domingo, 11 de outubro de 2015

Crise não será resolvida apenas com a saída de Dilma Rousseff da Presidência

Criticar o governo e até sugerir impeachment são formas democráticas de expor insatisfação e de buscar novos caminhos para o país. Até quando o país terá de se sacrificar para manter a petista-chefe Rousseff no poder?

O economista-chefe do Fundo Monetário In­ter­nacional, Maurice Obs­tfeld, afirma que o mun­do — e não apenas países isolados — encontra-se sob pressão de “três forças poderosas”. Primeiro, registra a “Folha de S. Paulo”, há “a transformação da economia chinesa, menos centrada em exportações e investimentos e mais em consumo”. Se­gundo, “a queda dos preços das commodities, ligada à desaceleração da China”. Terceiro, “a iminente ‘normalização’ da política monetária dos Estados Unidos”. O país do presidente Barack Obama “deve voltar a subir os juros”. O quadro é ruim para o Brasil e outros produtores de commodities, que exportarão menos tanto para a China quanto para outros países — o que produzirá desaceleração da economia interna e contribuirá para ampliar a recessão.

O Brasil era a sétima maior economia mundial e se aproximava, a passos céleres, da sexta colocada, a Inglaterra. Dada sua imensa riqueza, acreditava-se que, brevemente, o país de Machado de Assis superaria a terra de William Shakespeare. Lego engano. Segundo o FMI o Brasil vai recuar de sétima para nona economia global — sendo superado pela Índia e pela Itália. Inicialmente, devido à poderosa expansão da Índia de Gandhi e de Salman Rushdie, sabia-se que a nação governada pela presidente Dilma Rousseff cairia para a oitava posição, acima da Itália, que teoricamente teria uma economia menos sólida. A ascensão do país de Dante e Carlo Emilio Gadda sugere que a crise europeia não atinge os países da Zona do Euro na mesma proporção.

O Fundo aponta duas causas básicas para a queda da economia brasileira: a recessão econômica e a extrema valorização do dólar. Há problemas internos e externos. Não são apenas internos, como quer a oposição, e tampouco somente externos, como indicam os petistas. Há uma crise mundial, com desaceleração econômica em vários países, co­mo a China, mas há equívocos do go­verno da presidente Dilma Rousseff.

O Produto Interno Bruto do Bra­sil deve recuar de 2,3 trilhões, dado de 2014, para 1,8 trilhão de dólares em 2015. O recuo, gigante, é preocupante e sugere que a crise econômica é mais grave e poderá ser ampliada até 2016, ou até mais, ao contrário das previsões otimistas do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e, sobretudo, da presidente Dilma Rousseff. Trata-se do menor PIB desde 2009.
 
O FMI sugere que o recuo da economia patropi tem a ver com a recessão. Os repórteres Marcelo Ninio e Álvaro Fagundes, da “Folha de S. Paulo”, escrevem que “o Fundo prevê que a economia brasileira vai encolher 3% neste ano, 1,5 ponto percentual mais que na projeção anterior, de julho”.
A crise brasileira é ruim para toda a América Latina, avalia o FMI, pois deve provocar um recuo geral da economia da região em 0,3% neste ano. A crise da Vene­zuela, outro player latino-americano, ao lado da Argentina, também deve puxar a economia para baixo. Não há expectativa de curto prazo, e mesmo de médio prazo, de que as economias brasileira, venezuelana e argentina vão se recuperar. A crise tende a agudizar-se.

Como crise puxa crise, e uma crise de grandes dimensões abala a economia por alguns anos, é provável que a recuperação, se houver, começará a partir de 2018 ou 2020. Pode-se dizer que os governos de esquerda são responsáveis, em larga medida, pela crise econômica de seus países. Os governos do Brasil, da Venezuela e da Argentina gastaram muito e mal, gerando um desequilíbrio fiscal gigante que acaba afetando, de maneira ampla, a economia privada. Há também a questão de que, mesmo se ajustar o governo, tornando-o menor — uma missão quase impossível, mesmo sabendo-se da boa vontade do ministro Joaquim Levy —, o governo brasileiro não depende tão-somente de si para sair da crise.

Pode-se dizer que há uma crise gerada internamente e há uma crise gerada externamente. As duas se alimentam e se potencializam. Estão conectadas e a resolução de um problema não significa que todos os problemas serão resolvidos. Mais do que a oposição — que busca acentuar mais a determinação interna, quer dizer, a crise do governo da presidente Dilma Rousseff (erros de gestão, falta de ajuste fiscal em tempo hábil, corrupção desenfreada) —, o FMI nota, de maneira enfática, também há uma determinação externa da crise tropiniquim.

