Antonio Ozaí da Silva*
“… o longo hábito de não pensar que uma coisa seja errada lhe dá o aspecto superficial de ser certa, e ergue de início um temível brado em defesa do costume. Mas o tumulto não tarda em arrefecer. O tempo cria mais convertidos do que a razão” (Thomas Paine)[1]
“Old Habits Die Hard” (Mick Jagger)
Por que é tão difícil mudar os hábitos? Por que nos apegamos
desesperadamente aos costumes e às tradições? Por que tememos o novo? A
necessidade de segurança é uma resposta possível. O hábito, os costumes e
as tradições representam o porto seguro, o conhecido e vivenciado que resiste ao passar do tempo. Produzem certezas, nutrem a segurança ontológica necessária ao indivíduo.[2]
Esta diz respeito ao sentimento que temos sobre a continuidade das
coisas e das pessoas; um sentimento inculcado desde a infância e que se
vincula à rotina e à influência do hábito. A necessidade de “segurança
ontológica” produz novo ambiente de confiança.[3]
A confiança é fundamental para o sentimento de segurança, os hábitos
suprem esta necessidade. A rotina é um poderoso freio às transformações
sociais e individuais. Revoluções promovem rupturas nos hábitos, solapam
as tradições e os costumes. Mas as profundas alterações econômicas e
políticas estruturais não mudam necessariamente a forma de sentir e
pensar das pessoas. A tradição persiste, o material humano que tem a
missão de construir o mundo novo, o novo homem e a nova mulher trás em
si o velho mundo, as velhas crenças, valores e costumes. É muito difícil
consolidar o novo. As tradições são reinventadas, o desejo de ordem
alimenta a institucionalização do que se pretende novo.
O caos gera insegurança, a revolução dos hábitos, costumes e tradições necessita reinstituir a segurança do ser no mundo.
Não é possível simplesmente rejeitar o passado, apagar de forma
voluntarista as crenças e valores que constituíram os seres humanos
construtores da nova ordem. As soluções autoritárias mostram-se
insuficientes. O sacrifício de vidas, o sangue humano que fertiliza o
solo das utopias autoritárias é jorrado em vão. O holocausto exigido
pela Revolução revela-se incapaz de cumprir a promessa do paraíso na terra!
Por outro lado, a necessidade de segurança expressa a contradição dos
processos revolucionários. A partir de certo estágio, a revolução
torna-se conservadora, institucionaliza-se e consolida novos hábitos. A
ordem deve reinar novamente! O futuro precisa ser protelado em nome das
necessidades prementes. Claro, persiste a retórica revolucionária,
necessária para legitimar ideologicamente a nova ordem instituída. Mas a
prática cotidiana se impõe e a rotina social e política burocratiza-se.
Eis o dilema dos arquitetos de novas sociedades, construtores utópicos
dos novos mundos.
É também um dilema individual. Nos debatemos entre o desejo e o medo
de realizá-lo, entre a realidade e a possibilidade. Almejamos o novo,
mas precisamos desesperadamente nos sentir seguros. Queremos navegar por
novos mares e caminhar por novos territórios, mas nos apegamos ao porto seguro.
Queremos o futuro, mas nos prendemos ao passado e ao presente. Somos
inconformistas, mas a necessidade de segurança nos lança nas malhas do
conformismo. Nos atiramos com toda a força nas veredas das rupturas, mas
a força do hábito se impõe. Somo seres divididos, angustiados diante
das incertezas; seres em dúvida, sem certezas absolutas, cindidos entre a
ruptura e a tradição, a busca do novo e o apego aos velhos hábitos
incrustados em nosso ser. Sorte tem os conformistas, sempre tão seguros e
plenos de certezas. Sorte dos inconformistas que se protegem em
fortalezas imaginárias e parecem imunes à realidade, necessariamente
contraditória.
[3] Retomo a reflexão Modernidade e Segurança Ontológica, publicada em 06/10/2007.
Para ver: - http://youtu.be/VkCDxu6Z2XE
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* Professor do Departamento de Ciências Sociais, Universidade Estadual de
Maringá (UEM); Editor da Revista Espaço Acadêmico e Revista Urutágua
Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/2013/08/24/a-forca-do-habito/
Imagem da Internet
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