Jorge Barcellos*
E as câmeras chegaram à educação, mas não sem problemas. Começou no Colégio Rio Branco, de São Paulo. Lá, os alunos foram surpreendidos com câmeras em sala de aula. Incomodados, organizaram um movimento e 117 foram suspensos. Educadores e pais começaram a se manifestar a respeito. Agora, a iniciativa chega a Porto Alegre com o Colégio Província de São Pedro. Rosely Sayão, psicóloga e educadora deu o alerta: se isto acontece, é o sinal de falência da escola. É que a função da escola é educar para o exercício da cidadania. A base de sua ação é a relação que estabelecem entre si alunos e professores. Sua característica principal é que é uma relação de confiança, base de todo o campo da ação escolar, do ensino à aprendizagem, sim, mas também seus embates e conflitos, encontros e desencontros, regras e, por que não, transgressões. Numa palavra, é a base da sociabilidade escolar.
Nesse novo Big Brother, câmeras na sala de aula acirram as situações de controle e adestramento no interior do espaço escolar, desumanizam as relações humanas, quebram a confiança da relação entre aluno e professor baseada no encontro. Mas não sejamos teóricos apenas: a iniciativa infringe o Artigo 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê detenção de seis meses a dois anos a quem “submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento”. É o que fazem as câmeras em sala de aula. Observe: não estamos falando de câmeras em berçários para pais que desejam controlar seus filhos a distância, estamos falando de excesso de controle de alunos de educação básica com noções de privacidade.
A questão é profundamente ideológica. Primeiro, a quem queremos proteger com as câmeras? Há inúmeros professores que desejam câmeras na sala de aula, sim, mas eles não visam proteger os alunos, mas a si mesmos naqueles estabelecimentos cujas relações entre seus atores chegou a um nível de desagregação insuportável. Segundo, porque é um novo Big Brother. Porque introduz no universo escolar o lema de um deles, Survivor, que é “Não confie em ninguém!”, slogan que diz tudo sobre os efeitos de câmeras em qualquer espaço a qualquer preço. Sala de aula e câmeras não combinam: a primeira necessita de liberdade e a segunda impõe a cultura do medo, outro nome que damos ao sentimento de falta de defesa que vivenciamos na sociedade e que, agora, avança sobre a escola.
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*Doutor em Educação pela UFRGS
Fonte: ZH on line, 23/03/2013
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