Juremir Machado da Silva*
A humanidade é lenta. Ao longo dos séculos, tem
feito de tudo para impor a todos um mesmo estilo de vida. Nas últimas
décadas, porém, tem crescido uma filosofia muito simples: viva e deixe
viver. Já falei disso outras vezes. Grandes filósofos já espremeram o
cérebro para formatar valores a serem obedecidos por todos, “imperativos
categóricos”. Precisamos de alguns. Não muitos. A uniformização de
valores não pega mais. Se não gosto de algo, não pratico. Mas não tenho
direito de tentar impor a minha vontade aos demais, salvo se há prejuízo
a terceiros. Estamos mais sábios e práticos.
Uma das maiores violências de todos os tempos diz respeito à
sexualidade. Por que meter o bedelho na sexualidade dos outros? Se um
homem gosta de homens, qual o problema? Quanto tempo para entender que
aquilo que não faz mal aos outros é um bem que pode e deve ser
cultivado? O exercício mais duro para a humanidade tem sido o do
aprendizado da tolerância.
Não tem sido fácil desmontar o culto da distinção, que concebeu do
racismo ao elitismo, e um gosto acentuado pelo autoritarismo capaz de
tentar obrigar os outros a aceitar preferências culturais particulares
como superiores ou universais.
O selinho do jogador corintiano Sheik na boca de um amigo desencadeou
uma tempestade no mundo machista do futebol. Não consta que Sheik seja
gay. E se fosse? Qual o problema? Quando vai cair a máscara do futebol?
Tem gay assumido nas forças armadas. No futebol, volta e meia, correm
histórias, que não podem ser publicadas. Tudo é mistério. O preconceito
encontra mil razões para se atualizar. Gostei muito do selinho do Sheik.
Quero publicar uma foto minha dando um selinho em algum amigo. Não sei
ainda em quem. Poderia ser no Luís Carlos Reche ou no Renato Rossi. Ou
no David Coimbra. No David seria legal, pois mostraria que para além da
concorrência profissional existem afetos. Poderia ser também no Eduardo
Bueno, o Peninha, que é gremista, o que revelaria uma postura superior à
do rasteiro fanatismo do futebol.
Não descarto a possibilidade de dar um selinho no Rogério Mendelski.
Afinal, somos antagônicos e complementares. Pensamos diferente em muitas
coisas, mas temos uma ótima convivência. Seria o selinho
pós-ideológico. No Vladimir Oliveira, colega de programa na Rádio
Guaíba, não dou selinho porque ele é um perigoso leitor do velho safado,
o grande Charles Bukowski. Sou um cara do passado. Por beleza, eu só
teria dado selinhos no Alain Delon, no Marcello Mastroianni e no Marlon
Brando. Como eram lindos esses caras. Só a Brigitte Bardot era mais
linda que eles. Nunca vi mulher mais bela. Confesso, fui apaixonado pelo
Alain Delon e pela Brigitte Bardot. Mais por ela. Muito mais. A turma
atual não me seduz. Ia dizer não me excita. Tudo bem, eu daria um
selinho no Brad Pitt.
Se ele pedisse muito e não se gabasse disso.
Os tempos são outros. Beijo meus amigos franceses no rosto. É costume
na França. Quatro beijinhos, em Paris. É beijo que não acaba mais.
Selinho não tira pedaço de ninguém. Vou dar. Já publiquei minha foto com
a camiseta do Grêmio.
Sou pós-tudo.
Especialmente pós-preconceito.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Tradutor.
Fonte: Correio do Povo on line, 23/08/2013
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