Entrevista da 2ª Kal Raustiala e Christopher Sprigman
Para especialistas em propriedade intelectual, liberdade para imitar
muitas vezes resulta em inovação e permite que os pobres desfrutem de
símbolos do consumo
MARCELO NINIO DE PEQUIM
Demonizada pelos que defendem a ampliação das leis de patentes, a cópia
nem sempre é inimiga da inovação. Ao contrário: com frequência, é a mãe
da invenção.
É o que afirmam dois especialistas em propriedade intelectual, os
norte-americanos Kal Raustiala e Christopher Sprigman, autores de "The
Knockoff Economy" ("A Economia da Cópia", ainda não editado em
português).
Remando contra a corrente das críticas à indústria da cópia, sobretudo a
da China, eles dizem que há casos de sobra em que a liberdade para
imitar resultou em inovação, como nos setores do software e da moda.
Leia trechos da entrevista que eles concederam à Folha, por e-mail.
Folha - A cópia e a criatividade podem coexistir?
Kal Raustiala e Christopher Sprigman - A opinião convencional é
que copiar é ruim. Já que usualmente é mais barato copiar do que criar,
copiar solaparia o incentivo à criação. É para isso que existem as leis
de direitos autorais.
Na realidade, porém, copiar nem sempre prejudica a criatividade, e em certos casos até a estimula.
Um grande exemplo é a indústria da moda norte-americana. Nos EUA, é
legal copiar designs de moda. Mas isso não impede que os estilistas
desenhem coisas novas. Na verdade, a liberdade de cópia gera maior
criatividade.
Quando cópias são feitas, o design original se torna uma tendência. Como
todos sabemos, as tendências de moda um dia morrem, e o mercado exige
novos designs para tomar seu lugar.
A liberdade de copiar faz com que esse ciclo gire mais rápido, dando-nos mais criatividade e opções de estilo.
Muitos outros setores são parecidos. Se compreendermos como o processo
de cópia funciona, poderemos criar uma sociedade mais inovadora e
criativa.
Em que casos os direitos de propriedade intelectual bloqueiam a inovação?
Quando dificultam a melhora de uma invenção. Boa parte das inovações
ocorre gradualmente. Com o tempo, invenções são alteradas e refinadas
para gerar produtos cada vez melhores.
Mas patentes e direitos autorais com termos excessivamente amplos podem
tirar de cena os elementos básicos de um projeto ou invenção e, ao
fazê-lo, tornar muito difícil ou dispendioso para terceiros a melhora de
uma invenção.
A China é o maior alvo dos críticos. Vocês citariam um exemplo de cópia chinesa que resultou em inovação?
A Xiaomi é uma das fabricantes chinesas de celular com crescimento mais
rápido. Criada menos de três anos atrás, a Xiaomi já vendeu 7 milhões de
celulares e faturou 10 bilhões de yuans (cerca de R$ 3,8 bilhões). Os
celulares da Xiaomi parecem muito familiares, porque o design imita o
iPhone.
Superficialmente, a Xiaomi parece ser só mais uma imitadora chinesa. Mas
isso desconsidera o aspecto mais importante da ascensão da companhia e
uma importante tendência no estilo chinês de "imitação inovadora".
A Xiaomi se tornou uma força na China em parte por se parecer muito com a
Apple. Mas seu sucesso na verdade se deve ao fato de ela ser o oposto
da Apple.
A gigante americana é famosa pela abordagem "fechada" quanto à
tecnologia. A Apple mantém controle fastidioso sobre o design de seus
produtos e acredita que sabe melhor que o consumidor o que este deseja.
Enquanto a Apple se comporta de modo ditatorial, a Xiaomi é bastante democrática. Confia muito nas reações dos consumidores.
A cada sexta-feira, a companhia lança atualizações de seu sistema
operacional, baseado no Android. Em poucas horas, milhares de
frequentadores dos fóruns da empresa sugerem novos recursos e ajudam a
resolver defeitos no software.
