fusões e aquisições nem sempre levam à perda de qualidade e de identidade: editoras como Knopf e Farrar, Straus & Giroux continuam sendo grandes, apesar de há muito terem deixado de ser independentes e de serem efetivamente marcas das grandes corporações que as possuem. Não há uma regra simples aqui, portanto: certamente há riscos quando uma grande corporação adquire uma participação substancial numa editora independente, mas uma editoria com uma forte tradição de qualidade pode manter sua independência editorial, contanto que tenha tido o cuidado de proteger sua independência nos termos do acordo. O perigo real a longo prazo pode ter menos a ver com os termos formais do acordo do que com a cultura de expectativas em relação a crescimento e lucratividade, que pode levar uma companhia antes independente a investir cada vez mais nos tipos de publicação capazes de dar altos retornos.
A estreia da Amazon nos Estados Unidos foi como livraria
on-line. Para iniciar sua expansão global, ela comprou, no Reino Unido e
na Alemanha, operações locais de livros. No Brasil, a gigante americana
tentou repetir a fórmula, mas não conseguiu. Então, para começar a
operar aqui, em dezembro passado, ela fez parceria com uma pequena rede
de livrarias físicas, com uma varejista on-line e abriu quiosques em
shoppings. Foi um movimento natural? Ainda: livreiros e editores devem
ter medo da Amazon?
Sim, é um desenvolvimento natural porque a
Amazon há muito está orientada para a expansão internacional como parte
de sua estratégia de crescimento. Para leitores e compradores de livros,
a Amazon presta um grande serviço: é mais fácil do que nunca comprar
livros, que são entregues rapidamente, sem tarifas postais e, amiúde,
com preços reduzidos, e a gama de títulos disponíveis da Amazon é muito
maior do que a seleção oferecida até pelas maiores livrarias físicas.
Mas para as livrarias físicas e as cadeias de distribuição, a Amazon é
sua nêmese. O fato de a Amazon ser uma das maiores varejistas de livros
físicos dos EUA e do Reino Unido, e ser o player dominante no mercado
emergente de e-books, coloca-a numa posição extremamente forte, não só
em relação às outras varejistas, mas em relação a editoras também. E a
Amazon pode usar seu poder de mercado para pressionar editoras quando se
trata de negociar termos comerciais - nós sabemos do conflito entre a
Amazon e a MacMillan, em 2010, ????sobre o acordo de agência, que a
Amazon não tem medo de usar seu poder. Não há dúvida de que muitas
editoras temem o poder crescente da Amazon no negócio do livro, e a
maioria das editoras gostaria de ver outros varejistas e empresas de
tecnologia abocanhando uma parcela crescente no mercado de e-book, como a
Apple com seu iBookstore e a Barnes and Noble com seu Nook. Para as
editoras, nada seria mais perigoso do que um mercado dominado por uma
única varejista que é sua maior consumidora de livros físicos e que
controla uma grande proporção das vendas totais de e-book. A morte de
livrarias físicas também tornaria muito mais difícil para as editoras
terem seus livros notados por leitores, já que eliminaria os espaços e
vitrines onde livros são expostos e onde leitores podem folhear e
descobrir livros que não conheciam quando entravam na loja.
Como devem ser as livrarias em dez anos?
