Aldo Pereira*
Protestantes também veneram Maria, mas condenam como fetichismo
idólatra o enlevo do papa ao beijar sua imagem esculpida em Aparecida
Há mais templos consagrados a Maria do que a Jesus, e toda catedral
reserva a ela uma capela (recesso provido de altar). Católicos dirigem
mais orações à Mãe do que ao Filho.
Descontadas as jaculatórias (orações facultativas intercaladas), as
contas do terço correspondem a 106 invocações mântricas de Maria (duas
em cada ave-maria), mais uma referência na salve-rainha e outra no
credo. Em contraste, o terço menciona o nome de Jesus 55 vezes: uma em
cada ave-maria, uma no credo e outra na salve-rainha. Invoca Deus uma
única vez, no pai-nosso.
Segundo o catecismo católico, Maria nunca morreu: após misteriosa
Dormição, subiu ao Céu levada por anjos. Vive lá em carne e osso.
Duvidar desse portento, a Assunção, configura anátema, sujeita o
incrédulo a excomunhão e tormentos perpétuos do Inferno. Mas o próprio
papa Pio 12, que decretou esse dogma em 1950, parece ter hesitado, pois
antes consultou 1.181 bispos; 1.169 aprovaram.
A mais antiga referência à Assunção menciona celebração da festividade
em 15 de agosto de 431 na cidade de Kathisma, entre Jerusalém e Belém.
Não se sabe qual é a origem dessa data, nem por que outras denominações
cristãs adotaram data alternativa próxima. Dezenas de países celebram a
Assunção como feriado nacional. No Brasil, é feriado local em muitos
municípios.
Protestantes veneram Maria (até muçulmanos a reverenciam), mas reprovam
"mariolatria". Como outros não-católicos, objetam que a Bíblia não
menciona Assunção. Condenam como fetichismo idólatra o enlevo do papa ao
beijar imagem esculpida de Maria em Aparecida no mês passado.
Maria pode ter ganhado proeminência hagiográfica a partir do século 4
por facilitar a conversão de pagãos mediante incorporação sincrética de
elementos de outros credos no cristianismo, e vice-versa. Muitos pagãos
cultuavam deusas-mães. Representações de Ísis amamentando Horus bebê
inspirariam madonas lactantes na pintura renascentista.
Antes de denotar fieira de contas representativa de 150 ave-marias
(número inspirado pelos 150 salmos do saltério), o termo "rosarium"
denotava grinalda de rosas como as de Vênus e outras deusas celestes
tutelares de amor carnal e procriação. Terço é a terça parte do rosário.
Teólogos protestantes argumentam que o clero católico confere status de
divindades menores a Maria e outros santos (quase 8.000) quando lhes
atribui milagres. Milagres como os de aparições de Maria, certificadas
pela igreja a partir do século 16 (Guadalupe, Fátima, Lourdes e outras).
Deificação de Maria, acusam os anticatólicos, viola o preceito
monoteísta das religiões abraâmicas.
Réplica dos católicos: reverenciam Maria como santa, mas não a adoram
como deusa. E a chamam de Rainha por ser mãe do Rei Imortal dos Séculos.
(Na tradição bíblica, rei judeu conferia título de rainha apenas à mãe,
não a suas muitas esposas, que no caso de Salomão seriam 300.)
O cognome Virgem refere outro controvertido atributo de Maria. A Bíblia
faz menção explícita a irmãos de Jesus. Mateus 13:55-56 e Marcos 6:3
nomeiam quatro, enquanto Mateus 12:46, Marcos 3:32 e Atos 1:14 referem
outros. Segundo Mateus 1:18-25, José não "conheceu" Maria antes de ela
ter tido o primeiro filho, o que sugere que ele a "conheceu" depois.
Para a igreja, tal entendimento configura audaciosa blasfêmia, pois o
Primeiro Concílio de Latrão (649) reafirmou a virgindade de Maria "ante
partum", "in partu" e "post partum". "Irmãos" de Jesus? A apologética
assegura haver aí mera referência figurada a "primos" ou "parentes".
--------------------------------------
aldopereira.argumento@uol.com.br
* ALDO PEREIRA, 80, é ex-editorialista e colaborador especial da Folha
Fonte: Folha on line, 15/08/2013
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário