domingo, 17 de março de 2013

O último papa

Leandro Karnal*
 

A renúncia de um papa hipnotizou a mídia ocidental. Mas as notícias anteriores indicavam uma igreja em declínio. O que aconteceu? 
No apogeu do papado medieval, Inocêncio 3º (século 13) tinha poder de excomungar e depor reis, interditar o paraíso a um país inteiro, convocar cruzadas contra heréticos e islâmicos e liderar concílios que movimentavam toda a geopolítica europeia. Na verdade, Inocêncio fez quase tudo isso. Dono de um poder internacional enorme, o bispo de Roma representava o topo simbólico de uma longa cadeia de mandos.

A julgar pela imprensa, nada mudou depois de 800 anos. A renúncia de um papa e a eleição de outro hipnotizou quase toda mídia ocidental. Mas... as notícias anteriores indicavam uma igreja numericamente em declínio. Havia escândalos sexuais e financeiros por todo lado. Mesmo assim, o conclave de 2013 recebeu atenção ainda maior do que em 2005 ou 1978. O que aconteceu?

No mundo líquido atual, uma instituição com quase 2.000 anos chama atenção. Pompa, hierarquia e pretensão metafísica combinadas são quase insuperáveis. A capilarização da igreja ainda é notável, das paróquias aos orfanatos, especialmente no Brasil. Para o bem e para o mal, a terra de Santa Cruz foi concebida católica. Sua maior cidade, São Paulo, foi batizada pela ordem do atual papa Francisco, os jesuítas.

O conclave de 2013 surpreendeu com um papa argentino e da Companhia de Jesus. Há lições do episódio. Os jornais torciam abertamente por um brasileiro, como o fez a imprensa das Filipinas. Isso mostra o ranço nacionalista.

Mas, esqueceram-se de sondar os eleitores, cuja lógica só pode ser decifrada pelos afrescos de Michelangelo na Capela Sistina. Os "papabili" da imprensa não coincidiram com os dos votos purpurados. Nacionalismo é fato do 19; ontem para a Igreja Católica. A lição deveria ser entendida: esse grupo vê, mas não joga para a torcida, mesmo sendo ainda a maior torcida do planeta.

Segunda lição: a Igreja Católica não está numa crise; ela vive numa crise desde sua origem. Denúncias de pedofilia seriam piores do que o papa Júlio 3º viver em meio a garotos de programa? Escândalos financeiros atuais seriam maiores do que a ousadia de Leão 10º para vender indulgências? O conservadorismo atual seria mais denso do que o do beato Pio 9º, que considerou até a democracia condenável?

Aparentemente, o repertório histórico do papado faz com que seja impossível criar nova virtude ou vício que já não tenha um predecessor mais notável. A igreja vive e sobrevive entre crises. O balanço do barquinho na tempestade do mar da Galileia virou ciclone constante. E "la nave va"... Talvez o niilismo contemporâneo talvez seja atraído por fundamentalismos, ou até os estimule.

Última lição do conclave: a Igreja Católica e o papado despertam emoções polares. Os que já a amavam destacam que o papa pegava transporte público e cozinhava sua comida. Seria humildade, como se canalhas não pudessem estar num metrô ou serem cozinheiros.

Os detratores trouxeram à tona conhecidas denúncias sobre as relações de Bergoglio com a ditadura argentina. Seus inimigos e fãs apenas continuam alimentando o fogo das vaidades e, querendo ou não, mantêm a igreja no lugar que ela mais deseja: no centro da mídia.

Profetas canhestros determinaram que o último pontífice seria o "papa negro". O superior geral dos jesuítas tinha esse título não oficial. O hábito da ordem de Inácio era dessa cor. Um papa jesuíta, e ainda sendo o último da lista de são Malaquias, só pode indicar o fim dos tempos. Os maias estão desacreditados nesse campo.

Cumpre-se uma ironia que não escapará ao humor tupiniquim: a Igreja Católica sobreviveu a tudo, menos a um argentino. Iremos ao apocalipse com esse sorriso nos lábios.

Mas, se o mundo não acabar (como teima em fazê-lo), iremos a novo conclave. Haverá apostas certeiras sobre as chances enormes de um cardeal brasileiro, de um africano e do conhecido arcebispo de Milão... Deve ser melancólico ser eterno. 
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