sábado, 10 de agosto de 2013

Palavras novas

Wálter Maierovitch*
 
Para muitos, Jorge Bergoglio lembra o renovador João XXIII. Outros o consideram alinhado ao pensamento progressista do cardeal jesuíta Carlo Maria Martini. No testamento espiritual deixado, Martini fala da Igreja “que avança por uma estrada pobre e humilde, que não depende dos poderes do mundo, que dá espaço às pessoas capazes de pensar de maneira mais aberta, uma Igreja que infunde coragem, sobretudo naqueles que se sentem pequenos ou pecadores”.


No geral, o papa Francisco surpreende positivamente como chefe de um Estado autoconsiderado de emanação divina e se desdobra para conciliar o poder político e o empenho espiritual. Na ilha de Lampedusa, porto de ingresso de desesperados em busca de sobrevivência, Francisco, em homilia, pregou o fim da “globalização da indiferença”. Após a Jornada Mundial da Juventude, reprovou as discriminações impostas aos homossexuais e transmitiu esperança de melhor acolhimento aos divorciados. Certamente, recordou inacreditáveis decisões anulatórias de casamentos do Tribunal da Santa Rota, autêntico substitutivo ao proibido divórcio, com direito à volta ao altar nupcial e a favorecer poderosos, ricos e famosos, como, por exemplo, o ex-presidente italiano Francesco Cossiga.

Como um hierarquizado soldado de Loyola em missões, Francisco mostrou-se, em relação à ordenação de mulheres, incapaz de superar um velho dogma da Igreja. Com efeito, o papa não vai reformar uma decisão de Wojtyla e disse “estar a porta fechada”. Por evidente, falava mais alto o dogma da infalibilidade ex-cathedra, ou seja, quando um papa, em questões de fé, é considerado inspirado diretamente pelo Espírito Santo. Esse dogma da infalibilidade papal, relativo à fé e à vida moral, data de julho de 1870 e decorre da constituição Pastor Aeternus, de Mastai Ferretti (Pio IX). No fundo, algo de ocasião ao perceber esse papa o comprometimento do seu poder temporal, com a perda dos Estados pontifícios que iam da Itália Central, excluído o Ducado da Toscana, à meridional Terracina, divisa com o Reino de Napoli.

Sobre a pedofilia e o Banco do Vaticano, eufemisticamente denominado de Instituto para as Obras de Religião e regido pela nada evangélica regra de multiplicar o capital, o papa esclareceu: os temas serão enfrentados quando da reforma da Cúria. Por enquanto, no pontificado de Francisco, os bispos estão obrigados a denunciar os casos de pedofilia. A denúncia é encaminhada à Congregação para a Doutrina da Fé, antigo Santo Ofício, e, se houver condenação no processo eclesiástico, o clérigo é sancionado com a pena de volta à condição de laico. Quanto ao acolhimento e à terapia, existem dois centros católicos apoiados pelo Vaticano e localizados em Trieste e Verbania, às margens do Lago Maggiore. Francisco, que faz questão de distinguir crime de pecado e afirma ser a pedofilia um crime, não abandona a doutrina católica da Metanoia, de emenda e tentativa, sem deixar a reprovação de lado, de mudar o coração e a alma do infrator.

Para o professor e psiquiatra Maurício Marasco, da Universidade La Sapienza, de Roma, o sucesso no tratamento da pedofilia pode acontecer quando descoberto o distúrbio sexual na infância. Na idade adulta, com a personalidade já estruturada, é mínima a possibilidade de se acabar com essa anomalia, sustenta Marasco. 


Por outro lado e na Torre Nicolau V, sede do Banco do Vaticano, trabalham 20 jovens investigadores de patologias financeiras da sociedade americana Promontory. Eles analisam transações de 5,2 mil instituições correntistas e 13,5 mil pessoas físicas titulares de contas. Note-se: o Vaticano tem apenas 500 cidadãos e 900 residentes. O presidente Ernest von Freyberg prepara um plano de transparência voltado a tirar do IOR o rótulo de “banco off-shore”. Como todas as batinas sabem, o IOR, fundado em 1942 pelo papa Pacelli (Pio XII), desobedece às regras mínimas exigidas pela União Europeia e pelo Grupo de Ações Financeiras (Gafi), criado pelas Nações Unidas para evitar a lavagem de dinheiro. 

Pelo prestígio de Bergoglio, o Banco do Vaticano, que poderá ser extinto, transformado em fundo ou reformado para atuar como instituição transparente, acabou de ser aceito pelo seleto Grupo de Egmond, de inteligência financeira. Mais ainda: acaba de celebrar acordo para voltar a operar com bancos italianos e com acompanhamento pelo Banco Central da Itália. E, se a reforma agradar, o IOR entrará na “white list” do Gafi, que diz elencar “Estados virtuosos”.
-------------------------------
Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/revista/760/palavras-novas-5362.html
Imagem da Internet

Nenhum comentário:

Postar um comentário