Professor do Instituto de Ciências Políticas de Paris, francês veio ao Rio lançar curso de estudos globais e falar na Uerj sobre desigualdade e crise de liderança
“Tenho
50 anos, nasci em Paris e venho ao Brasil há pelo menos 20 anos. Já estive em
várias cidades, e me encantei com a beleza da Foz do Iguaçu. É incrível! Agora,
estou no Rio para falar sobre a humilhação como parâmetro das relações
internacionais e o impacto das desigualdades nos conflitos da atualidade"
Conte
algo que não sei
O mundo hoje é feito
de sofrimento antes de ser feito de poder. A cada três horas, 2.800 pessoas
morrem de fome: igual a um ataque ao WTC. Antes, o poder governava o mundo.
Hoje, é o sofrimento. Quem sofre está consciente, e raivoso. Esta raiva provoca
os conflitos que, antes, eram confrontos de poderes constituídos.
A
crise de imigração é um desses conflitos?
No
mundo feito de desigualdades, as pessoas carentes buscam um lugar onde não há
tanta carência. Nenhuma medida é capaz de superar a luta da natureza humana por
um lugar melhor, idealizado no imaginário do imigrante.
Quem
são os senhores da guerra, hoje em dia?
São
“empresários da violência”, que exploram a pobreza. O exemplo mais claro disso
são as crianças feitas soldados.
Como
os conflitos atuais deveriam ser tratados?
No
curto prazo, é preciso conter, e não estimular, a violência. Em médio e longo
prazos, por meio da integração social global. A maior parte dos líderes não
enxerga isso. O presidente Barack Obama foi o primeiro grande líder que
percebeu que, em vez da ação militar, era preciso uma integração social.
O
estado islâmico procura, de fato, um califado ou só exercer poder na região?
Acho
que a lógica é banal. Maximizar a influência sobre a população usando o
sentimento de frustração, de humilhação. Como foi o caso da população sunita do
Iraque, depois da queda de Saddam.
A
ONU está preparada para esse novo tipo de guerra?
As
Nações Unidas são importantes para uma diplomacia multilateral. Mas o poder de
adaptação da ONU é limitado pelos vetos no Conselho de Segurança. Os dirigentes
querem olhar o mundo de hoje com os olhos de ontem, de seu tempo.
O
enfraquecimento de nações como Brasil e China reduz a pressão para atualizar
instrumentos de mediação?
O
pecado original não vem dos emergentes, mas das potenciais que têm a pretensão
de governar o mundo. Os demais países caem no caldeirão da passividade. Só que
a grande potência ficou impotente: Depois da 2ª Guerra, a última vitória
americana foi numa disputa contra Granada em 1983.
Há
bons líderes hoje?
Não.
A classe política não muda. As coisas mudam com líderes não-políticos, como o
Papa Francisco, que privilegia o social. Ele mobiliza uma parte da sociedade
que os políticos já não alcançam. Mas não podemos pôr toda esperança no chefe
de uma religião. É incrível como os líderes só descobriram o problema
migratório depois da divulgação da foto de uma criança!
Ou
fingiam não saber?
Havia
uma certa tática de não ver o problema, mas também o problema estava
subdimensionado. Os líderes políticos já não sabem reconhecer os problemas de
grande porte.
Como
avalia o atual momento político do Brasil?
O
Brasil foi pego pela doença mundial: o deslocamento que os políticos têm da
sociedade, os erros repetidos. Alguns, como Mandela, ficaram imunes.
Como
vê o ex-presidente Lula neste contexto?
Foi
um grande homem. Talvez estivesse com um tamanho excessivo, de grande líder
internacional. Agora, ele está exposto a esta doença também.
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Reportagem por Roberto Maltchik
Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/conte-algo-que-nao-sei/bertrand-badie-grande-potencia-ficou-impotente-17676488 03/10/2015
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