sábado, 17 de outubro de 2015

Religião, política e saúde

Anselmo Borges*
 

O filósofo Immanuel Kant formulou as tarefas essenciais da filosofia nestas perguntas: "O que posso saber?", "O que devo fazer?", "O que é que me é permitido esperar?" Acrescentou, depois, que estas três perguntas remetem para e reduzem-se a esta quarta: "O que é o Homem?"

Significativamente, Kant escreve que à terceira pergunta responde a religião, melhor, ela é do domínio da religião, porque tem que ver com a esperança da salvação, da felicidade, do sentido último. Deus é um postulado da razão prática, isto é, exige-se moralmente que Deus exista, para dar-se a harmonia entre o dever cumprido e a felicidade. A natureza não faz isso, só Deus.

Ora, até numa primeira aproximação linguística, salvação e, consequentemente, religião estão em conexão com saúde. Em latim, salus, salutis significa salvação e saúde, com a raiz "sol-", em salvus, que significa inteiro, intacto, são, são e salvo, remetendo para um conceito holístico de saúde, integrando múltiplas dimensões do humano, também a ligação ao transcendente. Veja-se, por exemplo, saudar, que deve provir de salutem dare, desejar saúde, mas de tal maneira que de quem, zangado com outro, não o saúda, se diz que lhe nega a salvação. Isso vê-se também no inglês e no alemão: holy (santo), health (saúde), heilen (curar) e heilig (santo), sempre em conexão com the whole, a totalidade harmónica e íntegra.

Esta ligação da religião com a saúde, intuída até linguisticamente, é cada vez mais estudada e confirmada, em sentido positivo, através de estudos de vária ordem. Assim, Mario Beauregard, investigador de neurociências na Universidade de Montreal, escreve que há cada vez mais provas de que as experiências religiosas, espirituais e/ou místicas "estão associadas a melhor saúde física e mental". Na sua obra The Spiritual Brain, Beauregard cita 158 estudos médicos sobre o efeito da religião na saúde, concluindo que 77% fazem menção de um efeito clínico positivo. No seu livro How God Changes Your Brain, o neurologista Andrew Newberg mostra, através da ressonância magnética nuclear funcional, que a meditação e a oração intensas alteram a massa cinzenta, reforçando as zonas que concentram a mente e alimentam a compaixão; também acalmam o medo e a ira.

O neurocientista Miguel Castelo--Branco escreve no livro que coordenei, Deus ainda Tem Futuro?, que "a experiência espiritual é benéfica para a saúde humana" e cita estudos que concluíram que pessoas que foram à igreja mais do que uma vez por semana "tinham uma esperança média de vida superior a dez anos relativamente às que não a frequentavam". Neste sentido, um estudo de investigadores da London School of Economics e do Centro Médico da Universidade Erasmus, na Holanda, que analisou 9000 europeus de 50 e mais anos, concluiu que a actividade religiosa desempenha um papel social muito importante para manter afastada a depressão e também como mecanismo de sobrevivência durante os períodos da doença na idade adulta, embora o estudo não diga quanto do benefício se deve a factores religiosos na fé num ser superior e quanto se deve ao sentido de pertença a um grupo; de qualquer forma, a religião é melhor para a saúde mental do que a pertença a clubes sociais ou de desporto, para não falar de organizações políticas: fazer parte de uma organização política tem efeitos prejudiciais na saúde mental. Nick Spencer, director de estudos no Theos, um think tank que pensa que se não entende o mundo moderno sem entender a religião, diz que a actividade religiosa tem uma dimensão de benefícios para a saúde para lá da pertença a um grupo: "A minha sensação é que a crença religiosa proporciona às pessoas um sentido de finalidade, sentido, identidade segura e segurança quanto ao seu destino final." Um estudo de 2011 de investigadores da Universidade de Harvard descobriu que a meditação melhora a memória e reduz o stress. Um estudo americano publicado na revista Cancer mostra que as crenças religiosas influenciam o bem-estar mental, social e físico dos doentes com cancro.

Evidentemente, é essencial a imagem de Deus na religião. Um Deus castigador, violento, vingativo, que tolhe a vida das pessoas, só pode ter uma influência negativa. Um estudo de síntese sobre o impacto da espiritualidade na saúde mental ("The impact of spirituality on mental health", em conexão com a Mental Health Foundation) conclui que há, de facto, provas de uma associação positiva entre a prática religiosa e níveis inferiores de depressão, bem como de que a fé num ser transcendente está associada à redução de sintomas depressivos. Mas as expressões de espiritualidade que ajudam são aquelas que promovem a importância de emoções como a esperança, o perdão, o sentido. Há expressões religiosas que podem ser prejudiciais: aquelas que levam a sentimentos de impotência, culpa, vergonha.
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*Anselmo da Silva Borges é um padre católico, professor universitário e ensaísta português. 
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