Marcelo Leite*
Pode parecer uma grande bobagem ficar medindo voo de borboleta, mas por sorte ainda há quem ache bonito
Todos os anos, algo entre 60 milhões e 1 bilhão de borboletas monarcas
(Danaus plexippus) migra de Ontário (Canadá), para Michoacán (México).
Uma jornada de 3.500 km, que dura até dois meses. Podem ser necessárias
quatro gerações para chegar ao destino final.
As monarcas deixam o Canadá no outono do hemisfério Norte, quando o frio
aperta. Partem atrás de temperaturas mais estáveis, que não caiam
abaixo de 0°C, no planalto central do México. Para recebê-las, e aos
milhares de turistas que atraem, existe a Reserva da Biosfera Borboleta
Monarca ("mariposa monarca", em espanhol).
Na primavera, elas fazem a viagem de volta. Alguns desses insetos, que
pesam 1 g, foram rastreados. Descobriu-se que vários retornam para as
mesmas árvores de que haviam partido seus antepassados.
Essa pequena maravilha da natureza serviu de mote para um bom romance
sobre a mudança global do clima: "Flight Behavior" (comportamento de
fuga, ou de voo), da americana Barbara Kingsolver --uma resenha sobre
ela se encontra hoje no caderno "Ilustríssima".
Como tantas migrações periódicas (pássaros, baleias, tartarugas
marinhas), a das monarcas intriga os humanos. Como é possível que seres
tão menos aparelhados do que nós consigam ser tão precisos, tendo apenas
o instinto por guia?
Por algum tempo, acreditou-se que as monarcas tinham uma espécie de mapa
gravado nos genes (embora ninguém tenha sido capaz de imaginar como se
pode inscrever um mapa numa sequência de DNA). Bastaria seguir os
grandes marcos da paisagem nele registrados para orientar o voo e achar o
rumo certo.
Parece que a coisa é bem mais simples. Henrik Mouritsen, um dinamarquês
que faz pesquisa na Universidade de Oldenburg (Alemanha), teve a ideia
maliciosa de deslocar um grupo de borboletas 2.500 km para oeste, de
Ontário para Alberta, e depois soltá-las para voar.
Mouritsen verificou que as monarcas transferidas jamais alcançariam as
montanhas de Michoacán. Elas não se davam ao trabalho de fazer ajustes
na longa rota. Simplesmente continuavam a voar para o sudoeste, como se o
México tivesse sido transferido 2.500 km para oeste, como elas.
Tudo indica que a única programação inscrita em seus minúsculos sistemas
nervosos manda rumar para o sudoeste quando começa a fazer frio. O
resto fica por conta de um funil geográfico, concluiu o dinamarquês em
artigo na revista "PNAS". Sua teoria é tão elegante quanto a navegação
lepidóptera.
"É bem esperto: as borboletas não gostam de voar sobre água ou sobre
montanhas", explica Mouritsen. "Isso quer dizer que, enquanto sua
direção estiver correta --isto é, sudoeste no outono-- elas vão seguir
ou a Costa Leste dos EUA ou as Montanhas Rochosas [a oeste] até atingir
seu destino invernal nas montanhas Transmexicanas, que atravessam todo o
México."
Para dar apoio empírico à explicação, Mouritsen precisava provar que as
monarcas voam sempre para sudoeste no outono. Buscou a ajuda do
canadense Barrie Frost, da Universidade Queens, que inventou um
simulador de voo sob medida para as monarcas.
Sim, elas voam só para sudoeste.
O leitor pode achar uma grande bobagem essa história de ficar medindo
voo de borboleta. Por sorte ainda há quem ache isso bonito.
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* É repórter especial da Folha, autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use
com Cuidado' (Unicamp)
com Cuidado' (Unicamp)
Fonte: Folha on line, 25/08/2013
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