"Não temos apenas uma crise econômica, ou
ecológica,
ou de pobreza, ou financeira,
elas estão todas conectadas."
Reconhecido
internacionalmente por livros como ‘O Tao da Física’ e ‘Teia da Vida’, o
físico Fritjof Capra esteve no Brasil na semana passada e surpreendeu a
plateia do ‘10° Congresso Brasileiro de Direito Socioambiental e
Sustentabilidade’ ao colocar o país como um dos possíveis líderes para o
caminho que segue a um crescimento qualitativo – ao invés do
quantitativo que temos vivido.
O físico abriu a sua fala buscando esclarecer o que seria o conceito
de sustentabilidade, que tem assumido diversas formas desde a sua
concepção na década de 1980.
“Não é o que os economistas gostam de falar – sobre crescimento
econômico e vantagens competitivas”, colocou. “Uma comunidade
sustentável deve ser desenvolvida de forma que a nossa forma de viver,
nossos negócios, nossa economia, tecnologias, e estruturas físicas não
interfiram na capacidade da natureza de sustentar a vida. Devemos
respeitar e viver de acordo com isto”.
Os primeiros passos para tal seriam entender como a natureza sustenta
a vida, isso envolve toda uma nova compreensão ecológica, um pensamento
sistêmico, explica Capra.
“Não podemos mais enxergar o universo como uma máquina, composta de
blocos elementares. Descobrimos que o mundo material é principalmente
uma rede inseparável de relações. O planeta é um sistema vivo e
auto-regulado. A evolução não é uma luta competitiva pela existência,
mas sim uma dança cooperativa.”
Nesta nova ênfase na complexidade, as redes são o padrão básico da
organização dos seres vivos. Os ecossistemas são uma rede de organismos,
por exemplo. Para compreender as redes, Capra explica que precisamos
pensar em termos de relacionamentos, de padrões.
“Isto é o pensamento sistêmico. É compreender que a natureza tem
sustentado a ‘Teia da Vida’ por milhões de anos e que para isto são
necessários ecossistemas e não apenas organismos ou espécies.”
Alfabetização Ecológica
Nas próximas décadas, a sobrevivência da humanidade vai depender da
nossa capacidade de entender os princípios básicos da ecologia e de
viver de acordo com eles, ressalta o físico. Isso significa que a
alfabetização ecológica precisa se tornar um campo crítico para
políticos, lideres empresariais e profissionais de todas as áreas, além
de ser a parte mais importante da educação em todos os níveis.
“Quando pensamos sobre os maiores problemas, o surpreendente é que
estão interconectados. Não temos apenas uma crise econômica, ou
ecológica, ou de pobreza, ou financeira, elas estão todas conectadas.
Esses problemas não podem ser compreendidos isoladamente. São
sistêmicos, interdependentes e precisam de soluções correspondentes”.
Capra elogiou o Programa Água Boa, desenvolvido pela Itaipu Energia, classificando a iniciativa como um “exemplo muito bonito de solução sistêmica”.
Ilusão do crescimento infinito
“Analisando os problemas atuais dessa forma sistêmica, podemos
constatar que a questão subjacente é a ilusão que o crescimento infinito
pode continuar em um planeta finito. Os economistas, com o seu
pensamento linear, parecem não entender”, lamenta o físico.
“Nosso sistema econômico é movido pela ganância e pelo materialismo,
pensando que não há limites. Isto resulta nas diferenças imensas entre o
preço de mercado e o verdadeiro custo, como é visto com os combustíveis
fósseis. Ouvimos sobre o gás de xisto e o novo processo de ‘fracking’ –
ouvimos que é muito barato, mas o fato é que devasta o ambiente e é
tóxico para as pessoas (..) O pensamento linear leva a concluir que o
xisto é muito barato, mas se pensarmos nisso sistemicamente, ele é muito
caro e perigoso”, explica Capra.
“No centro da economia global está uma rede de crescimento
financeiro, criado sem qualquer enquadramento ético. Hoje, se você é
especulador pode investir em qualquer projeto ao redor do mundo e
computadores levam uma fração de segundo para movimentar dinheiro. O
único critério é lucrar (..) não há critérios éticos envolvidos nesta
economia global. Exclusão social e desigualdades são elementos inerentes
desta globalização.”
O crescimento indiscriminado é na verdade “uma doença”, nota,
completando que o desafio elementar é como mudar do crescimento
ilimitado para um sistema ecologicamente sustentável e socialmente
justo.
Crescimento qualitativo
Para Capra, o crescimento zero não é a resposta, pois crescer é uma característica central da vida.
“Na natureza o crescimento não é linear e ilimitado. Em um
ecossistema, uns crescem mais, outros declinam e assim reciclam seus
componentes, que se tornam recursos para um novo crescimento. Há um
crescimento multifacetado, qualitativo, que contrasta com o quantitativo
pregado atualmente por economistas”.
