Graça Taguti*
Já parou pra ouvir? Volta e meia, o silêncio tenta nos dizer tantas
coisas, sussurrar segredos lá dentro dos nossos ouvidos, mas estamos
ocupados demais para prestar atenção. Ou então tagarelando, jogando
conversa fora, linguarudos toda a vida. Só um zíper pra fechar nossa
boca maldita. Que, aliás, nem sempre funciona.
Há silêncios de todos os jeitos, tonalidades, inflexões, cores e
propósitos. Silêncios poéticos. Teatrais. Os discretos discursos da
alma. Silêncio dos interrogatórios, dos
assassinos, na acareação; do padre no confessionário; da audiência, em
um espetáculo de música clássica, orquestrada em um teatro de
arquitetura imponente.
Silêncios de práticas terapêuticas, como as de algumas vertentes da
Ioga. Das meditações em centros de autoconhecimento. Os silêncios graves
e carregados de sentido dos psicanalistas, ponderando frente às
aflições de seus pacientes.
Os silêncios saltam dos provérbios, dos ditados, dos tácitos acordos
amorosos, nos quais apenas os olhos se comunicam. Há os que brotam dos
gestos tão genuínos de quem já nasceu mudo. Emergem dos atos contritos
de refletir durante o sermão na missa dominical. Ou manter-se atento à
preleção do pastor, no caso dos cultos evangélicos.
Há o silêncio dos ateus, que se consideram donos do próprio destino e
responsáveis únicos no enfrentamento das batalhas cotidianas. Silêncio
da vergonha, que busca um pano preto para se encobrir, depois de fatos
desvendados, porém infelizmente não encontra. Silêncio dos prisioneiros
políticos, que tentam preservar sua honra na oferta da delação premiada.
Quantos mártires, apóstolos ferrenhos de seus ideais definharam e foram
apagados em salas escuras, úmidas e implacáveis?
O silêncio frio das mentiras. Que calam por consentir no deslize, no
roubo. Que adotam a permissividade no lugar da ética, a promiscuidade
atitudinal em detrimento da paz. Silêncio nas falácias dos governantes,
discursos vazios de propostas, em torno dos quais, com frequência, a
sociedade permanece perplexa. Em calado desalento.
Silêncio da pré-adolescente, flagrada pela bronca do pai ao provar
toda serelepe, ao lado do namoradinho, uma caipirinha no bar da esquina
próxima de casa.
O silêncio está em jogo. Filho legítimo de situações absurdas,
bizarras, impensáveis em sua barbárie. Silêncio de quem assiste a
injustiças e se flagra de mãos atadas, impotente para reagir.
A covardia explícita no ditado: quem cala consente. O sábio conselho
embutido em: falar é prata, ouvir é ouro. A propósito, o seu vizinho,
que fala como um papagaio se resolvesse parar pra se ouvir, certamente
atiraria dezenas de frases inúteis no lixo.
Em boca fechada não entra mosca! — adverte a professora de português
do ensino médio ao aluno que teima defender a conquista dos suados e
almejados pontos de sua redação sobre “A Gula”, cá entre nos muito
indigesta e mal redigida.
A cena costumeira observada das namoradas carentes reclamando por
incessantes declarações de amor do tolerante parceiro, em alto em bom
som. Mas quem disse que o silêncio não traz às costas uma mochila
pesada, repleta de afetos enormes?
No filme “O Silêncio dos Inocentes” de 1991, a agente do FBI (Jodie
Foster) é destacada para encontrar um assassino que arranca a pele de
suas vítimas. Para entender como o ele pensa, a moça procura um perigoso
psicopata (Anthony Hopkins), encarcerado sob a acusação de canibalismo.
“O Silêncio” — filme sueco de 1963, escrito e dirigido por Ingmar
Bergman, foi considerado bastante controverso, apresentando temas como
masturbação feminina, sugerindo lesbianismo e incesto, além de nudez e
sexo.
Em “A Tortura do Silêncio” uma das obras-primas de Alfred Hitchcock,
de 1953, o padre Michael Logan (Montgomery Clift), aparentemente um
exemplo de piedade religiosa, escuta a confissão de um assassino. Tarefa
árdua testemunhar o ocorrido, a partir do ponto de vista do matador e
as normas da igreja que impedem Logan de se pronunciar.
Escritora filigranada, Clarice Lispector anunciou sem reservas: “Minhas desequilibradas palavras são o luxo do meu silêncio”.
Jack Kerouac, emblemático romancista da geração beat, sublinhou:
“Porque o silêncio em si é como o som dos diamantes que podem cortar
tudo”.
Nosso Tom Jobim, sempre movido por especial delicadeza, alinhavou
irretocável metáfora, segundo a qual a música é o silêncio que existe
entre as notas.
Por fim, o eterno Leminski num de seus versos registrou, recorrendo à
sua habitual e extrema agudeza: “Repara bem no que não digo”.
Então. Talvez esta seja uma boa ocasião para tentarmos decifrar a
sutil conversa das plantas. O significado de certas tempestades, dentro e
fora do corpo. Os humores da natureza. Contemplarmos também alguns
sorrisos que dançam imersos na quietude dos olhos. As mensagens
impregnadas em longos e profundos suspiros.
E, naturalmente, a inquestionável cumplicidade de dois amantes, denunciada pela força de silenciosos apertos de mãos.
-------------------* Professora. Escritora.
Fonte: http://www.revistabula.com/10/08/2013
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