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Mesmo que os insurgentes sírios tenham sucesso na luta de mais de
dois anos que vêm mantendo com Bashar al Assad, as chances de a queda do
ditador resultar na democratização do país não são muito grandes, a
julgar por análises de pesquisadores do Council on Foreign Relations
(CFR), um dos mais importantes centros de estudos da política externa
americana. De acordo com Isobel Coleman, pesquisadora sênior do CFR e
organizadora do livro "Pathways to Freedom: Political and Economic
Lessons From Democratic Transitions" (Caminhos para a liberdade: lições
políticas e econômicas de transições democráticas), a história mostra
que, nos países em que ditadores são derrubados por revoluções armadas, o
cenário mais provável para o futuro imediato é o estabelecimento de um
novo regime autoritário.
Como sugere o título, o livro enumera os fatores que podem ser
críticos para um bem-sucedido desmantelamento de ditaduras, a partir dos
casos de oito países (África do Sul, Brasil, Indonésia, México,
Nigéria, Polônia, Tailândia e Ucrânia). Entre as outras conclusões
apresentadas estão as de que crises econômicas, e não crescimento e
prosperidade - que, teoricamente, levariam a uma maior consciência
política da população -, geralmente deflagram a queda de regimes
autoritários; e que mesmo eleições fraudulentas podem ser positivas,
porque "não raro estabelecem as fundações para movimentos genuínos e
surpreendentes rumo à democracia".
Leia a seguir a entrevista de Isobel
ao Valor.
Valor: O livro diz que se um autocrata recorre à
força, o consequente banho de sangue gera uma indignação moral. Isso
significa que Assad está arruinado na Síria? Ou há outros fatores em
jogo?
Isobel Coleman: Sempre há outros fatores em jogo. A
história tem inúmeros exemplos de autocratas que usaram a força para se
manter no poder, mas em determinado momento a capacidade de continuar a
oprimir o povo desse modo fica dificultada. Esse recurso não dura muito
tempo. Assad tem a capacidade de continuar usando seus métodos brutais,
mas também é fato que não tem o apoio de parte da população.
Valor: O livro sustenta que mesmo eleições
fraudulentas são melhores do que nenhuma eleição. Mas isso não serviria
apenas para legitimar e prolongar uma ditadura?
Isobel: Exceto em casos extremos, como na Coreia do
Norte, creio que a participação da população em eleições é melhor. Veja
o Irã. Na eleição de [Mahmoud] Ahmadinejad [em 2005] muitos boicotaram a
eleição, e se deram mal. Agora, com [Hassan] Rouhani, disseram que a
história ia se repetir, mas não foi assim. A oposição resolveu
participar da eleição e foi capaz de fazer sua voz ser ouvida.
Sobre o Egito: "Por muito tempo ainda haverá disputas entre centros de poder, mas, no médio e longo prazos,
continuo otimista"
Valor: Sobressai no livro a ideia de
envolvimento comercial como forma de incentivar a emergência de uma
classe média em países sob regimes autoritários, o que favoreceria um
processo de democratização, mas também se considera que crises
econômicas deflagram a queda de ditaduras. No caso do Irã, por exemplo,
que linha os Estados Unidos deveriam adotar?
Isobel: De um ponto de vista americano, tentar
induzir mudanças favorecendo uma abertura para o país, pela via do
comércio e do investimento, não é possível, dado o atual contexto de
sanções econômicas. Acontece o mesmo em relação a Cuba. Por razões
políticas domésticas, a começar pela resistência de grande parte da
colônia cubana na Flórida, o relacionamento com Cuba não é possível,
embora algumas pessoas argumentem que as sanções contra a ilha não
resultaram em mudança de regime.
Valor: O livro questiona estudos que dizem que o
islamismo é um obstáculo à democracia. Que países mostram que islamismo
e democracia não são incompatíveis?
Isobel: Indonésia, Índia, Turquia, países com
maioria islâmica, são democracias. Nos anos 1970, as pessoas falavam a
mesma coisa em relação ao catolicismo, que não permitia a democracia,
dando como exemplo as Filipinas, a América Latina, a Espanha sob Franco.
Creio que muitos olham para o mundo árabe, que é o lugar com menos
democracia, e tiram conclusões a partir daí. Mas você não pode
generalizar assim.
Valor: Quais sinais indicam que uma democracia incipiente está sob ameaça?
Isobel: Os sinais se relacionam com o
enfraquecimento das instituições. Não apenas se fraudam eleições.
Começa-se restringindo a liberdade de imprensa, minando a independência
do Judiciário, esse tipo de coisas, que tornam desiguais as condições
dos competidores numa eleição. Estou pensando num país como a Venezuela
hoje, onde é isso que acontece.
Valor: E a África do Sul?
Isobel: Preocupo-me com a África do Sul, acima de
tudo por causa da enorme desigualdade socioeconômica, que cria ambiente
para um populismo perigoso. Outro fator que me preocupa é o sistema de
partido único.
Valor: E quanto ao Egito? Há razões para otimismo ou pessimismo em relação a uma eventual democratização?
Isobel: O Egito é um país que tem instituições
bastante fracas e onde por muito tempo ainda haverá disputas entre
diferentes centros de poder, entre os militares, os resquícios do antigo
regime e os islâmicos, que não vão simplesmente desaparecer. Isso vai
criar facções que competirão entre si. Vejo instabilidade por um bom
tempo. Mas, no médio e longo prazos, continuo otimista.
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