Antônio Albano Freitas | Fotos: Ricardo Machado/IHU
Afinal de contas, em um país com tantos pobres, tantos desafios
a se superar, por que estudar os ricos? Essa provocação em tom de
autojustificativa estabeleceu o fio condutor da conferência de Antônio Albano de Freitas no Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
“É preciso não olhar somente para a parte debaixo da pirâmide. Quando
observamos as pessoas que estão no topo, percebemos que há um discurso
fácil sobre as virtudes morais dos ricos, mas a realidade não é bem
assim”, critica o palestrante.
Existe um viés, tanto por parte da imprensa quanto de parte dos
pesquisadores, de se olhar as políticas públicas a partir dos custos. Na
verdade, temos que ver quem é que financia o Estado e analisar do ponto
de vista distributivo da arrecadação”, complementa Freitas, durante a
palestra Mérito e herança na estrutura das desigualdades brasileiras.
O evento, que ocorreu na noite da terça-feira, 20-10-2015, na Sala
Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU, integra a programação do Ciclo de Estudos O Capital no Século XXI – uma discussão sobre a desigualdade no Brasil.
Tributação e Herança
Muito antes do Estado moderno, na Antiguidade e mesmo na Idade Média,
ou seja, antes da invenção do capitalismo como sistema financeiro, a
arrecadação de impostos foi a forma que os príncipes e a Igreja
encontraram para financiarem seus projetos de expansão por meio da
guerra. “A tributação sempre foi um ato de força e isto já estava dado
muito antes da colocação de Marx”,
lembra o pesquisador. “A ideia de estudar a herança ocorre em
contraponto a ideia da poupança. Isso porque as riquezas do passado, que
nada tem a ver com o esforço laboral de cada um, tendem a crescer mais
rápido que as riquezas do trabalho”, aponta. “O perverso é que há a
reprodução do status quo dos mais abastados e uma imobilidade geracional tremenda”, analisa.
O marco zero, a guerra
Os estudos de Piketty, que servem de inspiração ao ciclo de debates promovido pelo IHU, demonstram que durante os períodos de guerra, particularmente entre 1910 e 1950, a curva da desigualdade
derivada das heranças reduz consideravelmente seus patamares. “Ao
olharmos para as nossas sociedades, percebemos que estamos no meio do
caminho entre a retomada pós-guerra e a época de ouro do capitalismo, no
século XIX”, pondera.
Marx X Piketty
“Uma distinção importante entre Marx e Piketty é como cada um compreende o conceito de Capital.
Para Marx o capital não seria exclusivamente um bem físico, mas uma
relação social entre quem possui os bens de produção e quem não possui.
Já para Piketty isso é diferente, pois ele reúne tudo aquilo que tem
valor e/ou pode ter valor corrente de mercado, como, por exemplo,
imóveis”, distingue o palestrante.
Sistema alternativo
Ao analisar minuciosamente o trabalho de Piketty, Freitas
critica algumas inconsistências teóricas. Isso porque para o
pesquisador francês, o capital tende a se valorizar de maneira
majoritária. Entretanto, o brasileiro faz uma ressalva. “Isso pode ser
verdadeiro para imóveis, mas para uma fábrica ou mesmo para patentes,
isso é diferente. Veja os computadores, os valores de máquinas de 10
anos são muito inferiores atualmente”, destaca.
Ele ainda chama atenção para a maneira pela qual o capitalismo reage frente a possibilidade de sistemas alternativos. “Quanto maior é a ameaça de um sistema alternativo, como o comunismo durante a Guerra Fria,
menor a taxa de desigualdade. Isso ocorreria porque os governantes,
para manter o sistema em funcionamento, tendem a investir mais em políticas públicas que visem a redução das desigualdades”, avalia.
Teoria do Capital Humano
Freitas é crítico, assim como Piketty, à Teoria do Capital Humano,
por sua incapacidade de levar em conta as complexidades que estão em
jogo. “A meritocracia não se reduz à renda, é uma questão de cidadania,
de garantia de direitos. Atualmente, muito mais que a formação humana,
nossa educação é voltada para que as pessoas passem no vestibular. É uma
educação que menospreza a música, as artes, e penaliza as pessoas porque, à medida que não se enquadram nesse perfil, são consideradas fracassadas”, ressalta.
“Ainda que olhássemos a educação somente
da perspectiva mercantil, veríamos que, do ponto de vista geracional,
ela perde importância quando analisamos os estratos mais ricos. Mesmo
que retirássemos o diploma do 1% mais rico da população, boa parte deles
continuaria nesse patamar. Além do mais esse tipo de racionalidade
carrega uma competitividade nociva porque não tem limites”, explica.
Imposto sobre herança
O país mais liberal do mundo, os Estados Unidos já
chegou, em meados do século XX, a taxar 80% das alíquotas máxima do
imposto de herança. “Atualmente, a alíquota média dos EUA é de 29% e
pode chegar até 40%. No Brasil os índices variam de 3,86% a 8%. O
intuito desse tributo de herança deveria ser voltado ao desenvolvimento
intergeracional”, propõe o pesquisador.
Ele projeta os valores caso se aplicassem aqui os percentuais dos EUA.
“Se aplicássemos esta mesma taxa, a arrecadação subiria de R$ 4,7 bi
para R$ 36,6 bi. Dinheiro que poderia ser investido em educação”,
sugere. “Precisamos encontrar formas para resolver a equação de que, no
Brasil, 0,3% dos mais ricos tem 21% da riqueza, enquanto 50% da
população divide pouco mais de 14%”, finaliza.
Quem é o conferencista?
Antônio Albano de Freitas
possui graduação em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS e mestrado em Desenvolvimento
Econômico pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Atualmente, cursa
doutorado no Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Em 2012, recebeu o primeiro lugar no
XVIII Prêmio Brasil de Economia pela sua dissertação, intitulada
"Distribuição e Acumulação de capital: a economia brasileira no
capitalismo contemporâneo".
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Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/548082-por-que-estudar-os-ricos
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