Cláudia Laitano*
O nome dela é Elena Ferrante – ou não. Muitos críticos e leitores
acreditam que Ferrante é uma das vozes mais poderosas da ficção
contemporânea, mas, se um dia ela vier a ganhar o Nobel de Literatura, é
pouco provável que sua foto apareça nos jornais no dia seguinte. (No
Brasil, o único livro dela já traduzido é o romance A Amiga Genial,
lançado neste ano pela editora Biblioteca Azul, e que você deveria
incluir na sua lista de desejos para a Feira do Livro.)
Ninguém sabe quem é a pessoa por trás do pseudônimo, além de que provavelmente é uma mulher italiana, de pouco mais de 70 anos, que passou a infância em Nápoles – e sabe escrever como o diabo. Em 1991, a autora mandou um manuscrito para os editores italianos Sandro e Sandra Ferrari, donos de uma pequena casa editorial, explicando que não gostaria de se identificar, dar entrevistas ou fazer sessões de autógrafos. Se os livros fossem bons, falariam por si mesmos. Falaram.
Hoje, Ferrante dá entrevistas, poucas, sempre por e-mail e através da intermediação da editora. Em agosto, respondeu longa e detalhadamente às perguntas da escritora Elissa Schappell, da revista Vanity Fair. O mistério a respeito da sua identidade, como não poderia deixar de ser, foi um dos tópicos da conversa. A escritora explicou que a decisão de não usar a própria identidade para promover seus livros foi libertadora – e é definitiva: “Decidi, há mais de 20 anos, me libertar da ansiedade da notoriedade e da necessidade de fazer parte do círculo das pessoas bem-sucedidas, aqueles que acreditam ter conquistado sabe-se lá o quê. Esse foi um passo importante para mim. Hoje, graças a essa decisão, sinto que conquistei espaço para mim mesma, um espaço de liberdade, onde me sinto ativa e presente. Desistir disso seria muito doloroso”.
Alguém que abre mão da “ansiedade da notoriedade” torna-se imediatamente um enigma quase irresistível em uma época em que mesmo os anônimos (ou mais ainda os anônimos) parecem tomados pela urgência do reconhecimento e da repercussão – e cada vez mais gente apela a gestos extremos de exposição de intimidade na esperança de alcançar algum tipo de capital social.
Nesse ambiente, apagar qualquer rastro de identidade parece mais do que uma mera estratégia para preservar a liberdade criativa e a privacidade. Em 2015, ser adorada por milhares de leitores no mundo inteiro (esta leitora que vos escreve, inclusive) e não desfrutar a fama é quase um gesto de resistência. Quando tudo em volta parece ruidoso, exposto, compartilhado, Elena Ferrante nos convida a refletir sobre recolhimento, pudor e silêncio – além de escrever como o diabo.
Ninguém sabe quem é a pessoa por trás do pseudônimo, além de que provavelmente é uma mulher italiana, de pouco mais de 70 anos, que passou a infância em Nápoles – e sabe escrever como o diabo. Em 1991, a autora mandou um manuscrito para os editores italianos Sandro e Sandra Ferrari, donos de uma pequena casa editorial, explicando que não gostaria de se identificar, dar entrevistas ou fazer sessões de autógrafos. Se os livros fossem bons, falariam por si mesmos. Falaram.
Hoje, Ferrante dá entrevistas, poucas, sempre por e-mail e através da intermediação da editora. Em agosto, respondeu longa e detalhadamente às perguntas da escritora Elissa Schappell, da revista Vanity Fair. O mistério a respeito da sua identidade, como não poderia deixar de ser, foi um dos tópicos da conversa. A escritora explicou que a decisão de não usar a própria identidade para promover seus livros foi libertadora – e é definitiva: “Decidi, há mais de 20 anos, me libertar da ansiedade da notoriedade e da necessidade de fazer parte do círculo das pessoas bem-sucedidas, aqueles que acreditam ter conquistado sabe-se lá o quê. Esse foi um passo importante para mim. Hoje, graças a essa decisão, sinto que conquistei espaço para mim mesma, um espaço de liberdade, onde me sinto ativa e presente. Desistir disso seria muito doloroso”.
