Presidente emérito do Pontifício conselho para a promoção da unidade dos cristãos, o cardeal Walter Kasper
foi o primeiro, durante o Consistório extraordinário de fevereiro de
2014, a abrir à comunhão para os divorciados redesposados. Por ocasião
da apresentação do seu último livro “Testemunho da misericórdia” (Garzanti), escrito com Raffaele Luise, retorna ao argumento a poucos dias da abertura do Sínodo sobre a família.
A entrevista é de Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 01-10-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis a entrevista.
Eminência, algumas personalidades da Igreja contestaram as suas aberturas. Como responde?
Não quero agora entrar nestas controvérsias. Estamos no Sínodo para
discutir e confrontar-nos. Os problemas da família existem e são tantos.
Pessoalmente considero que tomar uma palavra do Evangelho para defender
uma tese pessoal é uma espécie de fundamentalismo, um novo
fundamentalismo que se faz com uma palavra. Que não se pode dissolver o
matrimônio é coisa clara e confirmada, no entanto há passagens bíblicas
que mencionam certa “exceção” à palavra do Senhor sobre a
indissolubilidade do matrimônio, como é o caso da ‘pornéia’ (o capítulo 19 de Mateus) e o caso de separação por motivo da fé (a primeira carta ao Coríntios, capítulo sete).
Tais textos indicam que os cristãos em situações difíceis conheceram,
já no tempo apostólico, uma aplicação flexível da palavra de Jesus”. Há
quem sustenta que conceder a eucaristia a divorciados redesposados é
“trair o Evangelho”. “Cada um quer conservar o Evangelho, esta é a base
comum de todos, mas aqui se trata de como aplicar o mesmo Evangelho às
situações concretas. Nenhum de nós diz que existe uma solução
generalizada, se devem olhar as situações complexas e particulares. Isto
é também o que dizia João Paulo II, ou seja, que é preciso discernir as situações caso a caso.
Entre outros aspectos, a Eucaristia não é para os perfeitos. Quando
celebramos a missa, oramos “para a remissão dos pecados”. A Eucaristia é
para os pecadores. O próprio Jesus condenava o pecado, mas justificava
os pecadores. A finalidade da misericórdia é a salvação das almas, é
preciso não o esquecer jamais. A misericórdia chega até a a amar o
próprio inimigo. Jesus morreu na cruz pela misericórdia”.
Corresponde à verdade a visão de um Sínodo dividido entre progressistas e conservadores?
A misericórdia é o primeiro atributo de Deus e por isso Francisco é
sem mais um conservador, mas esta contraposição entre opositores do Papa
e progressistas da outra parte não tem nenhum sentido. O Sínodo segue a
eterna novidade do Evangelho que é a misericórdia. Há hoje um vazio de
misericórdia e de ternura. É este vazio que o Papa quer preencher”.
Chegar ao Sínodo com teses pré-constituídas não pode fechar de súbito toda discussão?
O Sínodo é convocado para discutir e confrontar-se sobre os desafios
da família. As disputas são necessárias porque sem elas não se cria
nada. Há tantos problemas sobre os quais falar. É preciso adaptar a
doutrina às situações particulares. Encarnar a doutrina é o Evangelho.
No seu livro você explica que a genialidade de Francisco
foi aquela de ter entendido a imensa necessidade de misericórdia do
homem. A misericórdia é a nova face da Igreja “hospital de campo” no
trágico panorama da modernidade. Francisco mudou radicalmente a imagem do Papa, levando-a para o meio do povo e assim o povo se congrega em torno dele”.
O Papa quer corrigir a visão vetero-testamentária de Deus ,
para a qual Deus é ciumento, mau e perigoso, como sustentava Nietzsche?
Francisco não cessa de recordar que Deus é amor, que
Ele concede sempre uma nova possibilidade, que Ele quer fortemente a
liberdade e a felicidade do homem. O sonho de Francisco é uma Igreja que abraça a terra sem capturá-la, e uma fé autêntica que inclua sempre o profundo desejo de modificar o mundo.
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Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/547626-mas-as-excecoes-sao-previstas-tambem-nas-passagens-do-evangelho
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