terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Desafios para o Brasil em 2010

Cândido Grzybowski*


Neste começo de ano – que marca o fim de uma década do século XXI e o começo de uma nova – sou levado a pensar com certo otimismo sobre nós mesmos. Otimismo que vai se alastrando e tomando conta de diferentes espaços públicos. Aparece no discurso de nossos principais dirigentes e de setores das elites políticas e empresariais, na publicidade das grandes empresas públicas e privadas, no meio do povão. Épocas assim são o caldo para a criatividade cultural e inovação política, mas que não surge do instituído e sim de idéias e debates no seio da própria sociedade, criando movimentos amplos irresistíveis, como verdadeiras ondas. São oportunidades mais do que determinismos, oportunidades que podem ser perdidas.

O fato deste ser um ano eleitoral acaba tornando o debate sobre nós mesmos e para onde estamos indo algo incontornável. Talvez os e as candidatas não fiquem à altura, não importa. O que conta é que instauremos o debate, revendo nossas conquistas e realizações coletivas e, sobretudo, olhando os desafios. Há mais tempo, tenho batido na tecla de como tem sido até aqui fundamental a conquista democrática para desentravar as contradições latentes e levar o país a se defrontar consigo mesmo. Afinal, que Brasil estamos gerando para nós, nossos filhos e netos? Que Brasil o mundo precisa?

A onda democratizadora, longa de uma geração, que vem lá do enfrentamento da ditadura, passa pela Constituinte e pelo arcabouço institucional construído, pelas várias campanhas cívicas que remexeram com o país, o tecido associativo e as várias formas de participação. Ela se completa com a estabilização e a eleição de alguém com cara de povo, como o Lula, nosso presidente atual. Esta importante onda democratizadora começa mostrar sinais de cansaço, de esgotamento, corre o risco de ficarmos por aí.

Nova onda democrática, mais radical, trazendo ao centro os prementes desafios internos e externos de construção de uma sociedade baseada na justiça social e ambiental, participativa e solidária, sem medo e nem violência racial, geracional ou machista, sem destruição do imenso patrimônio natural, do bem viver e não só do ter a qualquer custo, ainda precisa ser inventada. Tarefa longa, de reinvenção ousada e de rupturas legítimas, mas que deve começar aqui e agora.

Temos muito a comemorar, verdadeiras realizações coletivas. Não vou enumerá-las por falta de espaço nesta pequena crônica. Só ressalto o fato que elas são nossas conquistas, frutos de nossa luta democrática, e não milagres caídos do céu. O futuro, assim como o passado, depende da cidadania ativa. O poder/Estado e o mercado/economia, nos quais as mudanças devem ocorrer, depende, em última análise, do nosso poder de cidadania. Portanto, nós mesmos precisamos mudar para mudar o resto, por meio de tais movimentos irresistíveis a que me referi acima.

Nestes dias de balanço e previsões, fala-se muito na pujança da economia brasileira e na maior presença e reconhecimento do Brasil na região e no mundo. Estas são condições importantes, sem dúvida. Mas por que não estamos conseguindo mudar a lógica do nosso desenvolvimento social e ambientalmente predador? Exportamos cada vez mais natureza para o mundo, deixando a destruição aqui. Estimulamos grandes projetos minerais e siderúrgicos, hidroelétricos, do agronegócio, sem respeito à natureza e às populações que vivem nesses territórios. Subsidiamos a indústria do automóvel e os grandes projetos viários urbanos para carros, bom para multinacionais e para as empresas empreiteiras, mas falta dinheiro para transporte coletivo bom e barato para as grandes massas da população.

Para melhor entender a questão que aqui destaco, basta lembrar o desastre eminente que pode ocorrer no Rio de Janeiro. Além dos grandes eventos esportivos, culminando com as Olimpíadas em 2016, com vultosos investimentos, é necessário lembrar o Comperj - Complexo Petroquímico de Itaboraí, o anel viário, a CSA – Companhia Siderúrgica Atlântica, no novo porto de Sepetiba. Sem uma maior intervenção cidadã, vamos realizar uma verdadeira revolução na cidade com a agenda do passado. Grandes projetos, grande impacto ambiental, mais favelização e mais uma cidade e um Grande Rio social e territorialmente partidas. Para quê? Em nome do desenvolvimento, do crescimento dos negócios...

Um exemplo ainda melhor é o trazido pela questão do petróleo no pré sal, na costa marítima do sudeste. Já nos perguntamos que desenvolvimento é possível esperar da exploração dessas grandes jazidas de energia fóssil? Discutimos a repartição dos prováveis recursos a ganhar com a sua exploração, mas não discutimos que país corremos o risco de construir simplesmente tirando partido de uma energia que hoje significa o passado. Aliás, apesar do discurso de nossos dirigentes em Copenhague, na recente Conferência da ONU sobre Clima, a tentação rondando nossas elites é de usar a base de recursos naturais do país para a conquista de maior poder e influência no mundo, como potência emergente. É isso que queremos?

Não se trata de tornar sustentável o desenvolvimento que temos, mas antes de tornar justa, participativa e sustentável a própria sociedade. Precisamos, isso sim, pôr em questão o modelo de desenvolvimento, uma herança que nos faz internalizar o colonialismo diante da natureza e perpetuar o racismo, em suas múltiplas formas – ético, social, regional e territorial. O racismo combinado com o machismo estruturam a nossa economia e poder. Enfrentar tal debate, confrontando o desenvolvimento que temos e propondo a sua democrática mudança, é o que torna necessária uma nova onda de democratização, mais profunda e substantiva. O ano eleitoral de 2010 e o otimismo no ar são uma oportunidade para instaurar tal debate.

*Sociólogo, diretor do Ibase
Fonte: Ibase online, publicado em 8/01/2010.

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