"O jogo, como a vida, tem muitas experiências
diferentes.
Há ideias e recuos, os milagres e
as noites escuras da alma,
e as oportunidades de servir
(a si mesmo e aos outros)."
Não foi muito planejada a primeira visita da canadense Judy
McAllister à Fundação Findhor, a ecovila mais famosas do mundo,
localizada ao norte da Escócia. Ela havia lido sobre o local em algum
dos livros sobre plantas que um professor havia lhe dado. Anos depois,
em viagem pela Europa com o marido, voltou a ler por acaso sobre o
assunto. Foi quando decidiu que, antes de voltar para o Canadá,
visitaria aquela comunidade. “Mas quando entrei ali, percebi que estava
em casa”, conta a escritora que, passados 35 anos, ainda se encontra na
fundação da qual se tornou coordenadora.
Findhorn foi criada em 1962 e logo se tornou famosa por seus jardins
maravilhosos e sua abordagem espiritual. Isso é tão forte dentro da
fundação, que mesmo o pilar ambiental do famoso tripé da
sustentabilidade – que leva em conta o equilíbrio entre aspectos
ambientais, sociais e econômicos de uma iniciativa bem sucedida – é
sobreposto pelo espiritual. “A espiritualidade tem sido a linha de fundo
em Findhorn desde o seu início. Ela inclui o trabalho em harmonia com a
natureza”, diz Judy. “Respeitar o meio ambiente é intrínseco à forma
como buscamos incorporar o tipo de espiritualidade que estamos
explorando. Aprendemos a colocar os valores e a ética dos princípios
espirituais na prática de todos os tipos de atividades”, completa.
Dentro desse ambiente de vivências únicas, muitas atividades foram
criadas para desenvolver o bom relacionamento com a comunidade e o meio
ambiente. Um deles é o Jogo Global, uma versão extendida do Jogo da
Transformação, que, a grosso modo, busca representar formas de como as
pessoas lidam com a vida em todos os seus aspectos. Em setembro, ele
será realizado pela primeira vez no Brasil, em uma iniciativa inédita
promovida por Olga Balian, da Taygeta Consultores (os interessados em
participar devem se inscrever no site http://jogoplanetario.com.br/). Judy estará presente e nesta entrevista para o Mercado Ético, ela conta um pouco mais sobre o game, além da sua visão de como o lado espiritual está diretamente ligado ao desenvolvimento sustentável.
Confira abaixo.
Mercado Ético - Recentemente, a Fundação
Findhorn, completou 50 anos de existência e faz 35 que você vive na
comunidade. O que aprendeu ao longo deste tempo?
Judy McAllister – Eu poderia encher um livro falando
sobre isso. Nós aprendemos muito sobre todos os tipos de coisas. Como
equilibrar a vida espiritual com a vida cotidiana, como viver de forma
cooperativa (na maioria das vezes) em um grupo diversificado de
nacionalidades e idades, como construir uma comunidade, como viver mais
harmoniosamente com o planeta. Descobrimos que o riso compartilhado,
especialmente quando estamos rindo de nós mesmos, é uma poderosa
ferramenta de união. E é claro que meditar juntos diariamente também.
Também aprendemos a construir casas ecológicas, a criar um
ecossistema inteiro na terra ocupada. Antes, a área onde está a ecovila
não era nada mais do que areia e seixos. Hoje, temos um grande espaço
verde. E para você ter uma ideia, a Fundação Findhorn registrou a menor
pegada ecológica de todo o mundo desenvolvido. Nossos impactos da
natureza são a metade da média de todo o Reino Unido.
Então estamos construindo uma cultura baseada em um espaço comum de
valores espirituais compartilhados. Uma cultura que é sustentável de
todas as maneiras possíveis e cria sistemas e procedimentos que podem
ser replicados em outros lugares e situações. Principalmente, acho que
nós temos aprendido que, a fim de aprender realmente você precisa
cometer erros. E estamos fazendo muitos deles há 50 anos.
ME – Um ponto que me surpreendeu quando vi a
apresentação de Findhorn foi o tripé no qual a organização se baseia. Em
vez do típico tripple botton line, vocês levam em conta estruturas
sustentáveis do ponto de vista espiritual, social e econômico. Por que
trocar a parte que fala do meio ambiente pela espiritualidade?
JA – Espiritualidade tem sido a linha de fundo em
Findhorn desde o seu início. Ela inclui trabalhar em harmonia com a
natureza. Respeitar o meio ambiente é intrínseco à forma como buscamos
incorporar o tipo de espiritualidade que estamos explorando. Foi o
jardim cultivado em parceria com os aliados espirituais que criou a
comunidade de Findhorn. O jardim excepcional chamou as pessoas que
gostaram do que viram e acabaram ficando. À medida em que a comunidade
cresceu, ampliamos o trabalho na sustentabilidade social e econômica.
