Geógrafo
de formação, o britânico David Harvey é um dos grandes comentadores da
obra de Karl Marx. Ele profere hoje, em Porto Alegre, às 19h, no Teatro
da Amrigs (Avenida Ipiranga, 5.311), a palestra Para Ler “O Capital”. O
título da conferência ancora-se no livro Para Entender “O Capital”
(Boitempo, 335 páginas, R$ 49), que está saindo agora no Brasil. A
entrada é gratuita. Inscrições pelo e-mail
harvey.poa@laurocampos.org.br. Harvey conversou por telefone com Zero
Hora:
Zero Hora – O que o senhor pode adiantar de sua conferência?
David
Harvey – O tema vai girar sobre os motivos para ler Marx hoje, e que
tipo de coisas podemos aprender com ele e o que não podemos aprender com
ele, dado que tem havido muitos mal-entendidos a respeito disso. Vou
falar também sobre sua significação política e também o quão útil ele
pode ser para a compreensão do contexto das atuais dificuldades
enfrentadas pela economia global.
Zero Hora – E por que ler Marx hoje?
Harvey
– Porque o que Marx fez, em O Capital, particularmente, foi escrever
uma exposição crítica de como o capitalismo funciona. E hoje, após 30 ou
40 anos de políticas neoliberais, de muitas maneiras, o que Marx conta
descreve exatamente o mundo que está sendo construído agora. Então, ele é
muito relevante para o entendimento da dinâmica da atual situação
mundial.
ZH – Com a crise de 2008, muitos se apressaram em
declarar o fim do capitalismo financeiro. O senhor, entretanto, alertou
recentemente que as grandes fortunas especulativas só aumentaram. Por
que isso aconteceu?
Harvey – Porque muitos integrantes da elite
financeira têm uma influência real e direta sobre a mídia e sobre
conexões políticas e usaram a crise para melhorar sua situação. Alguns
deles se deram mal, alguns foram para a cadeia, é verdade, mas a longo
prazo, essa fatia de 0,1% da população que compõe a fatia mais rica
ficou ainda mais rica do que há cinco anos, quando a crise estourou.
ZH
– A crise financeira levou pessoas às ruas para manifestações contra a
falta de regulamentação do capital. Que oportunidades se abriram para
propostas alternativas ao modelo vigente?
Harvey – Em minha
opinião, abriram-se muitas oportunidades. Acho, contudo, que a grande
pergunta é: por que tais oportunidades não estão sendo aproveitadas de
modo mais efetivo pela esquerda? Em especial, acho que não vimos os
partidos políticos da esquerda se apresentarem à altura do desafio. A
maior parte desses protestos ocorreu nas ruas, e não parece ter
alcançado os políticos. Penso que as instituições por meio das quais as
mudanças políticas são organizadas tradicionalmente, como sindicatos ou
partidos políticos, simplesmente desapareceram e não foram fortes o
bastante para articular o que deveria ser uma alternativa
anticapitalista. As oportunidades apareceram. A pergunta é por que a
esquerda não tirou melhor proveito.
ZH –Slavoj Zizek, que veio a
Porto Alegre no início deste mês, comentou que as manifestações não
geraram proposta concreta alguma, e que faltava aos manifestantes uma
ideia do que queriam de fato. O senhor concorda?
Harvey – Sim. A
maior parte das manifestações tinha caráter de pura oposição, e não
foram construtivas a respeito de alternativas. Meu trabalho tem sido no
intuito de mudar isso, de tentar criar uma visão alternativa, com a qual
as pessoas possam se identificar e pela qual possam se mobilizar. Penso
que foi o que Marx e Engels fizeram quando escreveram o Manifesto
Comunista, e deveríamos estar fazendo algo parecido agora. Claro que as
condições hoje são diferentes, não podemos repetir o Manifesto..., temos
que lidar com a situação de crise global, com as interações que estão
ocorrendo com as novas tecnologias e, é claro, com a natureza financeira
do capitalismo atual. Temos um cenário diferente hoje do de há 150
anos, mas temos a obrigação de articular o que poderia ser uma
alternativa anticapitalista.
ZH – Zizek também comentou que,
passados cinco anos, a maior consequência da crise foi a perda, pela
Europa, do papel de modelo. Na sua opinião, a crise é apenas europeia?
Harvey
– Não. A crise está em toda parte, mas assumiu diferentes formas. Se
você perguntar sobre a situação do desemprego, obviamente certas partes
da Europa têm altos índices, e outras, como a Alemanha, têm baixos
índices. E na própria Europa parte está se saindo muito bem e parte está
se saindo muito mal, é o que eu chamo de dessenvolvimento geográfico
desigual da crise. Nós vemos isso mesmo em outros países. Em Nova York,
de onde venho, a economia não está se saindo muito mal. Temos algumas
dificuldades, mas não está tão mal quanto Las Vegas, Florida ou Phoenix.
É um desenvolvimento desigual da crise, e você tem de ser muito
específico sobre qual a natureza da crise. Em uma parte do mundo, é
desemprego, em outra, é a instabilidade financeira, e em outra ainda, é a
crise política. A maior parte da Europa em dificuldades, principalmente
na zona do Euro, está em uma crise política.
Reportagem por CARLOS ANDRÉ MOREIRA
Fonte: ZH on line, 25/03/2013
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