Assim, a Xiaomi combinou efetivamente o design da Apple e o espírito
colaborativo do movimento do software aberto. A Xiaomi é claramente
imitadora. Mas também inovadora.
Os senhores argumentam que a ansiedade dos EUA quanto à pirataria
chinesa é "um equívoco". A proteção da propriedade intelectual não é de
interesse nacional?
Alguns setores prosperam sem proteção à propriedade intelectual. Ampliar
essa proteção não necessariamente significa mais sucesso ou crescimento
econômico.
Veja o setor de banco de dados. Nos EUA, os bancos de dados não contam
com forte proteção de copyrights. Na Europa a situação é a oposta,
devido a uma mudança nas leis na década de 1990.
Mas, nos anos transcorridos desde então, o setor vem crescendo mais nos
EUA que na Europa. A questão não é a propriedade intelectual, mas a
inovação e o crescimento. A propriedade intelectual pode representar uma
barreira para isso.
Qual é a importância social da liberdade de copiar?
A China continua a ser um país pobre, mas está crescendo com extrema
rapidez. Também é uma das nações com mais desigualdade no planeta, ao
lado do Brasil.
Em países com alta desigualdade, as cópias dão aos pobres a oportunidade
de desfrutar de alguns dos símbolos de uma sociedade de consumo. Assim,
as cópias são uma forma de aliviar ao menos em parte as pressões
causadas pela desigualdade.
Isso é importante porque explica a resistência chinesa em impedir as cópias.
A tolerância da população chinesa facilita a prosperidade da indústria da cópia?
"Shanzhai", como é conhecida a cópia de baixo custo na China, significa
literalmente "baluarte de bandidos". Mas na China moderna denota um tipo
inteligente de cópia que toma um modelo dispendioso e o muda um
pouquinho para atender ao consumidor médio.
O governo reconhece esse ponto, considerando alguns dos "shanzhai" como bons exemplos da engenhosidade do povo chinês.
Em que casos a cópia beneficia o produto original?
Bill Gates tinha razão quando disse que, "se eles pretendem roubar,
melhor que roubem o nosso produto". O software, especialmente, é um bem
dotado do que economistas denominam "externalidades de rede".
Isso significa que, se apenas uma pessoa usar o Microsoft Word, usá-lo
não será útil para você. Mas, se todo mundo em seu escritório usar o
programa, ele será muito útil e é mais provável que você opte por ele do
que por um formato concorrente.
Assim, permitir cópias expande a fatia de mercado, e isso pode se tornar
valioso no futuro, mesmo se as cópias atuais forem piratas.
Os senhores sugerem que os EUA deveriam levar sua história de pirataria em conta e "relaxar". Por quê?
No século 19, os EUA eram grandes copiadores, e a superpotência econômica que reinava no período, o Reino Unido, odiava isso.
Mas, com o tempo, todas aquelas cópias terminaram por ajudar muitos
britânicos e criaram imenso mercado para bens britânicos. Hoje os EUA se
tornaram a maior força para a expansão das leis de propriedade
intelectual.
Com o tempo, a China seguirá caminho semelhante.
Sabemos que países passam a dedicar mais atenção à propriedade
intelectual à medida que enriquecem e desenvolvem conhecimentos
especializados, mas isso pode tomar muito tempo.
Assim, seria sábio que os EUA pensassem no futuro e reconhecessem que a
China não mudará assim tão cedo e que copiar não é assim tão ruim quanto
muita gente foi levada a crer.
Raio-X
Atuação: diretor do Centro Burkle de Relações Internacionais e professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles
Especialidades: direito internacional e propriedade intelectual
CHRISTOPHER SPRIGMAN, 47
Atuação: professor de direito da Universidade da Virgínia
Especialidades: lei de propriedade intelectual, políticas de competição e direito constitucional
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