Escritor, que participa pela terceira vez do evento, também integra comissão julgadora do Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon
Convidado da 15ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, o carioca José Castello
é biógrafo, crítico, cronista, romancista, jornalista e mestre em
comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele
conviveu com alguns dos maiores nomes das letras brasileiras e escreveu
biografias de Vinicius de Moraes e João Cabral de Melo Neto. Castello
já enveredou pela ficção com os romances Fantasma (2001) e Ribamar (2010).
Em sua terceira Jornada, o autor, que também é integrante da comissão julgadora do Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon, discutirá o tema Trabalho, Autonomia e Consumo, na quinta-feira, às 14h, no Palco de Debates. No mesmo dia, às 17h, autografa seu livro mais recente, Os Sábados Inquietos (2013), uma compilação de 100 das mais de 300 colunas de crítica literária publicadas no suplemento Prosa, do jornal O Globo.
Zero Hora - Qual foco o senhor dará para o debate da Jornada?
José Castello - O grande paradoxo que vive a literatura hoje no Brasil é, por um lado, o crescimento extraordinário dos grandes grupos editoriais, das editoras médias e pequenas, das grandes redes de livrarias, dos prêmios literários e até mesmo do espaço para a literatura. Tudo isso é um efeito positivo do crescimento do mercado. Por outro lado, existe cada vez mais a tendência para a padronização da escrita.
ZH - Como assim?
Castello - Percebo isso nas oficinas literárias, que ministro há mais de 10 anos. É muito comum os mais jovens chegarem na oficina perguntando se não vai ter apostila, exercícios, notas, correções, avaliações, ou seja, pedindo normas, truques. Isso me espanta, principalmente entre os mais jovens, que querem que eu diga o que é escrever bem, o que é escrever, e nada mais na direção ao contrário do que é a literatura, que é o campo da particularidade, da singularidade. Rosa (Guimarães), Clarice (Lispector) e Saramago (José) são três grandes ficcionistas com estilos inconfundíveis. Não dá para confundir uma página de Rosa com uma página de Clarice, uma página de Clarice com uma página de Saramago. Eles são grandes exatamente por isso, porque cada um encontrou um caminho singular e inconfundível para trabalhar. Essa singularidade vem sendo ameaçada por uma tendência. Dei o exemplo dos alunos da oficina, mas, na verdade, é uma tendência de mercado muito incentivada pela internacionalização da literatura brasileira. Muitos editores pedem para os escritores chegarem a um texto médio, com mais diálogo, que seja mais leve, mais rápido.
ZH - Que seja mais vendável?
Castello - Em resumo, é isso. Esse é o efeito negativo do crescimento do mercado na última década. Editores devolvem originais pedindo uma escrita mais palatável. Muitos deles trabalham com os escritores lendo capítulos, devolvendo com pedidos e sugestões para escrever de uma forma ou de outra. Essa tendência à padronização, à mediania termina sendo um ataque ao que deve caracterizar a literatura e que caracteriza a grande literatura, que é o singular, o inconfundível. O grande escritor não é aquele que acerta, não é aquele que escreve bem. É aquele que encontra a sua maneira particular de errar e aposta na sua "linguagem errada", encontra a sua dicção e aposta na sua dicção, encontra seu caminho e avança nesse caminho contra tudo e contra todos. O mercado pede o contrário. Esse é o grande paradoxo que a literatura vive no Brasil.
ZH - Então, as editores estão indo ao encontro das pessoas que leem pouco tornando o texto mais acessível aos leitores que ficam na média de leitura do país, no máximo dois livros por ano?
Castello - Sim, isso numa perspectiva de venda, numa perspectiva do leitor que leu pouco e só lerá textos toleráveis. É uma suposição errada. A Clarice Lispector, por exemplo, é uma escritora muito difícil e tem muito adolescente lendo. Outro exemplo na internet é uma autora considerada dificílima, sempre desprezada por fazer uma literatura muito cerebral, sofisticada em excesso, a Hilda Hilst. Virou uma vedete na internet com site de admiradores divulgando o trabalho dela. Supor que, para aproximar a pessoa da literatura, é preciso facilitar as coisas, é diminuir o leitor.
ZH - Mas esse é o pensamento da editora?
Castello - É o pensamento da editora, mas é um pensamento totalmente errado. O que atrai o leitor não é a mediania, é a surpresa. Não é a facilitação, é o desafio. Você se apega a um livro e não consegue largar quando esse livro perturba, quando diz coisas que você nunca ouviu, quando propõe pensamentos, linguagens e imagens que você desconhecia. É isso que faz você grudar num livro, e não o fato de ele ser médio, fácil, digerido.
ZH - O que os escritores podem fazer para mudar esse quadro?Castello - Os escritores devem persistir no seu caminho. Uma qualidade, não só dos escritores, mas dos artistas em geral, é a intransigência. Ele tem que ser intransigente. Se o meu caminho é esse, não abro mão dele. A literatura se transforma nesse mundo mediano, rápido, e aí pensamos também nas novas tecnologias: é tudo muito rápido, muito fragmentado, é o mundo das coisas curtas. Os próprios jornais estão afundando com isso, muitos fecharam, cadernos de cultura importantes fecharam porque apostaram nos textos menores, mais simples. Acho que devemos fazer o contrário, se o cenário está difícil, a gente tem que arriscar mais e não facilitar. Os escritores que estão se consagrando, se mantendo na primeira linha da literatura, são os que persistem.
