Marco
Marzano
O celibato obrigatório constitui para muitos jovens
homossexuais que não querem,
mesmo que
inconscientemente, aceitar a própria orientação sexual
um esplêndido lugar onde a questão da
sexualidade é removida,
apagada, não vivida.
A opinião é do sociólogo italiano Marco Marzano, professor da Universidade de
Bérgamo, em artigo publicado no jornal Il Fatto Quotidiano,
06-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Os casos da vida. Cerca de 10 dias atrás, eu inaugurei o meu
blog no sítio do jornal Il Fatto Quotidiano com um texto sobre o
celibato obrigatório dos sacerdotes, extraído de um artigo dominical da minha
investigação sobre a Igreja. Naquele artigo, eu argumentava, dentre outras
coisas, que o celibato é uma regra cruel muitas vezes não respeitada pelos
sacerdotes e que, entre estes, são muitos os homossexuais.
Essas afirmações, embora compartilhadas por muitos leitores,
desencadearam em outros um movimento de raiva. Alguns ironizaram sobre as
minhas competências acadêmicas, outros imaginaram uma grave desordem sexual
minha, outros me desejaram uma punição divina, outros chegaram até a beira da
ameaça física.
Não ouso imaginar a reação desses mesmos leitores diante da
"saída do armário" do teólogo polonês Mons. Krzysztof Charamsa. Vestido de padre, com
direito a colarinho, ele revelou que "são muitos os sacerdotes
homossexuais que não têm a força para sair do armário". Exatamente aquilo
que eu tinha escrito apenas alguns dias antes.
Imagino que o Pe. Krzysztof, promissor teólogo de 40
anos, até então em serviço junto à Congregação para a Doutrina da Fé e
professor em algumas universidades católicas romanas, frequentou os ambientes
clericais poloneses e italianos por muito mais tempo e com muito mais
profundidade do que muitos dos nossos leitores aos quais o meu artigo provocou
uma dor de estômago. Acredito que se deve confiar mais nele do que em muitos
deles.
Além disso, a existência do fenômeno está diante dos olhos
de todos aqueles que têm um pouco de familiaridade com os ambientes eclesiais,
que frequentaram, como eu fiz nestes anos, centenas de paróquias e muitos
sacerdotes.
Muitos destes últimos, de orientação heterossexual, em todos
os cantos da península italiana, me revelaram às vezes com tons vagamente
homofóbicos a sua profunda preocupação com o crescimento exponencial do número
de gays nas fileiras do clero. Foram-me contados muitos episódios e algumas
vezes até me foram apresentados ex-namorados "leigos" de alguns
padres. Para que eu não tivesse dúvidas.
Os mesmos padres hetero identificam muitas vezes no aumento
da tolerância dos bispos – que não se resignam a perder potenciais funcionários
e que, portanto, impediriam a expulsão dos homossexuais dos seminários – uma
das principais razões do fenômeno. Mas certamente não é a única: o celibato
obrigatório constitui para muitos jovens homossexuais que não querem, mesmo que
inconscientemente, aceitar a própria orientação sexual um esplêndido lugar onde
a questão da sexualidade é removida, apagada, não vivida.
Ao menos por algum tempo. Até quando explode, muitas vezes
sob a forma de uma paixão: por um próprio colega de estudos ou por alguém de
fora. Criando – por ser vivida como pecaminosa, errada, assustadora – uma maré
de danos psicológicos no jovem padre ou seminarista e no ambiente que o
circunda. Um ambiente, ao menos nos anos de seminário, rigorosamente masculino.
Onde as principais mulheres são as mães, as irmãs e as imagens idealizadas e
angelicais das santas e da Nossa Senhora.
Além disso, em virtude de algum interessante enredo
psicossocial, esse ambiente produz também aquela "paranoica
homofobia" denunciada nessa segunda-feira pelo padre polonês. Vítima e
agressor se hospedam nos mesmos quartos: muitos padres homossexuais cultivam
uma "paranoica homofobia".
Mas quem sofre as suas flechas é a homossexualidade serena,
consciente, alegre, aquela daqueles que vivem as relações afetivas à luz do
sol, aqueles que, no máximo, gostariam de se casar, ter uma família e assumir
as próprias responsabilidades em relação a um companheiro amado e respeitado.
São esses o objeto da homofobia do ex-Santo Ofício
que o Pe. Charamsa denunciou. Que mundo estranho. Não é hora de mudá-lo?
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Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/547709-o-lado-mais-obscuro-do-celibato-artigo-de-marco-marzano
Imagem da internet
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