Anselmo Borges*
O filósofo Immanuel Kant formulou as tarefas
essenciais da filosofia nestas perguntas: "O que posso saber?",
"O que devo fazer?", "O que é que me é permitido esperar?"
Acrescentou, depois, que estas três perguntas remetem para e reduzem-se a esta
quarta: "O que é o Homem?"
Significativamente, Kant escreve que à terceira
pergunta responde a religião, melhor, ela é do domínio da religião, porque tem
que ver com a esperança da salvação, da felicidade, do sentido último. Deus é um
postulado da razão prática, isto é, exige-se moralmente que Deus exista, para
dar-se a harmonia entre o dever cumprido e a felicidade. A natureza não faz
isso, só Deus.
Ora, até numa primeira aproximação linguística,
salvação e, consequentemente, religião estão em conexão com saúde. Em latim,
salus, salutis significa salvação e saúde, com a raiz "sol-", em
salvus, que significa inteiro, intacto, são, são e salvo, remetendo para um
conceito holístico de saúde, integrando múltiplas dimensões do humano, também a
ligação ao transcendente. Veja-se, por exemplo, saudar, que deve provir de
salutem dare, desejar saúde, mas de tal maneira que de quem, zangado com outro,
não o saúda, se diz que lhe nega a salvação. Isso vê-se também no inglês e no
alemão: holy (santo), health (saúde), heilen (curar) e heilig (santo), sempre
em conexão com the whole, a totalidade harmónica e íntegra.
Esta ligação da religião com a saúde, intuída até
linguisticamente, é cada vez mais estudada e confirmada, em sentido positivo,
através de estudos de vária ordem. Assim, Mario Beauregard, investigador de
neurociências na Universidade de Montreal, escreve que há cada vez mais provas
de que as experiências religiosas, espirituais e/ou místicas "estão
associadas a melhor saúde física e mental". Na sua obra The Spiritual
Brain, Beauregard cita 158 estudos médicos sobre o efeito da religião na saúde,
concluindo que 77% fazem menção de um efeito clínico positivo. No seu livro How
God Changes Your Brain, o neurologista Andrew Newberg mostra, através da
ressonância magnética nuclear funcional, que a meditação e a oração intensas
alteram a massa cinzenta, reforçando as zonas que concentram a mente e
alimentam a compaixão; também acalmam o medo e a ira.
O neurocientista Miguel Castelo--Branco escreve no
livro que coordenei, Deus ainda Tem Futuro?, que "a experiência espiritual
é benéfica para a saúde humana" e cita estudos que concluíram que pessoas
que foram à igreja mais do que uma vez por semana "tinham uma esperança
média de vida superior a dez anos relativamente às que não a
frequentavam". Neste sentido, um estudo de investigadores da London School
of Economics e do Centro Médico da Universidade Erasmus, na Holanda, que
analisou 9000 europeus de 50 e mais anos, concluiu que a actividade religiosa desempenha
um papel social muito importante para manter afastada a depressão e também como
mecanismo de sobrevivência durante os períodos da doença na idade adulta,
embora o estudo não diga quanto do benefício se deve a factores religiosos na
fé num ser superior e quanto se deve ao sentido de pertença a um grupo; de
qualquer forma, a religião é melhor para a saúde mental do que a pertença a
clubes sociais ou de desporto, para não falar de organizações políticas: fazer
parte de uma organização política tem efeitos prejudiciais na saúde mental.
Nick Spencer, director de estudos no Theos, um think tank que pensa que se não
entende o mundo moderno sem entender a religião, diz que a actividade religiosa
tem uma dimensão de benefícios para a saúde para lá da pertença a um grupo:
"A minha sensação é que a crença religiosa proporciona às pessoas um
sentido de finalidade, sentido, identidade segura e segurança quanto ao seu
destino final." Um estudo de 2011 de investigadores da Universidade de
Harvard descobriu que a meditação melhora a memória e reduz o stress. Um estudo
americano publicado na revista Cancer mostra que as crenças religiosas
influenciam o bem-estar mental, social e físico dos doentes com cancro.
Evidentemente, é essencial a imagem de Deus na
religião. Um Deus castigador, violento, vingativo, que tolhe a vida das
pessoas, só pode ter uma influência negativa. Um estudo de síntese sobre o
impacto da espiritualidade na saúde mental ("The impact of spirituality on
mental health", em conexão com a Mental Health Foundation) conclui que há,
de facto, provas de uma associação positiva entre a prática religiosa e níveis
inferiores de depressão, bem como de que a fé num ser transcendente está
associada à redução de sintomas depressivos. Mas as expressões de espiritualidade
que ajudam são aquelas que promovem a importância de emoções como a esperança,
o perdão, o sentido. Há expressões religiosas que podem ser prejudiciais:
aquelas que levam a sentimentos de impotência, culpa, vergonha.
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*Anselmo da Silva Borges é um padre católico, professor universitário e ensaísta português.
Fonte: http://www.dn.pt/opiniao/opiniao_dn/anselmo_borges/interior/religiao_politica_e_saude__4839406.html
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