Alguém que abre mão da “ansiedade da notoriedade” torna-se imediatamente um enigma quase irresistível em uma época em que mesmo os anônimos (ou mais ainda os anônimos) parecem tomados pela urgência do reconhecimento e da repercussão – e cada vez mais gente apela a gestos extremos de exposição de intimidade na esperança de alcançar algum tipo de capital social.
Nesse ambiente, apagar qualquer rastro de identidade parece mais do que uma mera estratégia para preservar a liberdade criativa e a privacidade. Em 2015, ser adorada por milhares de leitores no mundo inteiro (esta leitora que vos escreve, inclusive) e não desfrutar a fama é quase um gesto de resistência. Quando tudo em volta parece ruidoso, exposto, compartilhado, Elena Ferrante nos convida a refletir sobre recolhimento, pudor e silêncio – além de escrever como o diabo.
------------
* Jornalista. Escritora.
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4867377.xml&template=3916.dwt&edition=27623§ion=70
Imagem da Internet
ADENDO:
Elena Ferrante, que esconde sua identidade há mais de 20 anos, tem livro lançado no Brasil
RIO - Tudo é mistério em torno de Elena Ferrante. Sucesso há mais de
20 anos em seu país, a escritora italiana é tão notória quanto oculta.
Nunca revelou sua real identidade. Não promove seus livros. Jamais
recebe prêmios. Concede raras entrevistas (e, se o faz, só fala por
e-mail). Quando lançou seu primeiro livro, “L’amore molesto”, em 1991,
disse a seu editor: “Já fiz o suficiente por esta história, escrevi-a”.
Apesar disso — ou por esse exato motivo —, o enigma de Elena Ferrante se
espalhou pelo mundo. E agora chega ao Brasil.
Lançando aqui “A amiga genial” (Biblioteca Azul), primeiro livro de
sua tetralogia napolitana, que chega às livrarias no sábado, a autora
concordou em falar ao GLOBO em março. As perguntas foram enviadas para
sua agente internacional, que as encaminhou para o editor italiano, um
dos poucos a conhecer sua identidade. As respostas voltaram seguindo o
mesmo protocolo. Com a condição de que só fossem reveladas perto do
lançamento do livro. Após um longo período de reclusão total, Elena deu
algumas entrevistas à imprensa americana desde o fim de 2014. O que
mudou para ela resolver falar?
—
No que posso, participo da vida pública, mas tenho uma opinião negativa
do protagonismo e de todas as amplificações e distorções da mídia.
Prefiro me expressar com a escrita, um meio de amplo controle — diz a
autora. — Quanto às entrevistas, faria tudo o que me pedem se não
tivesse medo de resultar chata, repetitiva, e sobretudo se pudesse, como
neste caso, escrever eu mesma as respostas. Não confio em minha
oralidade, nas palavras improvisadas e, perdoe-me, em como os
entrevistadores frequentemente abusam delas, quando as colocam por
escrito.
“UMA MENTIRA QUE DIZ VERDADES”
Há muita
incerteza sobre o pouco que se sabe da escritora. Ela teria nascido em
Nápoles, morado na Grécia, estudado os clássicos gregos e latinos (a
“Eneida”, de Virgílio, é uma referência recorrente em “A amiga genial”).
Parece que é mulher mesmo, apesar de boatos antigos de que Elena
Ferrante fosse pseudônimo do autor italiano Domenico Starnone (que nega
de pés juntos). E teria sido mãe. Só uma coisa é certa: ela acredita
que, depois de escrito, um romance não precisa de seu autor.
Suspeita-se que a tetralogia tenha viés autobiográfico. “A amiga
genial” começa com a protagonista, também Elena, recebendo uma ligação
do filho de Lila, sua amiga de toda a vida, dizendo que a mãe
desapareceu, aos 66 anos. No armário de casa, nenhum rastro de seus
objetos. Mesmo nas fotos de família, a mulher havia recortado sua
imagem. Elena, irritadiça, resolve escrever as histórias das duas, que
se espelham: enquanto a protagonista é estudiosa, comportada, Lila é
transgressora, a “má”. Enquanto a narradora relembra o passado, o
mistério do desaparecimento fica em suspenso.
‘Sentia que as pessoas com quem
convivia podiam,
do nada,
sair da bondade à fúria.
Mas não é esse o
ponto.
A violência está não só sob os sentimentos maus,
mas também sob
os bons.
Uma história que prescinde da violência
é insuficiente e cega’
- Elena Ferrante
Escritora
A
história, contada de forma fluida, se passa na periferia de Nápoles,
logo depois da Segunda Guerra. É difícil resumir a quantidade de temas
tratados por Elena Ferrante. Ela fala não só da formação das amigas (que
querem ser escritoras), mas também descreve as relações entre vizinhos
após a derrocada do fascismo. E a violência — em especial contra
mulheres e crianças — tem um papel crucial em sua literatura. A máfia
também domina o comércio local. A tensão da narrativa é mantida pelo
medo, nunca concretizado, de que a violência possa eclodir a qualquer
momento.
— O ambiente no qual cresci era e ainda é violento. Sentia que as
pessoas com quem convivia podiam, do nada, sair da bondade à fúria. Mas
não é esse o ponto. A violência está não só sob os sentimentos maus, mas
também sob os bons. Uma história que prescinde da violência é
insuficiente e cega — afirma a autora.
A italiana é dona de frases cortantes. A crítica literária tem visto
uma “brutal honestidade” em suas narrativas. E, questiona-se, é claro,
se essa honestidade só não é possível devido ao anonimato. Para Elena,
um autor não pode ter pudor nem medo.
— Uma boa narrativa é uma mentira que diz verdades que de outra forma são impronunciáveis — diz.
Quando era jovem, a autora conta ter pensado que, para escrever bem,
era preciso escrever como homem. Afinal, muitas das personagens
femininas mais icônicas da literatura — como Emma Bovary, Anna Kariênina
— foram criadas por homens.
—
Graças ao feminismo, descobri a potência das poucas vozes femininas que
conseguiram um espaço. Comecei já tarde a estudá-las, e algumas ainda
estou estudando. Parecem-me inigualáveis. Gosto de representar mulheres
que escrevem sobre si — afirma Elena, destacando que, apesar da
influência feminista, costuma jogar fora o que escreveu se sentir que
está “traindo” seus personagens ao obedecer a “uma tese”.
Uma das marcas de seu estilo é a narrativa que se alterna entre a
tranquilidade e rupturas. A italiana conta que demorou para encontrar
seu modo de narrar, mas agora não pode fazer diferente.
— Faz parte de mim. Preciso de um tom lento que crie uma espécie de
cobertura. A cobertura, a um certo ponto, vai pelos ares, e é preciso
recolhê-la, comprimir o magma que sai, mas sabendo que ela voltará a
pular — diz.
Elena Ferrante defende sua invisibilidade como uma forma de lutar
contra a “preponderância” do autor em detrimento da obra. Para ela, é
claro que a individualidade é importante. Por outro lado, diz, todo
ficcionista faz parte de uma inteligência coletiva:
— Não se deve esquecer que todos nós, na nossa unidade/singularidade,
somos o ponto de confluência dos outros, os nossos antepassados, os
nossos contemporâneos. Somos inteligência acumulada nos grandes
depósitos da tradição, e a nossa individualidade se alimenta
continuamente, permitindo e discordando, conformando-se e inovando.
SERVIÇO
"A amiga genial"
Autora: Elena Ferrante
Tradutor: Maurício Santana Dias
Editora: Biblioteca Azul
Quanto: R$ 44,90
---------------
REPORTAGEM por Maurício Meireles
Nenhum comentário:
Postar um comentário