terça-feira, 13 de agosto de 2013

Ele veio de carruagem, ela esperava uma carreta de bois

FABRÍCIO CARPINEJAR*

 Príncipe conversa com seu confidente. Acabou de se separar da Cinderela. Abrem-se as cortinas.

– Por que vocês se separaram?

– Ela explicou que eu amava demais.

– Amor demais? Tá de sacanagem? Aprontou alguma?

– Não, amei demais.

– Ninguém se separa por amor demais.

– Sim, ela se separou de mim por este motivo.

– Traição, ciúme, ressentimento são as causas mais comuns.

– Não, havia química poderosa. A gente ria muito. Os amigos enxergavam nosso contentamento. Admiravam nossa felicidade.

– Ria?

– Sim, de gargalhar, de doer de gargalhar. Bebíamos de noite conversando bobagem.

– Não faz sentido. Explica?

– Era muita surpresa para uma rotina. Casal perfeito, sabe?

– Sem filosofia, ela alegou o quê?

– Que era muito amor para uma mulher só, que ela não era o que eu idealizava.

– Você falou isso?

– Não, pelo contrário, eu falei que ela era muito melhor do que eu idealizava.

– Toda mulher deseja alguém por perto, romântico, com olhos somente para ela, não?

– Ela não gostava. Chamava de carência. Insistia para me controlar, amarrar as mãos, amordaçar a boca, não ficar em cima, dar espaço.

– Não tem cabimento... Tá brincando?

– Tem, sim. Amor demais. Eu lavava a louça antes dela acordar, eu a levava para o trabalho, eu estava à disposição de seus chamados.

– Ela ainda reclamava?

– Sim. Amor demais. Reclamava que não aguentava tanta pressão, que não conseguia respirar.

– Pressão de quê?

– Do meu amor demais.

– O que você pensava da situação?

– Nada. Estava feliz amando demais. Escrevia cartas e bilhetes, fazia declarações públicas, mandava flores, banquei serenata na janela, coloquei outdoor.

– Nossa, que estranho!

– Não é estranho, ela reclamava do amor demais. Ela se separou pelo amor demais. É muita expectativa.

– Era um conto de fadas, deveria ser bom.

– Mas faltava a bruxa, a maçã envenenada, o lobo.

– Por que você amou demais?

– Eu descobri o infinito no primeiro dia, eu a pedi em namoro no segundo dia, eu ofereci casamento na primeira semana, abri a casa no primeiro mês. Enlouqueci partilhando minhas razões de viver.

– Tudo foi rápido?

– Amor demais. Eu dei um solitário e pretendia casar na igreja. Eu queria ter um filho, já tinha até escolhido o nome. Eu dava presentes fora de hora, levava para jantar, não deixava qualquer pedido em casa. Ela parecia contente até que um dia...

– Um dia?

– Disse para mim: chega de amor!

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* Poeta. Jornalista. Escritor. Cronista da ZH.  - Fonte: ZH on line, 13/08/2012 - Imagem da Intenet

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