Criticar o governo e até sugerir impeachment são formas
democráticas de expor insatisfação e de buscar novos caminhos para o
país. Até quando o país terá de se sacrificar para manter a
petista-chefe Rousseff no poder?
O economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Maurice
Obstfeld, afirma que o mundo — e não apenas países isolados —
encontra-se sob pressão de “três forças poderosas”. Primeiro, registra a
“Folha de S. Paulo”, há “a transformação da economia chinesa, menos
centrada em exportações e investimentos e mais em consumo”. Segundo, “a
queda dos preços das commodities, ligada à desaceleração da China”.
Terceiro, “a iminente ‘normalização’ da política monetária dos Estados
Unidos”. O país do presidente Barack Obama “deve voltar a subir os
juros”. O quadro é ruim para o Brasil e outros produtores de
commodities, que exportarão menos tanto para a China quanto para outros
países — o que produzirá desaceleração da economia interna e contribuirá
para ampliar a recessão.
O Brasil era a sétima maior economia mundial e se aproximava, a
passos céleres, da sexta colocada, a Inglaterra. Dada sua imensa
riqueza, acreditava-se que, brevemente, o país de Machado de Assis
superaria a terra de William Shakespeare. Lego engano. Segundo o FMI o
Brasil vai recuar de sétima para nona economia global — sendo superado
pela Índia e pela Itália. Inicialmente, devido à poderosa expansão da
Índia de Gandhi e de Salman Rushdie, sabia-se que a nação governada pela
presidente Dilma Rousseff cairia para a oitava posição, acima da
Itália, que teoricamente teria uma economia menos sólida. A ascensão do
país de Dante e Carlo Emilio Gadda sugere que a crise europeia não
atinge os países da Zona do Euro na mesma proporção.
O Fundo aponta duas causas básicas para a queda da economia
brasileira: a recessão econômica e a extrema valorização do dólar. Há
problemas internos e externos. Não são apenas internos, como quer a
oposição, e tampouco somente externos, como indicam os petistas. Há uma
crise mundial, com desaceleração econômica em vários países, como a
China, mas há equívocos do governo da presidente Dilma Rousseff.
O Produto Interno Bruto do Brasil deve recuar de 2,3 trilhões, dado
de 2014, para 1,8 trilhão de dólares em 2015. O recuo, gigante, é
preocupante e sugere que a crise econômica é mais grave e poderá ser
ampliada até 2016, ou até mais, ao contrário das previsões otimistas do
ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e, sobretudo, da presidente Dilma
Rousseff. Trata-se do menor PIB desde 2009.
O FMI sugere que o recuo da economia patropi tem a ver com a
recessão. Os repórteres Marcelo Ninio e Álvaro Fagundes, da “Folha de S.
Paulo”, escrevem que “o Fundo prevê que a economia brasileira vai
encolher 3% neste ano, 1,5 ponto percentual mais que na projeção
anterior, de julho”.
A crise brasileira é ruim para toda a América Latina, avalia o FMI,
pois deve provocar um recuo geral da economia da região em 0,3% neste
ano. A crise da Venezuela, outro player latino-americano, ao lado da
Argentina, também deve puxar a economia para baixo. Não há expectativa
de curto prazo, e mesmo de médio prazo, de que as economias brasileira,
venezuelana e argentina vão se recuperar. A crise tende a agudizar-se.
Como crise puxa crise, e uma crise de grandes dimensões abala a
economia por alguns anos, é provável que a recuperação, se houver,
começará a partir de 2018 ou 2020. Pode-se dizer que os governos de
esquerda são responsáveis, em larga medida, pela crise econômica de seus
países. Os governos do Brasil, da Venezuela e da Argentina gastaram
muito e mal, gerando um desequilíbrio fiscal gigante que acaba afetando,
de maneira ampla, a economia privada. Há também a questão de que, mesmo
se ajustar o governo, tornando-o menor — uma missão quase impossível,
mesmo sabendo-se da boa vontade do ministro Joaquim Levy —, o governo
brasileiro não depende tão-somente de si para sair da crise.
Pode-se dizer que há uma crise gerada internamente e há uma crise
gerada externamente. As duas se alimentam e se potencializam. Estão
conectadas e a resolução de um problema não significa que todos os
problemas serão resolvidos. Mais do que a oposição — que busca acentuar
mais a determinação interna, quer dizer, a crise do governo da
presidente Dilma Rousseff (erros de gestão, falta de ajuste fiscal em
tempo hábil, corrupção desenfreada) —, o FMI nota, de maneira enfática,
também há uma determinação externa da crise tropiniquim.
A valorização do dólar é outro motivo decisivo da crise brasileira e contribuiu para levar o país ao novo patamar em termos de PIB. O dólar “subiu mais de 50% em relação ao real neste ano, em meio a tensões externa (expectativa de aumentos dos juros nos EUA) e principalmente internas (dificuldades do governo nas suas relações com o Congresso e dúvidas sobre o cumprimento da meta fiscal)”, registra a “Folha”.
