"Segundo o jornal O Globo, no colégio Pedro II do
Rio de Janeiro, o “x” no lugar das letras “a” e “o” já está presente
nos avisos institucionais em murais e cabeçalhos de provas. Partiu do
grêmio estudantil essa modificação, e alguns professores já incorporam
em suas provas", escreve Ana Maria Colling, doutora em História do Brasil e organizadora do Dicionário Crítico de Gênero (UFGD, 2015), em artigo publicado por Zero Hora, 03-10-2015.
Eis o artigo.
Nunca se falou tanto em gênero como nestes tempos de refluxo conservador, quando católicos e evangélicos decidem o que é a moral do Brasil.
Apesar de sermos um Estado laico, temas como sexualidade, aborto,
homossexualidade etc. são vistos como malditos no Congresso Nacional
pelas frentes religiosas.
O caso mais recente foi a tentativa de criação do Comitê de Gênero pelo Ministério da Educação,
que tinha como objetivo propor políticas voltadas à igualdade de gênero
na educação. Por pressões conservadoras, o Comitê passa a se chamar Comitê de Combate à Discriminação,
e foram apagadas as 14 vezes em que a palavra “gênero” havia sido
citada na proposta original. Esse embate teve início com a supressão da
palavra gênero do Plano Nacional de Educação e tem pautado as discussões
dos planos estaduais e municipais. Apesar do parecer favorável do
ministro às questões de gênero, a acusação da bancada religiosa de que existiria uma “ideologia de gênero”
nas propostas (como se ideologia fosse uma palavra maldita) e que
incentivaria a homossexualidade e a sexualização precoce das crianças
saiu vitoriosa. Eu e tantas professoras/es e pesquisadores/as das
questões de gênero, defensoras/es de relações igualitárias, entendemos
que a escola é o lugar de produção e desconstrução de relações
igualitárias.
Mas o que é gênero afinal? Criado por pesquisadoras feministas na segunda metade dos anos 1980, para dar conta da desigualdade entre homens e mulheres,
o conceito de gênero diz pouco à diferença biológica dos sexos e muito
das representações sociais e culturais construídas a partir desta
diferença. Já dizia Simone de Beauvoir
em seu livro clássico O Segundo Sexo: “não se nasce mulher, torna-se
mulher”, assim como não se nasce homem, mas torna-se. A sociedade ensina
o que é ser masculino e feminino.
Se o conceito de gênero
foi criado para dar conta das relações entre homens e mulheres,
relações de poder, socialmente constituídas e hierárquicas, hoje
extrapola este binarismo (homem x mulher, masculino x feminino) e trata
também das sexualidades que não se enquadram na forma que a sociedade e a
cultura nomearam os sexos, como queer, gays, lésbicas, transgêneros
(travestis, transexuais, andróginos, transformistas, etc).
Um dos campos privilegiados de luta por igualdade
e de difícil mudança na relação de poder entre os sexos, construído
historicamente, é o campo da linguagem, que ocupa um lugar central na
resistência às mudanças. Falar de “eles” é falar de eles e elas, mas
falar de “elas” jamais é falar de eles e elas.
Numa tentativa de crítica à linguagem de gênero,
e mesmo seu abandono, muitos e muitas utilizam atualmente o “x” para
falar do coletivo, para dizer todxs, meninxs, bonitx, etc. Muit@s, como
eu, utilizam a arroba para falar dos dois sexos. O desconforto é
ocasionado porque pessoas apegadas à gramática normativa sentem-se agredid@s com
estas modificações. As novas sexualidades e as novas parentalidades
estão aí e é preciso colocar em discussão essas questões. As pessoas trans, não binárias, não aceitam a estrutura rígida, dos dois gêneros, da linguagem demarcada, para elxs ou el@s ou ainda el*s.
A linguagem não inclusiva
parece ter caráter assexuado, mas nomeia apenas uma parte dos elementos
da sociedade: os homens. Lembro das Constituições brasileiras que
sempre rezavam “todos são iguais perante a lei”, e quando as mulheres
reivindicavam a cidadania pelo voto, a resposta é que era somente para
eles mesmos, e que elas estavam excluídas deste direito.
Segundo o jornal O Globo, no colégio Pedro II
do Rio de Janeiro, o “x” no lugar das letras “a” e “o” já está presente
nos avisos institucionais em murais e cabeçalhos de provas. Partiu do
grêmio estudantil essa modificação, e alguns professores já incorporam
em suas provas.
Como “x” e “@” somente são utilizad@s na
escrita, muitos manuais que tratam da linguagem generificada aconselham
a usar tratamentos diferenciados como pessoa e indivíduo. Um exemplo,
ao dizer boa tarde a todas ou a todos, boa tarde a todas as pessoas, boa
tarde a vocês. Ao invés de usar pronomes, repetir os nomes, suprimir
artigos e pronomes desnecessários.
Tenho clareza que o “x” e a “@” não irão
modificar as relações de poder entre os sexos e nem irão acabar de vez
com a desqualificação de um em relação ao outro. Mas tenho a esperança
de que o uso da linguagem não sexista possa contribuir como um alerta para a desigualdade.
Se a linguagem reproduz os preconceitos de gênero, a hierarquização com
a desqualificação de um dos pares, procurar alternativas para ela gera
desconforto e estranhamento, certamente. O masculino neutro ou o
masculino genérico tem causado muito mais desconforto ao longo da
história. Saber que existe um eu e que existe um outro, que pode ser de
gênero diferente do meu, já é um primeiro passo.
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Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/547637-elxs-els-e-ns
Imagem da Internet
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