Aprendemos a colocar os valores e a ética dos princípios espirituais na
prática de todos os tipos de atividades. Por xemplo, temos quatro
grandes moinhos de vento, que agora produzem quase 100% de nossa
eletricidade. Temos uma máquina viva que processa o lixo doméstico no
sítio original. Demos início a programas de reciclagem de vidro e papel
muito antes da prefeitura local tornar isso uma política pública. Temos
um serviço de transporte entre os nossos dois campi principais para
reduzir o uso do automóvel. Cultivamos boa parte da nossa própria
comida, mas com tantos convidados, e uma localização no norte da
Escócia, há limites para a variedade de culturas que podemos produzir na
pequena quantidade de terra que temos.
ME - Você também falar sobre o sagrado na vida
cotidiana. Mas parece que hoje em dia, principalmente nas grandes
cidades, também em países ricos e em desenvolvimento, nada é mais
sagrado do que o dinheiro. Então, antes de mais nada gostaria de saber o
que significa este sagrado que você fala, uma vez que não há nenhuma
religião oficial em Findhorn. E onde está esse sagrado diante do cenário
em que vivemos hoje?
JA – Ao usar a palavra sagrado, refiro-me a todo o
sistema de auto-organização inerente a todas as coisas. Alguns chamam de
Deus, outros se referem a ele como a Presença ou a Fonte. Uns ainda o
chamam de Todo, outros, de vazio. Eu acho que é importante reconhecer
que existem milhares de nomes, e até mesmo mais aparências, para o
Divino. Em Findhorn, muitos caminhos e tradições diferentes foram
seguidas. O que nos une é a nossa busca individual e coletiva de conexão
com esse “algo mais”, seja lá qual for o nome que escolhemos dar.
Eu acho que parte do desafio do nosso tempo é encontrar o sagrado em
nós mesmos e, especialmente, ver e celebrar o sagrado na natureza. As
cidades são lugares fáceis de perder esse contato. É tão fácil ser pego
na agitação, no barulho, no tráfego… No entanto, mesmo nesta mega-cidade
de São Paulo, a natureza não é assim tão difícil de ser encontrada. Há
alguns parques maravilhosos e as árvores ao longo de muitas ruas são
incríveis, muitas vezes inteiros ecossistemas vivem em uma planta! Há
pássaros na maioria dos lugares e belas pedras nos prédios e calçadas.
Se usarmos nossos olhos para ver e pararmos para observar, a natureza
está em toda parte. Viver uma vida moderna e ao mesmo tempo estar atento
ao sagrado em todas as coisas não são coisas que se excluem. O espírito
de comunidade pode ser construído em um apartamento, em uma empresa ou
em um bairro. Leva tempo. É preciso empenho, paciência, persistência e
perseverança. Mas é divertido tentar!
ME - Em breve você vai realizar o “Jogo
Planetário” no Brasil. É a primeira vez que essa atividade acontece fora
da Escócia. Por que aqui?
JA – O Jogo Planetário é um evento de grande porte
(80-120 pessoas) que exige uma equipe de facilitadores de cerca de 20
pessoas. É um empreendimento logístico enorme e há poucos lugares fora
de Findhorn com pessoas dispostas a realizá-lo. Aqui no Brasil há cerca
de 100 pessoas credenciadas no Jogo da Transformação (atividade da qual o
Jogo Planetário se originou) que podemos contar na realização do
evento. Olga Balian, da Taygeta Consultores, vem trazendo várias versões
do jogo para o Brasil nos últimos 20 anos. Tem sido um sonho a longo
prazo trazer essa atividade para o Brasil. No ano passado, como parte
das comemorações de aniversário dos 50 anos de Findhorn, jogamos o Jogo
Planetário. Foi quando Olga decidiu que era hora de tornar seu sonho em
realidade. O grupo de guias que trabalham com o jogo concordaram com a
proposta, então aqui estamos.
ME - Como funciona esse jogo?
JA – Poderia escrever um outro livro aqui. O jogo,
em todas as suas versões, é uma ferramenta para exploração pessoal e
espiritual. É uma forma lúdica, mas significativa, de explorar uma ampla
gama de questões da vida. Também tem muito a ver com um serviço a uma
causa maior, como no caso, o Brasil. Começamos com um foco, uma
declaração de intenção que esperamos que venha a ser finalizado em
breve. Sem dúvida, terá algo a ver com a alma do Brasil e da
sustentabilidade. O jogo, como a vida, tem muitas experiências
diferentes. Há ideias e recuos, os milagres e as noites escuras da alma,
e as oportunidades de servir (a si mesmo e aos outros). Cada um dos
participantes encontram conexões com suas próprias experiências de vida e
compartilham suas histórias com os outros jogadores, buscando a
iluminação.
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REPORTAGEM POR Henrique Andrade Camargo, do Mercado Ético
FONTE: (Mercado Étic0 http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/sobre-espiritualidade-e-desenvolvimento-sustentavel/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=mercado-etico-hoje
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