O setor de varejo sofreu uma mudança
tremenda nos últimos 40 anos e continuará a mudar numa velocidade
vertiginosa. A ascensão das cadeias de megalojas de livros - como Barnes
and Noble e Borders, nos Estados Unidos, e Waterstones, na Grã-Bretanha
- causou um impacto devastador nas pequenas livrarias independentes,
que não poderiam competir com a escala das megalojas e o serviço por
elas oferecido. Milhares de livrarias independentes foram levadas à
bancarrota. Agora, porém, as próprias cadeias de megalojas de livros
estão lutando pela sua sobrevivência: a Borders fechou em 2011 e tanto a
Barnes and Noble como a Waterstones enfrentam dificuldades. Elas estão
sofrendo uma pressão tremenda de duas fontes: a força crescente da
Amazon, que é agora a cliente mais importante de muitas editoras, e o
crescimento das vendas de e-books. Ainda não está claro, a esta altura,
como as cadeias de varejo enfrentarão esses desafios. Nos próximos anos,
podemos esperar o crescimento contínuo da Amazon como um canal de
varejo, enquanto as livrarias físicas se veem cada vez mais espremidas,
conduzindo a mais fechamento de livrarias e enxugamento de cadeias. As
margens de lucro das livrarias físicas já estão muito apertadas, de modo
que não devemos nos surpreender se as virmos vendendo uma gama mais
ampla de produtos na qual possam ter uma margem mais alta - artigos de
papelaria, jogos, chocolates, etc. - em sua luta para manter a
lucratividade no contexto do declínio da venda de livros. A bancarrota
da Borders marcou o fim de uma era. A era dominada pelas grandes cadeias
de varejo, espalhando suas megalojas por todos os Estados Unidos,
terminou. Estamos entrando em uma nova fase, em que as cadeias de varejo
que restam encontram-se numa posição bem mais fraca e na qual a Amazon
se tornou a principal força de varejo a considerar.
Em seu livro, o senhor diz que "esta é uma indústria de
futuro incerto". É, porém, otimista ou pessimista com relação a esse
futuro? O que consegue vislumbrar? E qual deve ser o futuro do livro
impresso?
No meu entender, estamos num momento
crítico na longa história do livro: por mais de 500 anos, os princípios e
práticas da publicação de livros permaneceram em grande parte
inalterados, mas hoje o negócio do livro se vê às voltas com uma mudança
tumultuosa, lutando para lidar com o impacto de uma revolução
tecnológica que está ameaçando solapar sua maneira tradicional de fazer
as coisas. Isso é tanto empolgante quanto perturbador para os que
trabalham no ramo, e muitos temem pelo seu futuro. É fácil entender por
que: basta olhar a indústria fonográfica para ver o colapso que sofreu
com a revolução digital. Não creio que alguém possa prever como esta
revolução se desenrolará no setor da publicação de livros nos próximos
anos e décadas: a mudança de 2008 para cá foi enorme, mas ninguém sabe
se o crescimento do e-book que foi testemunhado nos Estados Unidos e no
Reino Unido continuará no mesmo ritmo, desacelerará ou mesmo se
inverterá. Estamos vivendo uma espécie de revolução, e uma das poucas
coisas que se podem dizer com certeza sobre uma revolução é que, quando
se está no meio de uma delas, não se tem ideia de onde e quando ela
terminará. Minha visão pessoal é de que não veremos uma migração de mão
única do impresso para o digital no mundo do livro: veremos antes o
surgimento de uma economia mista de impresso e digital, com alguns tipos
de publicações - como ficção popular e comercial - mudando fortemente
para vendas digitais, enquanto outros tipos de publicações, até alguns
tipos de livros de não ficção e pesadamente ilustrados (incluindo livros
infantis), continuarão a ser vendidos na forma impressa. O livro
impresso tem algumas vantagens sobre os e-books, pelo menos no estágio
atual de desenvolvimento, e muitos leitores continuarão a preferir
comprar e ler livros numa forma física - especialmente os livros que
lhes interessam. As editoras mais bem-sucedidas serão aquelas capazes de
estruturar seus negócios de modo a tirar plena vantagem das vendas
tanto de livros impressos como digitais. Mas esses são processos
imprevisíveis por natureza, dependentes de fatores incalculáveis de
inovações ainda desconhecidas para os hábitos e gostos de leitores, e
ninguém sabe com certeza como esses processos se desenrolarão nos
próximos anos.
------------------
TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
Reportagem por Maria Fernanda Rodrigues
MERCADORES DE CULTURA - O MERCADO EDITORIAL NO SÉCULO XXI
Autor: John B. Thompson
Tradução: Alzira Allegro
Editora: Unesp
Fonte: http://www.estadao.com.br/23/3/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário