JOÃO BATISTA CESÁRIO*
No pensamento grego, a história era cíclica; o indivíduo tinha liberdade relativa e o universo estava submetido à lei do eterno retorno por meio de sucessivos renascimentos. A linha do tempo poderia ser comparada a uma pista redonda, como num circuito de Fórmula 1, na qual sociedades, civilizações, impérios e instituições sucediam-se com um ritmo inexorável e, após breves períodos de glória, desapareciam (Mondim).
Essa compreensão cíclica da história era bastante pessimista, pois, na linha do tempo, “avançava-se sempre para etapas piores, da Idade do Ouro para a Idade do Ferro, da exuberância para a degradação”.
Hesíodo, no poema Os trabalhos e os dias, bem demonstra esse pessimismo grego ao apresentar a sucessão das idades dos homens. A primeira e mais importante seria a Idade de Ouro, na qual não haveria a velhice; em seguida, a Idade de Prata, na qual a infância dos homens duraria cem anos, mas morreriam logo na adolescência. Depois, a Idade de Bronze, período dedicado a guerras e violências. Em seguida, a Idade dos Heróis, igualmente tomada por violências e guerras, porém, com justiça e valor. Na sequência, a Idade de Ferro, período em que os homens trabalhariam muito, e vivendo entre angústias, fadigas e misérias, envelheceriam rapidamente. Haveria ainda uma etapa futura, na qual os homens já nasceriam de cabelos brancos e a vergonha e a justiça desapareceriam da Terra.
Nessa perspectiva, o futuro da humanidade seria assustador, uma vez que o transcurso da história se daria num movimento de declínio, conforme a teoria das idades, avançando da glória do passado para a ruína do futuro.
Bem outra é a perspectiva cristã da história. Santo Agostinho, apropriando-se do modelo grego de explicação das Idades da humanidade, desenvolveu seu raciocínio numa concepção otimista da história. Para ele, o povo de Deus caminha da Cidade dos Homens para a Cidade de Deus, avançando do pecado para a redenção. As Idades do mundo seriam seis, às quais ele aplicou as diversas etapas da história do povo de Deus. A sexta e última Idade da humanidade se iniciou após o nascimento do Messias.
A reflexão de Agostinho, em que pese nascida no conflitivo contexto de decadência do Império Romano, é bastante otimista em relação ao futuro. E encheu de esperança os cristãos, na expectativa de dias melhores, aguardando com fé a realização do Reino de Deus no horizonte da história.
Para os cristãos o tempo não é apenas cronológico, medido em unidades fracionadas até milésimos de segundos; é, antes, kairós, tempo da graça, da fruição, gratuidade e amor. A história é lugar da Revelação, dinamismo pelo qual Deus se manifesta ao homem. Na absoluta liberdade de sua autocomunicação, Deus se põe em peregrinação em direção ao homem nos caminhos da história. No mistério da Encarnação é Deus mesmo que, em Jesus, vem ao encontro da humanidade e, por amor, se faz história na história dos homens (Bento XVI).
“Depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos pelos profetas, Deus ultimamente, nestes dias, falou-nos pelo Filho” (DV, 4). Jesus de Nazaré, nascido em Belém, crucificado e ressuscitado, é a plenitude da Revelação. E a Revelação garante aos cristãos que a história não se desenrola na direção do absurdo, prisioneira do fatalismo mecânico do eterno retorno. Deus, em Jesus, é “Deus-Conosco” que, solidário e compassivo, não ficou indiferente ao drama humano, mas se engajou na história, assumindo a existência humana em toda sua extensão, menos o pecado.
Ora, a celebração do final e início do ano, marcada por retrospectivas e prospectivas, é ocasião oportuna para reflexão acerca do sentido do tempo e da história. Um ano termina, bendito seja Deus! Outro ano se inicia, graças a Deus! O tempo, para os cristãos, é dom de Deus, o futuro é bênção. A história, lugar da construção do Reino, está sempre grávida da esperança. E “na esperança somos salvos” (Rm 8,24). Feliz ano novo!
*João Batista Cesário é coordenador da Pastoral Universitária da PUC-CampinasFONTE: Correio Popular online, 06/01/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário