Jurgen Habermas: França e Alemanha precisam liderar uma política europeia
Filósofo alemão aborda questão dos refugiados, diferenças culturais e
religiosas, e fala sobre o papel das intervenções militares e seu
controverso apoio à missão da
Otan no Kosovo em 1999
Por Stefan Reccius
O filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas foi agraciado na
terça-feira 1º, junto ao canadense Charles Taylor, com o Prêmio John W.
Kluge, dotado de 1,5 milhão de dólares e considerado o "Nobel das
Ciências Humanas".
Na Biblioteca do Congresso em Washington, nos Estados Unidos, Habermas falou em entrevista à Deutsche Welle sobre questões que afetam a sociedade moderna, como a crise migratória, conflitos culturais e religiosos.
Segundo Habermas, os conflitos vivenciados atualmente, principalmente
no mundo árabe, não seriam conflitos religiosos, mas "conflitos
políticos definidos pela religião".
Deutsche Welle: O mundo moderno está exposto
constantemente a turbulências e, portanto, enfrenta sempre novos
desafios. Considerem-se, por exemplo, as atuais migrações de pessoas do
Oriente Médio, de parte da África ou do oeste dos Bálcãs para a Europa
Ocidental. Na visão da filosofia, como se pode ou se deve reagir a isso?
Jürgen Habermas: O direito de asilo é um direito
humano, e qualquer pessoa que pedir asilo deve ser tratada de forma
justa e, se for o caso, deve ser acolhida com todas as consequências.
Essa é a resposta fundamental, mas não é particularmente interessante em
tal situação.
DW: Na crise migratória, a União Europeia se encontra dividida como há muito tempo não estava. Paira uma ameaça de erosão dos valores e convicções, que o senhor também vê na UE?
JH: O que está acontecendo é a separação do Reino
Unido, como também de alguns países do Leste Europeu, do cerne da união
monetária. Esse conflito não surpreende. Tem a ver com o momento da
adesão ao bloco. Os numerosos candidatos do Leste não tiveram tempo
suficiente, sem falar das grandes diferenças econômicas que ainda
perduram, de passar por um processo de adaptação político-mental, para o
qual nós [na Alemanha] tivemos 40 anos – de 1949 a 1989. Tivemos tempo
suficiente para isso.
A Alemanha e a França, que há muito deveriam ter empreendido uma
política europeia bem mais ativa, devem agora tomar a iniciativa e
desenvolver uma política europeia, sob a qual também devamos esperar uma
cooperação na questão dos refugiados. A crise foi ignorada por muito
tempo. Sobre isso, também devo dizer uma coisa: Eu nunca estive tão
satisfeito com o governo alemão como desde o fim de setembro.
A frase de Merkel – "Se agora tivermos de nos desculpar por
mostrarmos um rosto amigo para aqueles que precisam de nossa ajuda, este
não é mais o meu país" – tanto me surpreendeu quanto merece o meu
respeito.
DW: Quando centenas de milhares de pessoas,
muitas delas com diferentes religiões e visões de mundo, vêm para um
país, o próximo passo é a integração. Existe uma chave filosófica para
uma integração bem-sucedida?
JH: Existe uma base comum sobre a qual a integração
deve acontecer, e está é a Constituição. Trata-se de princípios que não
estão escritos na pedra, mas que devem ser discutidos num amplo processo
democrático. Eu acho que esse debate vai acontecer mais uma vez entre
nós. Devemos esperar de cada pessoa que acolhemos que ela respeite
nossas leis e aprenda a nossa língua. Ao menos na segunda geração,
também devemos esperar que aconteça uma interiorização normativa de
nossa cultura política.
DW: Em 1999, o senhor defendeu a
controversa missão da Otan na Guerra do Kosovo. O senhor também agiria
da mesma forma frente a uma intervenção militar da Otan, do Ocidente
contra o regime de Bashar al-Assad na Síria ou contra o "Estado Islâmico"?
JH: Essa é uma pergunta difícil. Eu não a posso
responder nem com "sim" nem com "não". A guerra no Iraque, que critiquei
desde o primeiro dia, o conflito no Afeganistão, no Mali e na Líbia nos
mostraram que as potências intervencionistas não estão dispostas a
apoiar as obrigações posteriores, ou seja, a construção durante décadas
de estruturas governamentais nesses países.
Por conseguinte, nós vimos que estas intervenções pioraram, na
maioria dos casos, as condições dos países afetados, em vez de
melhorá-las. Em 1999, eu apoiei a missão com muitas reservas, isso foi
esquecido ao longo do tempo. Se, em retrospecto, eu teria feio
diferente, isso exigiria mais tempo de reflexão.
DW: Após os atentados de 11 de setembro de 2001,
o jornalista Peter Scholl-Latour prenunciou que os grandes conflitos do
futuro seriam de natureza religiosa. A história parece lhe dar razão,
só basta observar as correntes extremistas do islã. Como devemos nos
posicionar em relação ao islamismo?
JH: Basicamente, não se trata de conflitos
religiosos, mas de conflitos políticos definidos pela religião. O
fundamentalismo religioso é a reação aos fenômenos do desenraizamento,
que foram induzidos somente a partir da modernidade por meio do
colonialismo e de políticas pós-coloniais. Por conseguinte, é um pouco
ingênuo dizer que se trata de conflitos religiosos.
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Fonte: http://www.cartacapital.com.br/internacional/direito-de-asilo-e-direito-humano-diz-habermas-4676.html 04/01/2015
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