Marcelo Tas*
A mídia antiga foi empurrada para a revolução digital. É hora de nos desapegarmos de falsos dilemas
e reinventarmos o jornalismo
Minha primeira vez na Redação da Folha coincidiu com a chegada dos computadores.
Até então, o ambiente era dominado pelas máquinas de escrever e pela fumaça dos cigarros.
Fui testemunha ocular da rejeição instantânea de alguns colegas à novidade tecnológica.
Uns profetizavam que a chegada das "máquinas silenciosas com monitores
parecidos com os de TV" era um sinal do fim do jornalismo. Outros se
agarravam nostálgicos às suas Olivettis como náufragos diante de uma
boia no convés do Titanic.
Temo que o atual debate "jornalismo convencional x redes sociais", da forma como tem sido conduzido nesta Folha,
repete o falso dilema "computador x máquina de escrever". A comparação
entre ferramentas diferentes, somada à confusão entre ferramenta e
usuário, conduz a conclusões distorcidas.
A mudança central que computadores trouxeram ao jornalismo foi conectar
os profissionais na Redação e, depois, fora delas. As informações
passaram a ser compartilhadas em tempo real, flexibilizando as decisões
editoriais e os prazos de fechamento.
Era o início tímido da aceleração espantosa que experimentamos hoje na publicação das notícias na era das redes sociais.
Já as redes sociais não representam uma mudança de hardware, mas de
software. Na história da comunicação, a transmissão da informação sempre
foi unidirecional.
Na revolução digital, as redes sociais subverteram esse fluxo. Leitores
não querem mais ser só leitores. Querem também publicar, criticar,
influenciar. Substitua leitores por telespectadores, ouvintes, empresas,
consumidores, alunos, professores, chefes, funcionários, pais, filhos,
torcedores, clubes de futebol e sinta o tamanho da encrenca.
Depois das manifestações de junho, a Folha passou a ser enfática
em criticar as redes sociais. Em um editorial, chegou a alertar: "É
honesto reconhecer um aspecto corporativo nessas críticas".
Não questiono a legitimidade das críticas, mesmo corporativas, e até
concordo com algumas delas. O equívoco é como se fundamentam: na
tentativa inglória de separação asséptica entre "jornalismo
convencional" e redes sociais.
Sérgio Dávila, em "Cidadão Face", coloca de um lado a "imprensa
profissional" e do outro, a geração Movimento Passe Livre, que ele
condena pelo uso do Facebook.
Na mesma coluna em que critica a Folha por "comer poeira" por não
levar a sério denúncias surgidas na rede, a ombudsman pisa no mesmo
tomate. Suzana Singer decreta que "no momento, blogs e redes sociais não
têm capacidade para tomar o lugar da mídia convencional."
Ora, blogs e redes sociais são apenas ferramentas, sem vida própria.
Podem ser usadas bem ou mal, por profissionais ou amadores. Ao que me
consta, esta Folha tem blogs e está nas redes sociais. Resta a pergunta: qual o significado, em 2013, da expressão "mídia convencional"?
Não é mera questão semântica. Quem pensa fazer parte da "mídia
convencional" parece ainda acreditar na existência de um "leitor
convencional". Mesmo contra a vontade, a mídia antiga já foi empurrada
para a revolução digital pelos seus próprios usuários. É hora de nos
desapegarmos dos falsos dilemas e reinventarmos o jornalismo.
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* MARCELO TAS, 53, é jornalista e apresentador de TV
Fonte: Folha on line, 11/08/2013
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