Izaías Almada*
Detalhe da pintura Retrato do Dr. Gachet (1890), óleo sobre tela, de Vincent van Gogh.
Diante dos
incontáveis e cada vez mais complexos problemas do mundo contemporâneo,
um deles – em especial – chama a atenção pela maneira como vem sendo
tratado, ou melhor, pela maneira como não vem sendo tratado: o que fazer
com os idosos, aqueles que já não produzem e que passam a depender das
suas reformas e aposentadorias? Segundo dados da Organização Mundial da
Saúde, o número de pessoas com mais de 60/65 anos de idade tem crescido
muito nas últimas três décadas, com a curiosa e não menos preocupante
expectativa de que em 2025 o Brasil ocupe o sexto lugar no mundo em
número de idosos.
Todos os países, sem exceção, enfrentam o problema.
O que
significa envelhecer num mundo em que cada vez mais se valoriza o
consumo, o sucesso, o dinheiro e a sobrevivência a qualquer preço? Em um
mundo onde a guerra cibernética já não é uma fantasia de ficção
científica?
Envelhecer, e
perdoem-me o simplismo, é o mesmo que assistir a um filme por várias e
repetidas vezes. Sempre vem aquela sensação do “isto aí eu já vi”.
Situações que se repetem, mesmo com desfechos diferentes. E ainda bem,
não amigo leitor? Porque se o “dejà vu” tivesse sempre o mesmo final, a
vida, por melhor que fosse, seria de uma chatice insuportável.
A propósito,
a pensadora e escritora francesa Simone de Beauvoir se dedicou ao
assunto. Escreveu um ensaio específico sobre o tema com o título “A
Velhice”, onde reflete – através da História – sua preocupação com o
último estágio da nossa passagem pelo planetinha Terra. Muito embora
aborde a matéria sob os mais variados ângulos de muitos dos pensamentos e
das atividades humanas, sua conclusão é simples e enriquecedoramente
óbvia: viver é envelhecer.
Existem os
que não se importam com a velhice, os que fingem em não se importar com
ela, os que se preocupam em excesso com o envelhecimento e ainda os que
envelhecem sem saber, e que não são poucos. Existem até os que
envelhecem naturalmente. Para cada um dos casos serão inúmeros os
exemplos com histórias tristes ou bem humoradas, divertidas ou trágicas,
exemplares ou patéticas.
Oscar
Niemeyer, por exemplo, que morreu após os cem anos de idade, teve um
grande amor pela vida e pelos seus semelhantes, mas há o mundo das
senhoras e dos senhores praticantes do botox e das cirurgias plásticas.
São dois extremos de preocupações, ou não, com o envelhecimento. Há
também o velho obsceno, como bem definiu a professora Marilena Chauí há
poucos dias a respeito de um colega seu na Universidade de São Paulo. E
ela não estava falando de sexo.
Uma coisa é
certa: envelhecer é saber se preparar para ser posto à margem da vida
social, do trabalho, dos divertimentos, do carinho familiar, do convívio
com os mais jovens. Mesmo que muito se faça para tal não acontecer.
Para isso a humanidade ainda não encontrou antídotos.
Asilos,
casas de repouso, sanatórios, hospitais, manicômios abrigam milhares e
milhares de idosos pelo mundo afora. Seres humanos que tiveram a sua
utilidade e que num determinado momento a sociedade pede para conferir a
sua data de validade. O prazo de vencimento se torna um estigma.
O Brasil é
um país jovem, pouco mais de quinhentos anos, ao lado de muitos que já
ultrapassaram a marca dos três a cinco mil anos. Em relação a esses,
sequer podemos dizer que já entramos na adolescência da história da
humanidade. E, como os adolescentes, estamos cheios de problemas,
procurando nos firmarmos como nação, livre, soberana e desenvolvida
economicamente.
Nessa
caminhada é preciso pensar seriamente em políticas de amparo e cuidado
com muitos daqueles que, de uma forma ou de outra, já não possuem força
física e também anímica para enfrentar os problemas do dia a dia. O ano
de 2025 já está batendo à porta.
Vamos cuidar
desse e de outros grandes problemas do país em relação à qualidade de
vida e do bem estar social? Do nosso futuro como país de ponta? Com
economia mais estável e instituições realmente democráticas? Ou vamos
ficar com essas falsas demonstrações de combate à corrupção, com essa
justiça de classe calhorda, de um lado só, apoiada pela ação de
policiais e juízes que se consideram acima do bem e do mal, muitos deles
tão ou mais corruptos do que os que são presos, julgados e condenados?
Dessa cultura acovardada e hipócrita onde eu, minha família e meus
amigos somos pessoas do bem e tudo à nossa volta é uma bandalheira só,
um verdadeiro mar de lama?
Envelhecer é
também viver. Viver para descobrir que um evangélico é capaz de usar a
sua fé e a sua igreja para enviar dinheiro para paraísos fiscais e negar
tudo isso para seus colegas de parlamento e para o país. Não que isso
seja lá grande novidade. É só investigar o que fazem essas Igrejas e Cia
Ltda. no Brasil e mundo afora. A novidade é o cinismo e a desfaçatez
com que se faz e, sobretudo, o deboche em tentar fingir que tudo não
passa de um mal entendido.
Eduardo
Cunha deveria colocar no seu Porsche aquele adesivo de que falei no meu
artigo anterior: PRESENTE DE DEUS. E o brasileiro um adesivo na lapela:
SOU FELIZ PORQUE SOU IDIOTA.
Ou sou só eu que estou envelhecendo?
***
Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.
Fonte: http://blogdaboitempo.com.br/2015/10/22/envelhecer/
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