Assim como outros grandes pensadores, Capra questiona o uso
preponderante Produto Interno Bruto (PIB) para medir a saúde dos países.
Custos sociais como acidentes, guerras, mitigação e cuidados com a
saúde são adicionados e aumentam o PIB e o fato que o seu crescimento
pode ser patológico raramente é citado por economistas, alerta.
“Esse reconhecimento da falácia do crescimento econômico é essencial.
É o primeiro passo para superar a atual crise econômica global (..)
Grande parte do que se chama de ‘crescimento’ é lixo e destruição.”
O verdadeiro crescimento, explica, melhora a qualidade de vida e aumenta a sua complexidade, sofisticação e maturidade.
“Isto faz parte de uma mudança de paradigma de quantidade para
qualidade. O crescimento qualitativo é consistente com a nova concepção
científica da vida”, explica. “Não se pode medir a natureza de um
sistema complexo, como os ecossistemas, a sociedade ou a economia, em
termos puramente quantitativos.”
Para Capra, a qualidade não pode ser agregada em um único número.
“Então, como seria possível promover o crescimento qualitativo?
Definitivamente não através do PIB”.
“Precisamos distinguir o bom do ruim para que os recursos naturais
presos a processos ruins possam ser direcionados para os eficientes e
sustentáveis”, comentou. “O crescimento ruim é aquele que gera
externalidades ambientais, econômicas e sociais e o bom envolve
processos produtivos mais eficientes, que usam energias renováveis, têm
emissões zero, reciclam, restauram ecossistemas e a apoiam as
comunidades locais.”
Construindo a qualidade
Entender as conectividades dos nossos problemas globais e reconhecer
soluções sistêmicas é a primeira lição para construir a qualidade que
precisamos hoje para a liderança global, segundo Capra. Outra lição
seria a construção de um ‘senso moral’.
A perspectiva sistêmica mostra que dois problemas urgentes, a
desigualdade econômica e as mudanças climáticas, resultam da estrutura
econômica e corporativa global que não têm ‘senso moral’, nota.
Um exemplo disso são as conclusões de um estudo de 2012 apontando que
os ricos globais somam juntos até US$ 32 trilhões (Leia a reportagem do
The Guardian).
“Se eles tivessem um senso moral e pagassem seus impostos não haveria
mais crise. Haveria dinheiro suficiente”, ressaltou Capra.
Outro exemplo citado pelo físico se volta para as conclusões
inequívocas da ciência sobre as mudanças climáticas e a necessidade das
empresas que exploram combustíveis fósseis de abandonar os planos de
exploração de 80% das reservas contabilizadas em seus ativos (Leia a
nossa reportagem sobre a Bolha de Carbono)
“Elas estão dispostas a fazer isso? As empresas precisam se
perguntar: o meu modelo de negócios inclui a destruição do planeta? Ou
tem uma alternativa moral?”
Liderança e o Brasil
“Hoje temos conhecimento e tecnologia para a transição para um futuro
sustentável, não precisamos dos perigos da energia nuclear e nem de gás
de xisto. Podemos ir além dos combustíveis fósseis”, defendeu Capra.
“Precisamos de vontade política e liderança (..) O que em tempos
estáveis é diferente do que em tempos de crise ambiental e econômica,
que é o que temos hoje. A maioria dos problemas são globais, apesar da
demanda por lideranças em nível regional e corporativo, precisamos
também de lideranças em nível global”.
Capra ressalta que na atual crise global, o Brasil e a Alemanha estão melhor posicionados do que a maioria dos países.
Ele comentou que nos Estados Unidos, Barack Obama foi eleito com
grandes esperanças, mas sucumbiu ao sistema corrupto, e no fim, a
riqueza dos pobres está sendo sistematicamente repassada para os ricos.
Porém, ele acredita que no Brasil a situação está melhor, apesar da
população não estar satisfeita.
“Programas como o Bolsa Família e o Fome Zero reduziram a
desigualdade econômica ao retirar milhões de pessoas da pobreza, mas
mesmo assim muitos problemas de desigualdade e corrupção permanecem e
ainda há muito trabalho a ser feito.”
“O Brasil pode ser um líder global”, ressaltou após assistir
apresentações sobre o Programa Água Boa e sobre as ações de
sustentabilidade previstas para a Copa de 2014. “Estes são ótimos
exemplos de liderança global que precisam ser divulgados. O que pode
acontecer no ano que vem, já que todo o mundo vai olhar para o Brasil”
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Reportagem por Fernanda B. Müller, do Instituto CarbonoBrasil
(Instituto CarbonoBrasil)Fonte: http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/fritjof-capra-aponta-brasil-como-possivel-lider-para-um-futuro-sustentavel/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=mercado-etico-hoje
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