O novo livro de Verissimo estará à venda a partir desta quarta-feira Foto: Revista Rolling Stone Brasil / Divulgação
Em entrevista, o autor falou sobre seu novo livro e também abordou temas como a falta de memória sobre a ditadura
Com mais de 40 anos de trajetória como colunista, Luis Fernando Verissimo vê mais um livro com suas crônicas chegar às livrarias. O escritor recebeu ZH em sua casa para falar sobre As Mentiras que as Mulheres Contam, que estará à venda a partir desta quarta-feira. O volume segue o espírito do seu sucesso As Mentiras que os Homens Contam,
com crônicas publicadas na imprensa e um texto inédito que retratam
diferentes tipos do universo feminino. Apesar de sua propalada timidez,
Verissimo falou à vontade sobre vários temas, como a polarização do
debate público e a falta de memória sobre a ditadura. Confira.
Muitos textos de As Mentiras que as Mulheres Contam contêm ironia. Como o senhor encara o risco de ser mal interpretado ao ser irônico?
A ironia é sempre perigosa, pois só funciona se também for lida com
ironia. Quando a pessoa não entende, é mortal. Há sempre o risco de os
leitores levarem a sério algum exagero que a gente faz. Lembro de uma
vez em que escrevi sobre o povo brasileiro, dizendo que era o culpado
pelos problemas do país, que é um povo doente, com maus dentes... E teve
mais de um leitor que concordou comigo e veio me cumprimentar pela
coragem de dizer algo que ninguém dizia. Esse é só um exemplo, mas houve
muitos outros.
O debate público parece cada vez mais polarizado. Como o senhor, que se posiciona em suas colunas, percebe este momento?
Sim, está um debate raivoso. É até mesmo assustador o crescimento da
direita brasileira, chegando às vezes às raias do fascismo. E também há
muita raiva do outro lado, na esquerda. Está uma coisa meio feia,
principalmente na internet. Na internet, as pessoas se soltam, soltam
seus ódios e ressentimentos.
O senhor acompanha os comentários sobre seus textos publicados na internet?
Recebo muitas mensagens desaforadas me xingando, e também sou citado
por colunistas – de direita e de esquerda. Há coisas sem nada de
civilidade. Podemos fazer debates políticos e ter discordâncias, mas sem
apelar para a violência verbal. É violência mesmo. Muitas pessoas
ligadas à esquerda são às vezes hostilizadas na rua, em restaurantes.
Houve o caso do ex-ministro (Guido) Mantega, que foi agredido,
insultado. É triste isso.
O senhor tem recebido mais mensagens agressivas?
Sempre que escrevo algo sobre política, vêm muitas mensagens. Eu até
nem leio mais quando vejo que será algo cheio de ódio. Acho que isso tem
crescido de uns tempos para cá, principalmente com todos os escândalos
de corrupção, que têm atiçado as pessoas. As manifestações contra a
corrupção são compreensíveis, mas há gente pedindo a volta da ditadura.
Isso é inconcebível. São pessoas que não lembram ou não sabem o que foi o
regime militar.
Manter a memória sobre esse passado é um estímulo para escrever?
Sim, tenho comentado isso. Comecei a ter uma coluna assinada em
jornal em 1969, a época mais brava da ditadura. Havia assuntos que não
podíamos tocar, e também não podíamos criticar os militares. Era duro.
No Sul, a situação não era como, por exemplo, a de O Estado de S. Paulo,
onde havia censor na redação decidindo o que podia ou não sair. Aqui
havia mais autocensura, com as próprias direções dos jornais fazendo a
censura prévia. Foi um período difícil. Caso algum texto fosse vetado, a
gente sempre tinha um de reserva, falando do sexo dos anjos, para
substituí-lo.
O humor era um caminho para burlar a censura?
O humor e, principalmente, o cartum. Por alguma razão, a gente podia
dizer coisas com os cartuns que não era possível expressar no texto.
Talvez porque o desenho tenha essa conotação de algo lúdico, infantil. O
mais importante humorista da época foi o Henfil, um cartunista. Fazia
críticas aos governos e aos militares, mas disfarçadas pelo desenho.
Aqui também sempre houve bons cartunistas, como o Edgar Vasques, o
Santiago, o Sampaulo, entre outros.
A literatura também foi importante na resistência?
Livros não eram censurados, embora também houvesse autocensura dentro
das editoras. Quando houve uma tentativa de censurar livros, meu pai,
Erico Verissimo, e Jorge Amado trocaram correspondências e definiram que
não publicariam mais no Brasil se houvesse censura prévia de livros. O
governo recuou, acredito que, em parte, devido a essa resistência do meu
pai e do Jorge Amado.
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