sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Francisco e o cisco no olho dos políticos

Chico Alencar*

Aos que se julgam com o monopólio da representação, vale o recado do papa: "Saiam à rua a armar confusão. 
Abandonem a comodidade" 

Nas ruas do Brasil, os jovens, sem papas nas línguas e nos cartazes, questionam o poder e suas circunstâncias de escândalos. 

Nas ruas do Rio, o papa Francisco, despojado, reduziu a pompa secular da instituição eclesiástica de tradição monárquica. Ele orientou seu próprio clero a abandonar o comportamento "principesco" e o "apego às riquezas". 

Governantes soberbos e inebriados por mordomias se dizem "tocados" pelo papa e pelos protestos, prometendo humildade. 

A dinâmica política não comporta milagres, mas registra mudanças de postura, ao menos por espírito de sobrevivência. Os dirigentes brasileiros estão submetidos a um curso intensivo de "escutatória". 

Partidos e políticos, no purgatório do descrédito, são chamados a profunda metanoia. Para tanto, Francisco, mais como líder religioso ecumênico que como chefe de um Estado que Cristo nunca cogitou fundar, ofereceu instigante roteiro. 

Aos que degradam nossa atividade política com suas máquinas de comprar votos, o papa opôs "a tarefa de reabilitar a política, que é uma das formas mais altas de caridade", lembrando que "os jovens possuem sensibilidade especial frente às injustiças, mas muitas vezes se desiludem com notícias de corrupção". 

Aos que subordinam a função pública ao jogo bruto dos interesses econômicos, desde as eleições, o papa contrapôs "uma visão humanista da economia e da política, que realize cada vez mais a participação das pessoas, evitando elitismos e erradicando a pobreza, asseguradas a todos dignidade, fraternidade e solidariedade". 

Aos que montam bancadas religiosas e instrumentalizam a fé do povo, o papa lembrou que "a laicidade do Estado, sem assumir como própria qualquer posição confessional, favorece a pacífica convivência entre religiões diversas". 

Para ele, "a religião tem um patrimônio e o põe a serviço do povo, mas, se começa a se misturar com politicagem e impor coisas por baixo do pano, transforma-se em um mau agente de poder". 

Aos de mentalidade doentia que, na direção oposta da prática de Jesus, discriminam e querem "curar" os que, saudáveis, vivenciam sua homoafetividade, o papa incomodou, desconsiderando orientação sexual como elemento de identificação: "Os gays não devem ser discriminados e sim integrados. Quem sou eu para julgá-los?". 

Aos áulicos que vivem de bajular e fazer lobbies, no Vaticano e aqui, o papa alertou: "Gosto quando alguém me diz não estou de acordo'. Esse é um verdadeiro colaborador. O pior problema é o lobby, o dos avaros, dos políticos, dos maçons...". 

Aos que usam e abusam das benesses, exercendo poder não para servir mas para se servir, o papa alertou quanto à "feroz idolatria do dinheiro" e lembrou que "austeridade e simplicidade são necessárias a todos". 

Aos que se julgam com o monopólio da representação e que só deixam os gabinetes para reproduzi-la com propaganda enganosa de tempos em tempos vale o recado de Francisco para a igreja: "Saiam à rua a armar confusão. Abandonem a mundanidade, a comodidade e o clericalismo. Deixemos de estar encerrados em nós mesmos!". 

Assim seja. 
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* CHICO ALENCAR, 63, é deputado federal (PSOL-RJ) e coordenador do Movimento Nacional Fé e Política 
Fonte: Folha on line, 09/08/2013
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