sábado, 9 de março de 2013

Favelas brasileiras são mais agradáveis, mas têm violência

ENTREVISTA - SUKETU MEHTA

PARA JORNALISTA E ESCRITOR INDIANO, OCUPAÇÕES IRREGULARES DE SEU PAÍS TÊM MENOS ESTRUTURA, MAS, SEM A PRESENÇA DE ARMAS E DROGAS, SÃO MAIS SEGURAS
 
Autor de "Bombaim, Cidade Máxima", Suketu Mehta diz que o crescimento econômico da Índia transformou a cidade em que viveu -hoje chamada Mumbai- num canteiro desordenado de obras e que os aglomerados urbanos podem ter problemas pela falta ou pelo excesso de dinheiro.
"Há uma febre especulativa no setor imobiliário e os preços dos imóveis quintuplicaram. O mercado viola toda e qualquer lei que restringe sua ação. Tornou-se quase impossível caminhar", diz o escritor e jornalista.
O caos urbano faz aumentar a violência e por isso, diz ele, o desafio dos próximos anos é redistribuir a renda.
Segundo ele, as "favelas brasileiras são mais agradáveis, limpas e mais bem construídas", mas mais violentas que as de seu país. "Dada a ausência de drogas e armas, é normalmente seguro andar nas favelas indianas."
Mehta esteve no Rio na semana passada para o seminário "Arquitetura, cidade, metrópole: democratizar cidades sustentáveis", no Instituto dos Arquitetos do Brasil.
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Folha - Em seu livro, o sr. diz que entre os rótulos de moribunda e assassina atribuídos a Mumbai, considera o de moribunda inadequado. Por quê?
Suketu Mehta - Há muita miséria, a corrupção está impregnada em todos os níveis, o transporte público é péssimo, mas um milhão de pessoas migram todos os anos para Mumbai. Elas enfrentam problemas urbanos sérios, mas ainda assim são atraídas pela cidade.
Há uma grande energia e as melhores oportunidades disponíveis na Índia. Qualquer um pode encontrar emprego, ninguém morre de fome e é possível enviar dinheiro para os familiares que ficaram nas vilas [áreas mais rurais]. 

 "As cidades indianas estão sendo destruídas
 pelos automóveis e, em vez de investir 
no transporte público, o Estado 
insiste no privado."

O sr. viveu muitos anos no exterior. Que transformações em Mumbai achou mais gritantes?
Há agora uma febre especulativa no setor imobiliário e os preços dos imóveis quintuplicaram. O mercado viola toda e qualquer lei que restringe sua ação. Os capitais globais chegaram.
Uma cidade pode ter problemas tanto pela falta como pelo excesso de dinheiro.
Mumbai agora padece dos problemas associados ao excesso: há especulação por toda parte, muitos canteiros de obras, e tornou-se quase impossível caminhar.
As calçadas se tornaram lugares disputadíssimos e muitos são forçados a andar nas pistas, entre centenas de carros. As cidades indianas estão sendo destruídas pelos automóveis e, em vez de investir no transporte público, o Estado insiste no privado.
Mumbai é um pesadelo, mas as pessoas não param de chegar, tanto as pobres como as ricas. Eu me pergunto: como uma cidade tão desagradável atrai tanta gente? 

No Brasil, projetos de urbanização das favelas são descontínuos, mas existem. Como isso se dá na Índia, onde divisões religiosas e de casta parecem legitimar desigualdades sociais e espaciais?
Em Mumbai, existe uma lei que estabelece que, se 70% das pessoas de uma favela concordarem, ela pode ser demolida, independentemente da vontade dos demais 30%.
O governo então cria moradias, mas com frequência essas pessoas são transferidas para lugares distantes ou realocadas para uma parte menor do espaço originalmente ocupado pela favela.
O senso de comunidade é perdido e a violência sobe. Além disso, as novas habitações são de péssima qualidade, construídas com material barato. O terreno desocupado é então liberado para o mercado e a especulação.
Algo que pode parecer inusitado para quem não conhece Mumbai é saber que 60% das pessoas na cidade vivem em favelas e muitas delas pertencem à classe média. São médicos, engenheiros etc.
As favelas brasileiras são mais agradáveis, limpas e mais bem construídas. É assustador constatar que mesmo aquelas que estão sob controle dos traficantes são mais bem equipadas e atendidas do que as que estão sob controle do Estado na Índia. 

 "Para se ter uma ideia, em Nova York 
o 1% mais rico ganha mais em um dia 
do que os 44% mais pobres ganham em 
um ano inteiro de trabalho. 
 Manhattan se tornou um 
playground para os ricos globais 
e os pobres foram expulsos."

