Este texto é uma tradução livre do trabalho do Gérald Bronner*, publicado em Science et Pseudo-Sciences (http://www.pseudo-sciences.org/) assim como na revista italiana Psicologia contemporanea, número 230, 2012.
Internet,
assim como qualquer inovação tecnológica importante, gera medos e
esperanças. Com ele, podemos saber em poucos instantes qual a população
da Armênia ou ainda o clima que faz na Austrália. Mas, por outro lado,
muitos ficam preocupados por encontrar nele muitas ideias falsas que nos
afastam de uma representação razoável da realidade.
Consideramos os fatos seguintes:
- Esta tecnologia é mundial,
- Alguns pesquisadores calcularam que a informação que transitou no início dos anos 2000 é cinco vezes maior que toda aquela que circulou desde a invenção do Gutenberg,
- Tendemos a utilizar cada vez mais a internet para procurar informação.
É por tanto
legítimo perguntar-se qual são as influências que esta maravilhosa
ferramenta pode ter na difusão de ideias duvidosas, particularmente num
espaço democrático.
A internet é
em primeiro lugar, uma extraordinária revolução do mercado cognitivo,
ou seja este espacio fictício onde encontram-se hipóteses, ideias,
conhecimentos e crenças, sendo que esses objetos cognitivos podem ser
concorrentes entre eles1.
Em tal contexto, é de se esperar que a difusão generalizada e de baixo
custo da informação seja favorável à difusão do conhecimento e à
educação da maioria. Esta esperança de democratização do conhecimento é
fundada em parte, mas também é uma representação ingênua da relação
ordinária que existe entre o nosso cérebro e a procura de informação.
Amplificação do desvio de confirmação
De fato, na
procura de informações, a nossa mente vai geralmente buscar dados que
permitem reforçar a representação que já possui das coisas. Nesse punto
de vista, internet representa a ferramenta última: por um investimento
fraco em tempo e energia mental, ele oferece um volume considerável de
informação, qualquer que seja a sua sensibilidade pessoal. A
consequência menos visível, embora a mais determinante, é que todas as
condições são então reunidas para que o desvio de confirmação (a
tendência a privilegiar as informações que confirmam uma ideia ou uma
hipótese preexistente) possa se exercer em cheio e chegue a nos ocultar a
verdade. No conjunto dos processos que tendem a perenizar as crenças, o
desvio de confirmação é, sem dúvida, a tentação inferencial que mais
influencia a lógica ordinária. As experimentações do Wason mostram
claramente a magnitude da influencia desse desvio sobre o nosso
entendimento.
A força do desvio de confirmação
Numa das experimentações do Wason, um jogo era proposto ao sujeito voluntário. Aparentemente simples, o jogo necessita 4 cartas.
Cada carta
possui um caráter numa face (pode ser E ou K) e um número na outra (pode
ser 4 ou 7). A pergunta seguinte é então colocada ao sujeito: “quais
cartas devem ser viradas para que a afirmação seguinte seja verificada? Se uma carta possuir uma vogal numa face, então o número na outra é par.”
A solução
consiste em virar as cartas I e IV, mas a imensa maioria dos sujeitos da
experiência escolhem as cartas I e III. Dessa maneira, eles se
concentram nos casos que confirmam a regra, no lugar daqueles que a invalidam.
De fato, parece natural considerar que a carta III confirma a regra do
enunciado do problema, caso seja encontrada uma vogal na sua outra face.
Em realidade, poderia descobrir uma consoante sem que a regra seja
quebrada. A única carta que pode estabelecer a validade do enunciado
(com exceção da primeira) é a quarta: Se ela tivesse uma vogal na sua
outra face, tornar-se-ia obviamente falso o enunciado.
Esse
processo mental propõe uma explicação simples, mas poderosa, para
entender a longevidade das crenças. De fato, é muitas vezes possível
observar fatos que não são incompatíveis com um enunciado duvidoso, mas
essa demonstração não têm valor se não consideramos a proporção ou até a
simples existência daqueles que o contradizem.
