Ele veio de carruagem, ela esperava uma carreta de bois
FABRÍCIO CARPINEJAR*
Príncipe conversa com seu confidente. Acabou de se separar da Cinderela. Abrem-se as cortinas.
– Por que vocês se separaram?
– Ela explicou que eu amava demais.
– Amor demais? Tá de sacanagem? Aprontou alguma?
– Não, amei demais.
– Ninguém se separa por amor demais.
– Sim, ela se separou de mim por este motivo.
– Traição, ciúme, ressentimento são as causas mais comuns.
– Não, havia química poderosa. A gente ria muito. Os amigos enxergavam nosso contentamento. Admiravam nossa felicidade.
– Ria?
– Sim, de gargalhar, de doer de gargalhar. Bebíamos de noite conversando bobagem.
– Não faz sentido. Explica?
– Era muita surpresa para uma rotina. Casal perfeito, sabe?
– Sem filosofia, ela alegou o quê?
– Que era muito amor para uma mulher só, que ela não era o que eu idealizava.
– Você falou isso?
– Não, pelo contrário, eu falei que ela era muito melhor do que eu idealizava.
– Toda mulher deseja alguém por perto, romântico, com olhos somente para ela, não?
–
Ela não gostava. Chamava de carência. Insistia para me controlar,
amarrar as mãos, amordaçar a boca, não ficar em cima, dar espaço.
– Não tem cabimento... Tá brincando?
–
Tem, sim. Amor demais. Eu lavava a louça antes dela acordar, eu a
levava para o trabalho, eu estava à disposição de seus chamados.
– Ela ainda reclamava?
– Sim. Amor demais. Reclamava que não aguentava tanta pressão, que não conseguia respirar.
– Pressão de quê?
– Do meu amor demais.
– O que você pensava da situação?
–
Nada. Estava feliz amando demais. Escrevia cartas e bilhetes, fazia
declarações públicas, mandava flores, banquei serenata na janela,
coloquei outdoor.
– Nossa, que estranho!
– Não é estranho, ela reclamava do amor demais. Ela se separou pelo amor demais. É muita expectativa.
– Era um conto de fadas, deveria ser bom.
– Mas faltava a bruxa, a maçã envenenada, o lobo.
– Por que você amou demais?
–
Eu descobri o infinito no primeiro dia, eu a pedi em namoro no segundo
dia, eu ofereci casamento na primeira semana, abri a casa no primeiro
mês. Enlouqueci partilhando minhas razões de viver.
– Tudo foi rápido?
–
Amor demais. Eu dei um solitário e pretendia casar na igreja. Eu queria
ter um filho, já tinha até escolhido o nome. Eu dava presentes fora de
hora, levava para jantar, não deixava qualquer pedido em casa. Ela
parecia contente até que um dia...
– Um dia?
– Disse para mim: chega de amor!
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* Poeta. Jornalista. Escritor. Cronista da ZH. - Fonte: ZH on line, 13/08/2012 - Imagem da Intenet
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