quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Por que estudar os ricos?

 Antônio Albano Freitas | Fotos: Ricardo Machado/IHU

Afinal de contas, em um país com tantos pobres, tantos desafios a se superar, por que estudar os ricos? Essa provocação em tom de autojustificativa estabeleceu o fio condutor da conferência de Antônio Albano de Freitas no Instituto Humanitas Unisinos – IHU. “É preciso não olhar somente para a parte debaixo da pirâmide. Quando observamos as pessoas que estão no topo, percebemos que há um discurso fácil sobre as virtudes morais dos ricos, mas a realidade não é bem assim”, critica o palestrante.

Existe um viés, tanto por parte da imprensa quanto de parte dos pesquisadores, de se olhar as políticas públicas a partir dos custos. Na verdade, temos que ver quem é que financia o Estado e analisar do ponto de vista distributivo da arrecadação”, complementa Freitas, durante a palestra Mérito e herança na estrutura das desigualdades brasileiras. O evento, que ocorreu na noite da terça-feira, 20-10-2015, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU, integra a programação do Ciclo de Estudos O Capital no Século XXI – uma discussão sobre a desigualdade no Brasil.

Tributação e Herança

Muito antes do Estado moderno, na Antiguidade e mesmo na Idade Média, ou seja, antes da invenção do capitalismo como sistema financeiro, a arrecadação de impostos foi a forma que os príncipes e a Igreja encontraram para financiarem seus projetos de expansão por meio da guerra. “A tributação sempre foi um ato de força e isto já estava dado muito antes da colocação de Marx”, lembra o pesquisador. “A ideia de estudar a herança ocorre em contraponto a ideia da poupança. Isso porque as riquezas do passado, que nada tem a ver com o esforço laboral de cada um, tendem a crescer mais rápido que as riquezas do trabalho”, aponta. “O perverso é que há a reprodução do status quo dos mais abastados e uma imobilidade geracional tremenda”, analisa.

O marco zero, a guerra

Os estudos de Piketty, que servem de inspiração ao ciclo de debates promovido pelo IHU, demonstram que durante os períodos de guerra, particularmente entre 1910 e 1950, a curva da desigualdade derivada das heranças reduz consideravelmente seus patamares. “Ao olharmos para as nossas sociedades, percebemos que estamos no meio do caminho entre a retomada pós-guerra e a época de ouro do capitalismo, no século XIX”, pondera.

Marx X Piketty

“Uma distinção importante entre Marx e Piketty é como cada um compreende o conceito de Capital. Para Marx o capital não seria exclusivamente um bem físico, mas uma relação social entre quem possui os bens de produção e quem não possui. Já para Piketty isso é diferente, pois ele reúne tudo aquilo que tem valor e/ou pode ter valor corrente de mercado, como, por exemplo, imóveis”, distingue o palestrante.

Sistema alternativo

Ao analisar minuciosamente o trabalho de Piketty, Freitas critica algumas inconsistências teóricas. Isso porque para o pesquisador francês, o capital tende a se valorizar de maneira majoritária. Entretanto, o brasileiro faz uma ressalva. “Isso pode ser verdadeiro para imóveis, mas para uma fábrica ou mesmo para patentes, isso é diferente. Veja os computadores, os valores de máquinas de 10 anos são muito inferiores atualmente”, destaca.

Ele ainda chama atenção para a maneira pela qual o capitalismo reage frente a possibilidade de sistemas alternativos. “Quanto maior é a ameaça de um sistema alternativo, como o comunismo durante a Guerra Fria, menor a taxa de desigualdade. Isso ocorreria porque os governantes, para manter o sistema em funcionamento, tendem a investir mais em políticas públicas que visem a redução das desigualdades”, avalia.

Teoria do Capital Humano

Freitas é crítico, assim como Piketty, à Teoria do Capital Humano, por sua incapacidade de levar em conta as complexidades que estão em jogo. “A meritocracia não se reduz à renda, é uma questão de cidadania, de garantia de direitos. Atualmente, muito mais que a formação humana, nossa educação é voltada para que as pessoas passem no vestibular. É uma educação que menospreza a música, as artes, e penaliza as pessoas porque, à medida que não se enquadram nesse perfil, são consideradas fracassadas”, ressalta.

“Ainda que olhássemos a educação somente da perspectiva mercantil, veríamos que, do ponto de vista geracional, ela perde importância quando analisamos os estratos mais ricos. Mesmo que retirássemos o diploma do 1% mais rico da população, boa parte deles continuaria nesse patamar. Além do mais esse tipo de racionalidade carrega uma competitividade nociva porque não tem limites”, explica.

Imposto sobre herança

O país mais liberal do mundo, os Estados Unidos já chegou, em meados do século XX, a taxar 80% das alíquotas máxima do imposto de herança. “Atualmente, a alíquota média dos EUA é de 29% e pode chegar até 40%. No Brasil os índices variam de 3,86% a 8%. O intuito desse tributo de herança deveria ser voltado ao desenvolvimento intergeracional”, propõe o pesquisador.

 
Ele projeta os valores caso se aplicassem aqui os percentuais dos EUA. “Se aplicássemos esta mesma taxa, a arrecadação subiria de R$ 4,7 bi para R$ 36,6 bi. Dinheiro que poderia ser investido em educação”, sugere. “Precisamos encontrar formas para resolver a equação de que, no Brasil, 0,3% dos mais ricos tem 21% da riqueza, enquanto 50% da população divide pouco mais de 14%”, finaliza.
 
Quem é o conferencista?

Antônio Albano de Freitas possui graduação em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS e mestrado em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Atualmente, cursa doutorado no Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Em 2012, recebeu o primeiro lugar no XVIII Prêmio Brasil de Economia pela sua dissertação, intitulada "Distribuição e Acumulação de capital: a economia brasileira no capitalismo contemporâneo".
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Fonte:  http://www.ihu.unisinos.br/noticias/548082-por-que-estudar-os-ricos

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