Nas favelas brasileiras, a violência é associada à presença de armas e ao tráfico de drogas. Como é a violência nas favelas indianas?
Estive no Brasil quatro vezes. Nas visitas, passei uma semana indo a favelas como a Rocinha e o Complexo do Alemão. Noto que a grande diferença diz respeito justamente à presença de drogas e armas.
Na Índia, a violência é de caráter político e religioso, entre castas, entre muçulmanos e hindus, entre nativos e imigrantes. Mas, dada a ausência de drogas e armas, é normalmente seguro andar nas favelas indianas.
As favelas da Índia que, nesse aspecto, se assemelham às brasileiras ficam no interior do país e hoje são controladas pelos Maoistas, ou Naxalitas, que não permitem a entrada do Estado. 

O sr. pode fazer uma comparação entre as áreas mais degradadas do Rio, Mumbai e Nova York, onde o sr. vive?
Nesse momento estou escrevendo um livro sobre Nova York. A cidade teve melhorias dramáticas nas últimas décadas. No entanto, trata-se de uma das cidades mais desiguais na América do Norte.
Para se ter uma ideia, em Nova York o 1% mais rico ganha mais em um dia do que os 44% mais pobres ganham em um ano inteiro de trabalho. Manhattan se tornou um playground para os ricos globais e os pobres foram expulsos. Os negros, por exemplo, estão migrando para lugares como Atlanta. 

Na Índia as divisões religiosas e entre castas explicam a maior parte da discriminação social e espacial. Quais são as clivagens sociais mais importantes no Brasil e nos EUA?
Nos EUA, é a desigualdade de renda. No Brasil, o que mais chama atenção são as desigualdades raciais.
As favelas são predominantemente negras, as posições de prestígio na sociedade brasileira não são ocupadas por eles, que estão em sua maioria ausentes nas universidades, na mídia e nas empresas. 

 "Uma religião que prega o conformismo 
não está mais segurando a insatisfação 
diante das desigualdades. "

O sr. crê que os elevados índices de crescimento econômico estão contribuindo para elevar a qualidade de vida de todos os indianos ou beneficiam apenas a elite?
Por muitas décadas as taxas de crescimento da Índia foram muito baixas. De repente, atingem quase 10% ao ano.
Se você observar a história da Índia desde a independência verá que ela foi marcada por uma imensa transferência de poder. A democracia trouxe o sufrágio para todos e, diferentemente de países como os EUA, na Índia os pobres votam e os ricos não.
Há muitos políticos de castas baixas. Apesar de 82% da população ser hindu, o primeiro-ministro é sikh [religião monoteísta], a presidenta é uma mulher, o líder da coalizão do governo é um católico italiano.
Ocorre que essa divisão do poder contrasta com o fato de que a riqueza não está sendo repartida. Por isso, o desafio dos próximos anos é redistribuir a renda, e isso é uma questão até mesmo de sobrevivência para os ricos.
Nesse momento, as pessoas ainda podem migrar para cidades como Mumbai e encontrar outras opções que não a violência.
A visão da prosperidade dos ricos e a ocidentalização, porém, estão gerando inquietação social entre os pobres.
Uma religião que prega o conformismo não está mais segurando a insatisfação diante das desigualdades. 

No seu livro, o sr. menciona que aprendeu a ver além das ruínas da cidade física e enxergar a força vital incandescente dos seus residentes. Quais conselhos daria a alguém que deseja conhecer a força vital das cidades?
O fenômeno mais importante em curso hoje no mundo é a migração das áreas rurais, das vilas, para as cidades. Isso em lugares como a África, América, Ásia...
Na Índia, a maioria das pessoas ainda vive em vilas, mais isso está prestes a mudar. E há algo nas cidades que ultrapassa em muito a questão apenas econômica: as pessoas encontram liberdade para casar com quem quiser, assistir a um filme, fazer escolhas.
Há pouca liberdade individual nas vilas, e a vitalidade das cidades está justamente nessa conquista da liberdade.

Raio X - Suketu Mehta 

VIDA
Jornalista e escritor, nasceu em Calcutá, na Índia, em 1963, mas fixou-se em Bombaim (atual Mumbai). Mudou-se com a família para Nova York e retornou a Mumbai 21 anos depois

OBRA
"Bombaim, Cidade Máxima", sobre o cotidiano de uma das cidades mais populosas do mundo
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Reportagem por  ROGÉRIO DAFLONCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO
Fonte: Folha on line, 09/03/2013
Imagem da Internet

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