Os cálculos do FMI são feitos com base no dólar e “variações bruscas
na cotação da moeda americana têm impacto na medição do PIB de cada
país. Em termos per capita, em valores correntes, o país caiu de 61º
(11,6 mil dólares) em 2014 pra 70º (8.802 dólares) neste ano”, anota a
“Folha”.
A retração da economia é mundial, afiança o FMI. A economia deve
crescer no máximo 3,1%. O Fundo previa 3,3%. Em 2014, cresceu 3,4%.
Portanto, embora possa reduzir o impacto da crise no Brasil, com medidas
enérgicas de enxugamento dos gastos públicos, sobretudo daquilo que é
desnecessário, o governo não terá como controlar a crise externa.
Entretanto, se fizer sua parte, e não apenas com aumentos de impostos, e
sim com cortes na própria carne, o governo de Dilma Rousseff
contribuirá para reduzir a crise interna, criando um ambiente de
esperança para que os empresários, no momento descrentes, possam voltar a
investir.
Mau momento
O problema é que o governo da presidente Dilma Rousseff vive um mau
momento. Por mais que tenha negociado com o Congresso, atendendo à
orientação do ex-presidente Lula da Silva — que sugeriu a entrega dos
anéis para que se não perca os dedos —, a petista-chefe tem grande
dificuldade para governar. O Brasil passa a imagem de ser um dos
primeiros países importantes a ter um governo anarquista, com ausência
massiva do Estado, exceto como máquina arrecadadora.
No momento, embora o regime seja presidencial, assiste-se a uma certa
esquizofrenia. Há uma presidente, eleita para governar, mas, sob
pressão do PMDB, está inteiramente submetida ao Congresso, que só aprova
o que quer e contribui para travar o governo e, ao mesmo tempo, o país.
Assiste-se a uma espécie rara de parlamentarismo. Há uma presidente,
que se comporta como rainha da Inglaterra, aparentemente sem
credibilidade e autoridade, e há o Parlamento, que, embora esteja
mandando, não dirige o país do ponto de vista institucional. Daí resulta
que aparentemente o Brasil não tem governo. Há um vácuo de poder, com
todos mandando, mas ninguém de fato governando.
O PMDB aproximou-se do PSDB com o objetivo de articular o impeachment
da presidente Dilma Rousseff. Entretanto, com a operação feita por Lula
da Silva, Dilma Rousseff “entregou” o governo para o PMDB — mantendo a
caneta com a metade da tinta, a outra metade está sob controle de Renan
Calheiros e Michel Temer —, com o único objetivo de salvar sua gestão,
quer dizer, de evitar o impedimento. Embora o ideólogo-mor do tucanato, o
ex-presidente Fernando Henrique, tivesse advertido para não se abrir
negociações rapidamente, próceres do PSDB, como José Serra, agora
sentem-se mais ou menos “traídos” pelos articuladores peemedebistas,
que, para ampliar o poder no governo, podem salvar a presidente do
impeachment (há quem acredite que José Serra possa ser o nome
presidencial do PMDB em 2018).
Porém, se Joaquim Levy não conseguir “segurar” a crise interna,
ampliando as expectativas dos empresários e dos trabalhadores, nem o
PMDB, com todo o seu fisiologismo, terá condições de manter Dilma
Rousseff na Presidência da República. É que provável que, se o
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, não estivesse com a
cabeça a prêmio — suas obesas contas bancárias na Suíça provavelmente o
esmagarão —, a situação da petista-chefe fosse até pior.
A crise política é grave, e há uma desmoralização geral do governo de
Dilma Rousseff — ainda que a presidente, pessoalmente, seja inatacável.
É possível contorná-la? É. Mas também é muito difícil, sobretudo porque
a economia vai muito mal. Se a economia estivesse bem, a presidente
teria apoio popular para bancá-la. A sociedade brasileira, segundo
pesquisas, sugere que quer ver a petista longe da Presidência. Daí os
índices negativos, com popularidade que não passa de 10%.
Dilma Rousseff insiste que há um golpismo em marcha. Na verdade, há
uma insatisfação generalizada com seu governo — e não há golpismo algum
em marcha. Os que falam em golpismo, como a direita ortodoxa e a
esquerda petista, são os que, na verdade, estão atentando contra a
democracia. Criticar o governo de Dilma Rousseff e até sugerir o seu
impeachment são formas democráticas de expor insatisfação e de buscar
novos caminhos para o país. Até quando o país terá de se sacrificar para
manter Dilma Rousseff no poder? Mas a crise não será resolvida apenas
com a retirada da petista do poder.
Se continuar o desgoverno, se nada for feito, pode-se esperar outra
má notícia dada pelo FMI: o Brasil corre o risco de se tornar a 10ª
economia do mundo.
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