A valorização do dólar é outro motivo decisivo da crise brasileira e contribuiu para levar o país ao novo patamar em termos de PIB. O dólar “subiu mais de 50% em relação ao real neste ano, em meio a tensões externa (expectativa de aumentos dos juros nos EUA) e principalmente internas (dificuldades do go­verno nas suas relações com o Congresso e dúvidas so­bre o cumprimento da meta fiscal)”, registra a “Folha”.

Os cálculos do FMI são feitos com base no dólar e “variações bruscas na cotação da moeda americana têm impacto na medição do PIB de cada país. Em termos per capita, em valores correntes, o país caiu de 61º (11,6 mil dó­lares) em 2014 pra 70º (8.802 dólares) neste ano”, anota a “Folha”.

A retração da economia é mundial, afiança o FMI. A economia de­ve crescer no máximo 3,1%. O Fundo previa 3,3%. Em 2014, cresceu 3,4%. Portanto, embora possa reduzir o impacto da crise no Brasil, com medidas enérgicas de enxugamento dos gastos públicos, sobretudo daquilo que é desnecessário, o governo não terá como con­trolar a crise externa. Entre­tanto, se fizer sua parte, e não apenas com aumentos de impostos, e sim com cortes na própria carne, o governo de Dilma Rousseff contribuirá para reduzir a crise interna, criando um ambiente de esperança para que os empresários, no momento descrentes, possam voltar a investir.

Mau momento

O problema é que o governo da presidente Dilma Rousseff vive um mau momento. Por mais que tenha negociado com o Congresso, atendendo à orientação do ex-presidente Lula da Silva — que sugeriu a entrega dos anéis para que se não perca os dedos —, a petista-chefe tem grande dificuldade para governar. O Brasil passa a imagem de ser um dos primeiros países importantes a ter um governo anarquista, com ausência massiva do Estado, exceto como máquina arrecadadora.

No momento, embora o regime seja presidencial, assiste-se a uma certa esquizofrenia. Há uma presidente, eleita para governar, mas, sob pressão do PMDB, está inteiramente submetida ao Congresso, que só aprova o que quer e contribui para travar o governo e, ao mesmo tempo, o país. Assiste-se a uma espécie rara de parlamentarismo. Há uma presidente, que se comporta como rainha da Inglaterra, aparentemente sem credibilidade e autoridade, e há o Parlamento, que, embora esteja mandando, não dirige o país do ponto de vista institucional. Daí resulta que aparentemente o Brasil não tem governo. Há um vácuo de poder, com todos mandando, mas ninguém de fato governando.

O PMDB aproximou-se do PSDB com o objetivo de articular o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Entretanto, com a operação feita por Lula da Silva, Dilma Rousseff “entregou” o governo para o PMDB — mantendo a caneta com a metade da tinta, a outra metade está sob controle de Renan Calheiros e Michel Temer —, com o único objetivo de salvar sua gestão, quer dizer, de evitar o impedimento. Embora o ideólogo-mor do tucanato, o ex-presidente Fernando Henrique, tivesse advertido para não se abrir negociações rapidamente, próceres do PSDB, como José Serra, agora sentem-se mais ou menos “traídos” pelos articuladores peemedebistas, que, para ampliar o poder no governo, podem salvar a presidente do impeachment (há quem acredite que José Serra possa ser o nome presidencial do PMDB em 2018).

Porém, se Joaquim Levy não conseguir “segurar” a crise interna, ampliando as expectativas dos empresários e dos trabalhadores, nem o PMDB, com todo o seu fisiologismo, terá condições de manter Dilma Rousseff na Presidência da Repú­blica. É que provável que, se o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, não estivesse com a cabeça a prêmio — suas obesas contas bancárias na Suíça provavelmente o esmagarão —, a situação da petista-chefe fosse até pior.

A crise política é grave, e há uma desmoralização geral do governo de Dilma Rousseff — ainda que a presidente, pessoalmente, seja inatacável. É possível contorná-la? É. Mas também é muito difícil, sobretudo porque a economia vai muito mal. Se a economia estivesse bem, a presidente teria apoio popular para bancá-la. A sociedade brasileira, segundo pesquisas, sugere que quer ver a petista longe da Presidência. Daí os índices negativos, com popularidade que não passa de 10%.

Dilma Rousseff insiste que há um golpismo em marcha. Na verdade, há uma insatisfação generalizada com seu governo — e não há golpismo algum em marcha. Os que falam em golpismo, como a direita ortodoxa e a esquerda petista, são os que, na verdade, estão atentando contra a democracia. Criticar o governo de Dilma Rousseff e até sugerir o seu impeachment são formas democráticas de expor insatisfação e de buscar novos caminhos para o país. Até quando o país terá de se sacrificar para manter Dilma Rousseff no poder? Mas a crise não será resolvida apenas com a retirada da petista do poder.

Se continuar o desgoverno, se nada for feito, pode-se esperar outra má notícia dada pelo FMI: o Brasil corre o risco de se tornar a 10ª economia do mundo.
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