Imagem: diversidadecatolica
Após o impacto e a euforia da visita do
papa Francisco ao Brasil, é tempo para reflexões. Se há alguma novidade na
metodologia da Teologia da Libertação foi a pretensão (nem sempre realizada) de
ser uma reflexão crítica sobre a experiência da fé no seguimento de Jesus e,
portanto, das lutas pelas emancipações e libertações humanas. Após um "banho de
emoções” desta visita, algumas reflexões críticas.
Uma das grandes diferenças entre a visita
do papa Francisco em relação às visitas dos papas João Paulo II e Bento XVI foi
o tamanho dos discursos e sermões entre eles. Papa Francisco parece acreditar
mais em gestos simbólicos (não artificiais ou rituais, mas espontâneos e que
comunicam por si) combinados com discursos mais breves que explicitam posições
que nem sempre são claras nos gestos. Um exemplo marcante disso foi o seu
discurso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro quando defendeu o valor do
Estado Laico e as contribuições das diversas tradições religiosas para a
sociedade, em uma cerimônia que contou com líderes das mais diversas tradições
religiosas e setores da sociedade.
Parece que ele crê que a melhor forma de a
Igreja Católica se comunicar com a sociedade hoje é a linguagem mais simbólica
que expresse os valores do evangelho. Assim, a sua presença no Brasil pode ser
vista realmente como uma expressão pública do seu desejo de uma "Igreja pobre e
simples voltada para pobres e pessoas de boa vontade”. Dessa forma, a Igreja seria
uma testemunha com mais credibilidade do seguimento de Jesus, aquele que nem
tinha onde reclinar sua cabeça (cf. Lc 9,58). Realmente, longos discursos
dogmáticos podem convencer pessoas da validade de uma doutrina, mas não
convertem pessoas, nem as motivam a entrar na caminhada e luta.
Se os gestos e posições simbólicos são tão
fundamentais na transmissão de mensagens que vão além da descrição do que
existe, que levam as pessoas a perceber a vontade de Deus e a lutar pela
realização dessa vontade na Terra, eu me pergunto qual será a mensagem que a
Igreja transmite ao mundo quando trata a não ordenação presbiteral das mulheres
como algo definitivo.
Quando se discute o fim do celibato
obrigatório e a ordenação dos homens casados, o que estão no centro do debate é
se a vocação e a ordenação presbiteral estão subordinados ao celibato. Isto é,
a opção de aceitar o celibato, uma decisão pessoal, é ou não condição
necessária para a ordenação. Mas, quando se discute a ordenação ou não das
mulheres, não está em discussão se há alguma exigência de ordem de decisão
pessoal (aceitar ou não o celibato ou qualquer outra exigência), mas se as
mulheres como tais são aptas ou não receber a ordenação. O que implica também
se as mulheres são passíveis ou não de serem chamadas, vocacionadas, por Deus para
o serviço de presbíteras na comunidade.
Ao tratar a não ordenação das mulheres como
algo definitivo e não histórico ou cultural, a Igreja está dizendo ao mundo –
através desse "gesto simbólico”– que há um problema "ontológico” com as
mulheres que não lhes permitem ser cogitadas por Deus para serem vocacionadas à
odenação. Pareceria que Deus tem algum problema ou restrição em relação ao
"ser” das mulheres; parece que Deus não quer ou não pode chamar mulheres para a
ordenação.
Não trato aqui do debate doutrinário sobre
a ordenação de homens e/ou mulheres; nem o papel do presbítero/clero na
comunidade cristã, mas a mensagem que a sociedade percebe no "gesto simbólico”
de dar como definitiva a não ordenação das mulheres. Muito menos quero discutir
aqui as razões teológicas ou de política eclesiástica que levaram papa
Francisco a dizer rapidamente que essa questão está resolvida. O que quero
apontar é que, com essa posição, a Igreja Católica confunde a sociedade. Pois,
se a "Igreja pobre para os pobres” testemunha a vida simples e pobre de Jesus
na sua pregação do Reino de Deus, a Igreja que não pode ordenar mulheres não testemunha
o ensinamento neotestamentário de que entre os batizados em Cristo "não há mais
judeus ou gregos, nem servos ou livre, nem homens e mulheres; porque todos vós
sois um em Cristo Jesus” (Gal 3,27-28).
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* Teólogo. Prof. Universitário. Escritor. Autor, com Hugo Assmann, de "Deus em nós:
o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”,
Ed. Paulus. Twitter:
@jungmosung].
Fonte: http://site.adital.com.br/site/noticia.php?boletim=1&lang=PT&cod=77306
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