MOISÉS MENDES*
Confissões
podem ser mais interessantes do que os próprios pecados. É de um
confessionário argentino uma cena banal que sempre me intrigou. Há cinco
anos, num dia de semana, início da tarde, admiro santos e anjos da
Catedral de Buenos Aires quando vejo um religioso de branco vindo dos
lados do altar e entrar num confessionário.
Estava com o solidéu e uma estola roxa. Em segundos, aproxima-se um portenho clássico, engravatado, narigudo, alto, cabelo lambido, cabeça empinada, peito para a frente, terno impecável. Carrega uma pasta e caminha decidido para o confessionário. Ajoelha-se, fica ali por uns três minutos, ergue-se e vai embora.
O religioso sai logo do confessionário, caminha em direção ao altar e some por uma saída. Era pelo menos um bispo, por causa do solidéu, me explicaria depois na Redação meu colega Eduardo Nunes, que sabe tudo das liturgias da Igreja.
Não pense que é a hipótese de o bispo ser Mario Bergoglio que me fascina, até porque não me lembro de seu rosto. Foi a cena da confissão com hora marcada. Os dois chegaram e saíram quase ao mesmo tempo.
Eu tinha três alfajores no bolso. Daria dois ao homem de gravata se ele me dissesse por que procurou o bispo no meio da semana. Que urgência teria? O que leva um argentino, com panca de quem pode comprar todas as fábricas de alfajores, a largar tudo para se confessar? Os argentinos acham mesmo que pecam, ou apenas cometem pequenos deslizes?
Penso naquele homem e em todos os que em algum momento decidem fazer confissões públicas ou privadas. Como fez na semana passada o coronel reformado Walter Jacarandá, dos Bombeiros do Rio, que confessou à Comissão da Verdade ter torturado presos políticos no DOI-Codi no tempo da ditadura. Como o ex-militar uruguaio Hugo Rivas, que, um ano depois do sequestro dos uruguaios Universindo Díaz e Lilian Celiberti, em 1978, contou o que sabia porque participara da operação.
Como confessou há duas semanas o rabino Henry Sobel, numa entrevista, ao dizer que roubava gravatas como um ladrão comum, e não porque estaria, como disse em versão anterior, sob o efeito de remédios.
São resíduos de uma conduta judaico-cristã mobilizados em nome da verdade. Todos eles, o coronel, o militar uruguaio e o rabino inquietaram-se, em algum momento, pelo que restou de lições de família, de escola, de um religioso. Atormentados, decidem falar, muitas vezes tardiamente.
Outra confissão recente tem índole diversa. Envolve um diretor da Siemens que denunciou o cartel formado para burlar licitações do metrô de São Paulo. O delator e os colegas de farsa não chegaram e talvez não cheguem, como a maioria dos dirigentes de empresas saqueadoras de obras públicas, ao estágio do pedido de clemência dos citados antes.
O executivo da Siemens confessou para continuar obtendo vantagens, agora pela delação premiada. O mundo das grandes empreiteiras deve ser um dos poucos em que dependemos dos mafiosos, e não dos honestos do setor, para identificar outros mafiosos. Algum diabo, em algum inferno, terá interesse pelas suas almas?
Por falar em confissões, peguei e não largo, até roer o último osso, o monumental Para Ler o Ocidente – As Origens de Nossa Cultura (Edições BesouroBox), de J. H. Dacanal. Por um mês, não dispersem minha atenção com nenhum convite para leituras paralelas. Quero saber o que Dacanal nos diz das confissões de Agostinho de Hipona. Estou diante de um livro-banquete.
Estava com o solidéu e uma estola roxa. Em segundos, aproxima-se um portenho clássico, engravatado, narigudo, alto, cabelo lambido, cabeça empinada, peito para a frente, terno impecável. Carrega uma pasta e caminha decidido para o confessionário. Ajoelha-se, fica ali por uns três minutos, ergue-se e vai embora.
O religioso sai logo do confessionário, caminha em direção ao altar e some por uma saída. Era pelo menos um bispo, por causa do solidéu, me explicaria depois na Redação meu colega Eduardo Nunes, que sabe tudo das liturgias da Igreja.
Não pense que é a hipótese de o bispo ser Mario Bergoglio que me fascina, até porque não me lembro de seu rosto. Foi a cena da confissão com hora marcada. Os dois chegaram e saíram quase ao mesmo tempo.
Eu tinha três alfajores no bolso. Daria dois ao homem de gravata se ele me dissesse por que procurou o bispo no meio da semana. Que urgência teria? O que leva um argentino, com panca de quem pode comprar todas as fábricas de alfajores, a largar tudo para se confessar? Os argentinos acham mesmo que pecam, ou apenas cometem pequenos deslizes?
Penso naquele homem e em todos os que em algum momento decidem fazer confissões públicas ou privadas. Como fez na semana passada o coronel reformado Walter Jacarandá, dos Bombeiros do Rio, que confessou à Comissão da Verdade ter torturado presos políticos no DOI-Codi no tempo da ditadura. Como o ex-militar uruguaio Hugo Rivas, que, um ano depois do sequestro dos uruguaios Universindo Díaz e Lilian Celiberti, em 1978, contou o que sabia porque participara da operação.
Como confessou há duas semanas o rabino Henry Sobel, numa entrevista, ao dizer que roubava gravatas como um ladrão comum, e não porque estaria, como disse em versão anterior, sob o efeito de remédios.
São resíduos de uma conduta judaico-cristã mobilizados em nome da verdade. Todos eles, o coronel, o militar uruguaio e o rabino inquietaram-se, em algum momento, pelo que restou de lições de família, de escola, de um religioso. Atormentados, decidem falar, muitas vezes tardiamente.
Outra confissão recente tem índole diversa. Envolve um diretor da Siemens que denunciou o cartel formado para burlar licitações do metrô de São Paulo. O delator e os colegas de farsa não chegaram e talvez não cheguem, como a maioria dos dirigentes de empresas saqueadoras de obras públicas, ao estágio do pedido de clemência dos citados antes.
O executivo da Siemens confessou para continuar obtendo vantagens, agora pela delação premiada. O mundo das grandes empreiteiras deve ser um dos poucos em que dependemos dos mafiosos, e não dos honestos do setor, para identificar outros mafiosos. Algum diabo, em algum inferno, terá interesse pelas suas almas?
Por falar em confissões, peguei e não largo, até roer o último osso, o monumental Para Ler o Ocidente – As Origens de Nossa Cultura (Edições BesouroBox), de J. H. Dacanal. Por um mês, não dispersem minha atenção com nenhum convite para leituras paralelas. Quero saber o que Dacanal nos diz das confissões de Agostinho de Hipona. Estou diante de um livro-banquete.
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* Jornalista
Fonte: ZH on line, 18/08/2013
Imagem da Internet
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