cinco haicais
escritos na juventude de bashô, entre 1666 e 1672.
na festa junina
corações desencontram
chuvorgasmo
* * *
botões de flor
pena que primavera não abre
uma bolsa de poemas
* * *
dentro da igreja
fiéis não têm como saber
cerejeiras em flor
* * *
casal de veados
pêlo no pêlo em consenso
pêlo tão duro
* * *
broto de bambu
gerações também escorrem
pelo orvalho
* * *
algumas notas
no original do primeiro haicai, bashô faz referência a um festival de
verão, frequentemente interrompido por chuvas, onde havia o equivalente
das nossas simpatias românticas de santo antonio nas festas juninas. a
última palavra é um neologismo entre chuva e orgasmo.
no original do terceiro haicai, ao invés de “igreja”, bashô cita o
nome de um templo budista. esse haicai é geralmente considerado uma
crítica ao egocentrismo das pessoas religiosas que “rezam” muito mas não
enxergam o mundo a sua volta.
em suas cartas, bashô revelou desejos homoeróticos que não se sabe se
realizou. o quarto haicai é geralmente lido sob essa luz. é
interessante a repetição da palavra “pêlo” três vezes. o animal “veado”
tem uma conotação homossexual em nossa cultura, mas não, que eu saiba,
na japonesa.
* * *
bashô é um dos grandes nomes da literatura mundial e mestre
reconhecido em haicai. as versões acima, libérrimas, são minhas,
baseadas na tradução inglesa muito bem anotada por jane reichhold,
publicada pela kodansha.
* * *
a bananeira
em 1680, um estudante deu a bashô uma muda de bananeira para seu
jardim, uma árvore muito rara e exótica no japão. sobre ela, o poeta
escreveu:
“suas flores, ao contrário de outras, não têm alegria alguma. seu tronco é intocado pelo machado, pois sua madeira não serve para nada. porém, amo essa árvore por sua própria inutilidade. … sento sob suas folhas e aprecio ver o vento e a chuva soprando contra ela.”
pouco depois, o poeta mudou pela última vez de pseudônimo e passou a assinar “bashô”, nome pelo qual está eternizado.
em japonês, “bashô” quer dizer “bananeira”.
* * *
a libélula
um dos alunos de poesia de bashô veio mostrar a ele, empolgado, um
haicai sobre arrancar as asas de uma libélula para deixá-la parecida a
uma pimenta vermelha.
bashô, que não tolerava crueldade nem no faz-de-conta, sugeriu trocar
a ordem dos fatores: acrescentar asas a uma pimenta vermelha para
deixá-la parecida a uma libélula.
---------------------
Fonte: http://alexcastro.com.br/23/08/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário