Karun Keoshguerian fugiu da Síria e foi acolhida no último vilarejo 100% armênio na Turquia - Norair Chahinian / Divulgação/Norair Chahinian
Neto de armênios, o paulistano Stepan Norair Chahinian reúne em livro fotografias de vestígios e descendentes das vítimas do massacre centenário
Voltar à Turquia, encontrar armênios que vivem lá e utilizar a imagem
como ferramenta para o diálogo. Foi essa a missão recebida pelo
paulista Stepan Norair Chahinian, de 36 anos, do seu
avô paterno Avedis, que saiu ainda criança, em 1919, daquele país — na
época, o Império Otomano — para a Síria para escapar de um massacre. O
início da perseguição dos turcos aos armênios, que resultou na morte de
1,5 milhão de pessoas entre 1915 e 1923, completou cem anos em abril.
Foi pela influência do avô, que mais tarde acabou vindo morar no Brasil,
que Chahinian se apaixonou pela fotografia e agora cumpre a promessa.
Durante quatro anos, percorrendo mais de 15 mil quilômetros, o
fotógrafo documentou com a câmera de seu avô os vestígios dos armênios
na Turquia, registrando tanto ruínas quanto sobreviventes. O resultado é
o livro “O poder do vazio — conversando com as pedras na Armênia
histórica”, que reúne esse trabalho, lançado em Istambul um dia antes do
marco do centenário e, amanhã, aqui também no Brasil. O evento será na
sede do Consulado da Armênia, em São Paulo.
O
objetivo do fotógrafo é levar as várias histórias coletadas aos locais
com grande quantidade de armênios. Na bagagem, ele carrega suas próprias
lembranças:
— Tenho me sentindo um pássaro migratório, levando notícias de um
lado para o outro, fazendo justiça através da arte fotográfica.
O reencontro com o passado começou em 2012. Logo na primeira viagem,
Chahinian decidiu procurar a casa que a família Der Bedrossian, de sua
avó materna Anahid, tinha em Urfa, na atual Turquia. Lá ele encontraria
uma mensagem escrita em armênio na parede e assinada por Bedros, irmão
de seu bisavô: “Escrevi isso em 1922 na casa de Nishan, onde fiquei 25
dias. Agora me vou, adeus amigos. Aquele que ler Bedros que se lembre de
mim”. Dos 35 membros da família, apenas Bedros e o bisavô do fotógrafo,
Haroutiun, sobreviveram.
Na viagem, o fotógrafo conheceu outros armênios com histórias
incríveis, como Karun Keoshguerian. Em 2014, ela estava entre os 25
refugiados que, num caminho inverso, fugiam da guerra da Síria.
“Despejada” na fronteira com a Turquia, como descreve Chahinian, a
mulher de 92 anos foi acolhida em Vakifli, último vilarejo 100% armênio
naquele país.
GERAÇÃO MARCADA PELO SANGUE DOS AVÓS
As marcas
da luta também estão no rosto de Bedrie Bakircyan, da cidade de Kahta.
Quando encontrou Chahinian, em 2012, a senhora de 93 anos guardava a
bíblia que sua mãe usava para lhe ensinar religião em armênio. Órfã
ainda menina por conta do massacre, ela continuava morando no mesmo
local ao lado de filha, neta e bisneta.
— É toda uma descendência de armênios que pude fotografar. Voltando
lá em 2013, ainda soube que a bisneta teve uma filha, então estamos
falando de cinco gerações de mulheres que resistiram — resume Chahinian,
para em seguida concluir: — Os armênios seguem sendo perseguidos.
Mas o fotógrafo não deixa de citar a insegurança que não só observou, como viveu na região. Ele chegou a fugir da polícia:
— Já viajei com medo porque o jornalista armênio Hrant Dink, que eu
tinha como ídolo, foi morto na porta da sede de um jornal em 2007. Mas
no fim você tira partido do medo e vira adrenalina.
O termo “genocídio” ainda é rejeitado pelos turcos para explicar as
mortes ocorridas entre 1915 e 1923. Chahinian acredita que hoje esse é
um problema mais político do que cultural.
— Minha geração foi criada com as histórias de sangue de nossos avós.
Sempre achei que a melhor arma é encarar de peito aberto. Quem cresceu
com o fantasma do genocídio deve visitar a Turquia. É um modo de fazer
nos reconhecerem.
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