Atualmente no Brasil há registro de cerca de 1.000 famílias que optam
por educar seus filhos em casa, prática que não tem regulamentação no
País e que não é reconhecida pela Justiça. As razões que levam os pais a
não mandarem seus filhos para a escola são analisadas em pesquisa da
Faculdade de Educação (FE) da USP e estão relacionadas ao questionamento
da qualidade do ensino (tanto público quanto privado) e também a
problemas com violência dentro das escolas. De acordo com a pedagoga
Luciane Barbosa, autora do estudo, a prática do “homeschooling” mostra a
necessidade de discutir o papel da escola como espaço de socialização e
formação da cidadania das crianças e jovens.
Os dados sobre ensino em casa são fornecidos pela Associação Nacional
de Educação Domiciliar (ANED), entidade que presta assessoria jurídica
às famílias e defende a aprovação de projetos de lei que regulamentem o
tema — desde 1996, sete propostas já passaram pelo Congresso Nacional.
“Em julgamento realizado em 2001, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)
se posicionou contra o ensino em casa, por entender que o artigo 208 da
Constituição Federal exige que os pais levem os filhos a frequentarem a
escola, além de enfatizarem o papel da instituição escolar na
socialização dos alunos”, conta a pedagoga. “Por essa razão, muitas
famílias não declaram que ensinam seus filhos em casa por receio de
serem levadas à Justiça”.
Luciane entrevistou quatro famílias com histórico de discussões sobre
a educação em casa no Poder Judiciário. “A principal motivação que as
levou a não matricularem seus filhos na escola diz respeito às críticas
que fazem a instituição escolar, inclusive no que diz respeito à
qualidade de ensino, seja público ou privado”, ressalta. “Também há
discordâncias quanto à formação moral oferecida pelas escolas, devido a
ocorrências de episódios de violência e bullying”. A pesquisa é descrita
em tese de doutorado orientada pelo professor Romualdo Portela de
Oliveira, da FE, e defendida no último dia 3 de junho.
A pedagoga também realizou parte do estudo no Canadá, país onde a
prática do “homeschooling” é permitida. “A regulamentação varia conforme
as províncias, algumas exigem a prestação dos exames de avaliação
oficiais, outras pedem apenas que a diretoria de ensino local seja
comunicada”, relata. “Ao entrevistar as famílias canadenses, percebe-se
que embora a motivação religiosa esteja muito presente, os pais também
optam pelo ensino em casa pela questão de custos (famílias mais
numerosas) ou por terem filhos com deficiência, entre outras razões”.
Socialização
Segundo os dirigentes das associações canadenses de ensino domiciliar entrevistados por Luciane, a ausência da escola não leva a uma falta de socialização. “Ao contrário, eles argumentam que a instituição escolar leva a uma socialização restrita, por segregarem as crianças por idade”, diz. “No Canadá, as bibliotecas e ginásios esportivos possuem programas voltados para ‘homeschoolers’, e normalmente os pais que ensinam os filhos em casa são filiados a duas ou mais associações do setor. Também há uma preocupação em desenvolver a participação social dos filhos nas comunidades em que vivem, pois consideram que a escola oferece um conceito de cidadania ligado apenas ao conhecimento de fatos históricos e ao exercício do voto”.
De acordo com a pedagoga, o debate sobre ensino em casa no Brasil
surge em um contexto de ampliação do acesso à educação escolar. “No caso
do Poder Judiciário, inclusive, era mais comum o julgamento de demandas
pelo maior acesso à escola, e não de autorizações de pais para
ensinarem os filhos em casa”, afirma. “Com a previsão legal da extensão
da escolarização obrigatória, que em 2016 passará a abranger crianças a
partir dos quatro anos de idade, surge um questionamento maior sobre a
exclusividade da instituição escolar na oferta de ensino”.
O papel da escola como espaço de socialização das crianças e jovens
também é colocado em questão pelos defensores do ensino em casa. “Além
dos problemas relacionados com a violência nas escolas públicas e
diferenças de valores morais, no Brasil há a agravante de que a opção
pela escola privada pelos pais representa também uma escolha da classe
social em que o filho vai conviver”, diz Luciane. “As famílias
entrevistadas possuem um maior poder aquisitivo e, portanto, condições
para uma maior atuação na educação dos filhos, por isso cabe indagar se o
engajamento em torno do ensino individualizado dos filhos não poderia
ser melhor empregado na mobilização por melhorias nas escolas públicas”.
A pedagoga destaca que o principal problema relativo ao ensino
domiciliar não é legal ou jurídico, mas de opções de política
educacional. “O tema é muito controverso, pois há uma defesa de que a
legislação atual, tanto a Constituição de 1988 quanto a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), daria margem a
interpretações que permitiriam a existência do ensino em casa”, afirma.
“Ao mesmo tempo, uma possível regulamentação pode, de certa forma,
entrar em conflito com todo o processo de profissionalização dos
professores, na medida em que se aceitaria que qualquer pai fosse
professor de seu filhos, desprezando o histórico debate sobre os saberes
e práticas necessárias à atuação docente”.
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Reportagem por Júlio Bernardes, da Agência USP
(Agência USP)
Fonte: http://mercadoetico.terra.com.br/30/08/2013
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