Embora a
nossa apetência para a confirmação não expresse uma racionalidade
objetiva, por outro lado, ela nos facilita a existência. Assim, o
processo de informação é sem dúvida mais eficaz quando o objetivo é de
buscar a verdade, porque ele reduz a probabilidade de considerar
verdadeiro algo que é falso. Em contrapartida, exige um investimento em
tempo que pode, no limite, ser considerado absurdo, já que somente se
trata de tomar uma decisão satisfatória. Assim como vários autores o
destacaram, as pessoas escolhem em geral uma inferência satisfatória no
lugar de uma inferência ótima, usando de “avarícia cognitiva” assim como
a nomearam Fiske e Taylor (1984).
Os
conhecimentos metódicos produzem quase sempre um efeito cognitivo
superior às propostas somente “satisfatórias” que são as crenças, mas
eles vêm com um custo de investimento superior.
A partir do
momento que uma ideia foi aceita, as pessoas geralmente se mantêm fieis
nas sua crença. Esta fidelidade será facilitada pela difusão aumentada e
não seletiva da informação que aumenta a probabilidade e a facilidade
de encontrar “dados” que confirmam a sua crença. Ao contrário do autor
Nicholas Carr (2008), não acredito que a Internet reprograme o nosso
cérebro. Em contrapartida, me parece plausível acreditar que uma mente
em busca de informação na Internet depende em parte da maneira com a
qual o motor de pesquisa a organize. Aquilo que o Web revela não é uma
nova maneira de pensar, muito pelo contrário: o desvio de confirmação é
um processo muito antigo.
Alguém
acredita que os atentados do 11 de setembro foram pilotados pela CIA?
Ele vai poder encontrar em poucos segundos, com o uso de qualquer motor
de pesquisa na Internet, centenas de páginas que vão reforçar a sua
crença. A consulta das fontes de informação que não correspondem às
representações do mundo da pessoa será facilmente considerada uma perda
de tempo.
Considerando
esse mecanismo de busca seletiva da informação, deduz-se que a difusão
não seletiva de qualquer tipo de dados aumentará o desvio de confirmação
e portanto a perenidade do império das crenças ; aquilo é certamente um
paradoxo notável da nossa contemporaneidade informacional. Mas existe
algo mais que ainda não foi notado pelos diversos comentaristas da
cultura Internet: Trata-se de um mercado cognitivo hipersensível à
estruturação da oferta, e consequentemente, às motivações daqueles que
propõem conteúdos. É um dos fatores principais da organização da
concorrência cognitiva desse mercado.
Os crentes dominam o mercado cognitivo
Qual ponto
de vista vai encontrar mais provavelmente um internauta sem preconceito,
sobre um tema vetor de crenças, se ele utilizar o motor de pesquisa da
Google para adquirir uma opinião? Tentei simular a maneira com a qual um
internauta médio pode ter acesso à uma certa oferta cognitiva na
Internet para vários assuntos: a astrologia, o monstro do Loch Ness, os
círculos de cultura (“crop circles”: aqueles círculos grandes que
aparecem misteriosamente nos campos de trigo por exemplo), a psicocinese2…
Estas propostas me pareceram interessante a serem testadas na medida
que a ortodoxia científica contesta a realidade das crenças por elas
inspiradas. Não precisamos aqui nos preocupar com a verdade ou falsidade
desses enunciados (quem sabe, tal vez descobriremos um dia um
dinossauro com nadadeira num lago da Escócia), mas devemos somente
observar a concorrência entre as respostas que podem ser afiliadas à
ortodoxia científica e as demais (que chamarei aqui de “crenças” para
simplificar). Esses enunciados oferecem por tanto um ponto de observação
interessante para avaliar a visibilidade de propostas duvidosas.