Em sua terceira Jornada, o autor, que também é integrante da comissão julgadora do Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon, discutirá o tema Trabalho, Autonomia e Consumo, na quinta-feira, às 14h, no Palco de Debates. No mesmo dia, às 17h, autografa seu livro mais recente, Os Sábados Inquietos (2013), uma compilação de 100 das mais de 300 colunas de crítica literária publicadas no suplemento Prosa, do jornal O Globo.
Zero Hora - Qual foco o senhor dará para o debate da Jornada?
José Castello - O grande paradoxo que vive a literatura hoje no Brasil é, por um lado, o crescimento extraordinário dos grandes grupos editoriais, das editoras médias e pequenas, das grandes redes de livrarias, dos prêmios literários e até mesmo do espaço para a literatura. Tudo isso é um efeito positivo do crescimento do mercado. Por outro lado, existe cada vez mais a tendência para a padronização da escrita.
ZH - Como assim?
Castello - Percebo isso nas oficinas literárias, que ministro há mais de 10 anos. É muito comum os mais jovens chegarem na oficina perguntando se não vai ter apostila, exercícios, notas, correções, avaliações, ou seja, pedindo normas, truques. Isso me espanta, principalmente entre os mais jovens, que querem que eu diga o que é escrever bem, o que é escrever, e nada mais na direção ao contrário do que é a literatura, que é o campo da particularidade, da singularidade. Rosa (Guimarães), Clarice (Lispector) e Saramago (José) são três grandes ficcionistas com estilos inconfundíveis. Não dá para confundir uma página de Rosa com uma página de Clarice, uma página de Clarice com uma página de Saramago. Eles são grandes exatamente por isso, porque cada um encontrou um caminho singular e inconfundível para trabalhar. Essa singularidade vem sendo ameaçada por uma tendência. Dei o exemplo dos alunos da oficina, mas, na verdade, é uma tendência de mercado muito incentivada pela internacionalização da literatura brasileira. Muitos editores pedem para os escritores chegarem a um texto médio, com mais diálogo, que seja mais leve, mais rápido.
ZH - Que seja mais vendável?
Castello - Em resumo, é isso. Esse é o efeito negativo do crescimento do mercado na última década. Editores devolvem originais pedindo uma escrita mais palatável. Muitos deles trabalham com os escritores lendo capítulos, devolvendo com pedidos e sugestões para escrever de uma forma ou de outra. Essa tendência à padronização, à mediania termina sendo um ataque ao que deve caracterizar a literatura e que caracteriza a grande literatura, que é o singular, o inconfundível. O grande escritor não é aquele que acerta, não é aquele que escreve bem. É aquele que encontra a sua maneira particular de errar e aposta na sua "linguagem errada", encontra a sua dicção e aposta na sua dicção, encontra seu caminho e avança nesse caminho contra tudo e contra todos. O mercado pede o contrário. Esse é o grande paradoxo que a literatura vive no Brasil.
ZH - Então, as editores estão indo ao encontro das pessoas que leem pouco tornando o texto mais acessível aos leitores que ficam na média de leitura do país, no máximo dois livros por ano?
Castello - Sim, isso numa perspectiva de venda, numa perspectiva do leitor que leu pouco e só lerá textos toleráveis. É uma suposição errada. A Clarice Lispector, por exemplo, é uma escritora muito difícil e tem muito adolescente lendo. Outro exemplo na internet é uma autora considerada dificílima, sempre desprezada por fazer uma literatura muito cerebral, sofisticada em excesso, a Hilda Hilst. Virou uma vedete na internet com site de admiradores divulgando o trabalho dela. Supor que, para aproximar a pessoa da literatura, é preciso facilitar as coisas, é diminuir o leitor.
ZH - Mas esse é o pensamento da editora?
Castello - É o pensamento da editora, mas é um pensamento totalmente errado. O que atrai o leitor não é a mediania, é a surpresa. Não é a facilitação, é o desafio. Você se apega a um livro e não consegue largar quando esse livro perturba, quando diz coisas que você nunca ouviu, quando propõe pensamentos, linguagens e imagens que você desconhecia. É isso que faz você grudar num livro, e não o fato de ele ser médio, fácil, digerido.
ZH - O que os escritores podem fazer para mudar esse quadro?Castello - Os escritores devem persistir no seu caminho. Uma qualidade, não só dos escritores, mas dos artistas em geral, é a intransigência. Ele tem que ser intransigente. Se o meu caminho é esse, não abro mão dele. A literatura se transforma nesse mundo mediano, rápido, e aí pensamos também nas novas tecnologias: é tudo muito rápido, muito fragmentado, é o mundo das coisas curtas. Os próprios jornais estão afundando com isso, muitos fecharam, cadernos de cultura importantes fecharam porque apostaram nos textos menores, mais simples. Acho que devemos fazer o contrário, se o cenário está difícil, a gente tem que arriscar mais e não facilitar. Os escritores que estão se consagrando, se mantendo na primeira linha da literatura, são os que persistem.
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Foto:
Porthus Junior / Agencia RBS
Reportagem por : Cristina Duarte, Especial
Fonte: ZH on line, 26/08/2013
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