Chico Alencar*
Aos que se julgam com o monopólio da representação, vale o recado do
papa: "Saiam à rua a armar confusão.
Abandonem a comodidade"
Nas ruas do Brasil, os jovens, sem papas nas línguas e nos cartazes, questionam o poder e suas circunstâncias de escândalos.
Nas ruas do Rio, o papa Francisco, despojado, reduziu a pompa secular da
instituição eclesiástica de tradição monárquica. Ele orientou seu
próprio clero a abandonar o comportamento "principesco" e o "apego às
riquezas".
Governantes soberbos e inebriados por mordomias se dizem "tocados" pelo papa e pelos protestos, prometendo humildade.
A dinâmica política não comporta milagres, mas registra mudanças de
postura, ao menos por espírito de sobrevivência. Os dirigentes
brasileiros estão submetidos a um curso intensivo de "escutatória".
Partidos e políticos, no purgatório do descrédito, são chamados a
profunda metanoia. Para tanto, Francisco, mais como líder religioso
ecumênico que como chefe de um Estado que Cristo nunca cogitou fundar,
ofereceu instigante roteiro.
Aos que degradam nossa atividade política com suas máquinas de comprar
votos, o papa opôs "a tarefa de reabilitar a política, que é uma das
formas mais altas de caridade", lembrando que "os jovens possuem
sensibilidade especial frente às injustiças, mas muitas vezes se
desiludem com notícias de corrupção".
Aos que subordinam a função pública ao jogo bruto dos interesses
econômicos, desde as eleições, o papa contrapôs "uma visão humanista da
economia e da política, que realize cada vez mais a participação das
pessoas, evitando elitismos e erradicando a pobreza, asseguradas a todos
dignidade, fraternidade e solidariedade".
Aos que montam bancadas religiosas e instrumentalizam a fé do povo, o
papa lembrou que "a laicidade do Estado, sem assumir como própria
qualquer posição confessional, favorece a pacífica convivência entre
religiões diversas".
Para ele, "a religião tem um patrimônio e o põe a serviço do povo, mas,
se começa a se misturar com politicagem e impor coisas por baixo do
pano, transforma-se em um mau agente de poder".
Aos de mentalidade doentia que, na direção oposta da prática de Jesus,
discriminam e querem "curar" os que, saudáveis, vivenciam sua
homoafetividade, o papa incomodou, desconsiderando orientação sexual
como elemento de identificação: "Os gays não devem ser discriminados e
sim integrados. Quem sou eu para julgá-los?".
Aos áulicos que vivem de bajular e fazer lobbies, no Vaticano e aqui, o
papa alertou: "Gosto quando alguém me diz não estou de acordo'. Esse é
um verdadeiro colaborador. O pior problema é o lobby, o dos avaros, dos
políticos, dos maçons...".
Aos que usam e abusam das benesses, exercendo poder não para servir mas
para se servir, o papa alertou quanto à "feroz idolatria do dinheiro" e
lembrou que "austeridade e simplicidade são necessárias a todos".
Aos que se julgam com o monopólio da representação e que só deixam os
gabinetes para reproduzi-la com propaganda enganosa de tempos em tempos
vale o recado de Francisco para a igreja: "Saiam à rua a armar confusão.
Abandonem a mundanidade, a comodidade e o clericalismo. Deixemos de
estar encerrados em nós mesmos!".
Assim seja.
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* CHICO ALENCAR, 63, é deputado federal (PSOL-RJ) e coordenador do Movimento Nacional Fé e Política
Fonte: Folha on line, 09/08/2013
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