Os resultados são óbvios assim como o mostra a tabela seguinte:
Quantidade de sites nos 30 primeiros.
|
Favoráveis à crença
|
Desfavoráveis à crença
|
Neutros ou não pertinentes.
|
Astrologia | 28 | 1 | 1 |
Monstro do Loch Ness | 14 | 4 | 12 |
Crop Circles | 14 | 2 | 14 |
Psicocinese | 17 | 6 | 7 |
Concorrência entre crenças e conhecimentos na Internet
Somente
considerando sites que defendem argumentos favoráveis ou desfavoráveis,
encontra-se em média mais de 80% de sites crentes nas 30 primeiras
entradas propostas pelo Google.
Como podemos
explicar esta situação? Internet é um mercado cognitivo hipersensível à
estruturação da oferta e toda oferta depende da motivação de quem a
propõe. Também acontece que os crentes são geralmente mais motivados que
os não-crentes para defender o seu ponto de vista e dedicar tempo a
isto. A crença é uma parte importante da identidade do crente, e ele
será mais motivado para procurar novas informações que vão reforçar o
seu ponto de vista. O não-crente se encontrará mais frequentemente numa
postura de interferência, recusará a crença, mas sem precisar de outra
justificativa do que a fragilidade do enunciado que ele revoga. Este
fato é bastante tangível nos fóruns da Internet onde as vezes crentes e
não-crentes se opõem. No conjunto dos 23 fóruns que analisei (juntando
as 4 crenças estudadas), 211 pontos de vista são expressos, 83 defendem a
crença, 45 a combatem e 83 são neutros. O que é marcante nesse fóruns, é
que o céticos se satisfazem com mensagens irônicas, zombam a crença no
lugar de argumentar contra ela ; enquanto defensores do enunciado apelam
a argumentos tal vez desiguais (link vídeo, copiar colar de parágrafos,
etc.), mas tentam detalhar o seu ponto de vista. No conjunto dos posts
propostos por aqueles que defendem a crença, 36% são sustentados por um
documento, um link ou uma argumentação detalhada, contra 10% no caso dos
posts de “não-crentes”. Em geral, os homens de ciência não acham
interesse nem acadêmico nem pessoal em consagrar tempo para essa
concorrência. A consequência paradoxal de essa situação é que os crentes
conseguiram estabelecer um oligopólio cognitivo sobre vários tipos de
assuntos na Internet e também nas mídias oficiais que se tornaram
ultrassensíveis as fontes de informação heterodoxas.
Não penso
que Internet torne as pessoas mais estúpidas nem mais inteligentes. Mas
os seu funcionamento intrínseco é uma armadilha para algumas disposições
das nossas mentes e tende a organizar uma apresentação da informação
muitas vezes desfavorável ao conhecimento ortodoxo. Em outras palavras, a
livre concorrência das ideia nem sempre favorece o pensamento mais
metódico e razoável.
1 Mais precisões sobre esse conceito: Gérald Bronner, L’empire des croyances, Paris, Puf, 2003.
2 Resumi aqui alguns resultados. O estudo completo e o método são detalhados em Bronner (2011).
Bibliografia
Bronner G. (2011), The Future of Collective Beliefs, Oxford, Bardwell Press.
Bronner G. (2003), L’empire des croyances, Paris, Puf
Fiske et Taylor (1984), Social cognition, New York, Random House.
Roussiau N. et Bonardi C. (2001), Les Représentations sociales, Hayen, Mardaga.
Shérif M. et Hovland C.I. (1961), Social judgment, Yales, New Haven, University Press.
Wason P. C. (1977), « Self-contradiction », in Thinking : Reading in cognitive science (Eds. Johnson-Laird et Wason), Cambridge, Cambridge University Press.
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Fonte: http://ceticosblog.wordpress.com/2013/08/17/internet-e-as-crencas/#more-148
Autor: Nicolas Ramaux
* Gérald Bronner est sociologue, professeur à l’Université de Strasbourg. Il est notamment l’auteur de La Pensée extrême. Comment des hommes ordinaires deviennent fanatiques (Denoël, coll. Impacts, 2009) ; Vie et mort des croyances collectives (Hermann, coll. Société et pensées, 2006) ; L’empire des croyances (PUF, coll. Sociologies, 2003). Gérald Bronner est membre du comité de parrainage scientifique de l’AFIS.
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