Diretor do maior festival de arte-tecnologia do mundo fala do futuro do campo
que mais cresce na arte contemporânea
O austríaco Gerfried Stocker, que dirige o festival Ars Electronica, em Linz, na Áustria, esteve em SP em ano de auge das novas mídias
Não parece, mas tem arte por trás do mecanismo de um iPhone, na lógica de reality shows e até em trocas de informação por Twitter, Facebook e afins. Gerfried Stocker, austríaco criador do festival Ars Electronica, o mais tradicional de arte-tecnologia no mundo, garante que não exagera. Isso porque viu nascer e sabe para onde vai o segmento da arte contemporânea que mais cresce hoje -as novas mídias têm apoio maciço das instituições e interesse ávido dos patrocinadores. Stocker, 45, recebe todo ano em Linz, na Áustria, artistas, curadores e fanáticos por arte em novas mídias do mundo todo. No ano marcado pelo auge financeiro desse setor no Brasil -com dinheiro da Petrobras, editais da Funarte e apoio de empresas como Oi e Itaú-, Stocker veio a São Paulo para uma palestra e falou à Folha. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
FOLHA - Como é o contexto em que surge a arte em novas mídias?
GERFRIED STOCKER - Ela aparece num universo de lógicas de vigilância e proteção. Estamos fazendo experimentos com a própria vida, não temos ideia da influência que terá o fato de contar tudo o tempo todo na internet, de como isso está mudando a percepção de identidade e personalidade. Estamos adotando essas tecnologias, mas temos de pensar no significado e nas consequências disso.
FOLHA - E os artistas tecnológicos estão fazendo isso?
STOCKER - Cada novo dispositivo é transformado numa interface, numa plataforma, por esses artistas. Mas eles fazem isso de forma crítica. São pioneiros que estão experimentando. Com isso, a sociedade pode entender melhor esse processo de transformação cultural.
FOLHA - Mas ainda não deixa a desejar a qualidade dessas obras?
STOCKER - Todas as formas de arte nos últimos mil anos também tentaram encontrar sua identidade. Tudo começa na experimentação. Só os campos pesquisados em profundidade é que podem produzir coisas belas, mas leva tempo. Se artistas fossem tímidos demais para fazer trabalhos ruins, não haveria nenhum desenvolvimento. Há muito lixo, mas há lixo em todos os campos artísticos. As obras-primas surgem de experimentos. Não devemos achar que, só porque há pesquisas imaturas, todo o setor é incapaz. Desenvolvimento depende da coragem para fracassar.
FOLHA - A impressão de que há muitas obras ruins tem a ver com um deslocamento no foco desses artistas, que substituem a obra acabada pelo processo de produção?
STOCKER - Temos de aprender a lidar com a questão do tempo na tecnologia. De fato, é um campo que se tornou mais orientado pelo processo. A produção das coisas é mais rápida, e o receptor entra em contato com a obra antes de ela estar acabada. O artista em seu ateliê virou um processo público. Quando alguém produz na internet, é exposto de forma imediata a uma plateia que o artista nem conhece. Ele trabalha e já sente as reações à obra.
FOLHA - A interatividade surge então como principal denominador comum da arte em novas mídias?
STOCKER - Talvez porque essa seja uma forma de arte baseada no processo, é preciso entender que a mutabilidade faz parte de sua natureza. A interatividade é um dos paradigmas. Isso fascina artistas, é um modo de entrar em contato com o público.
FOLHA - Mas esse traço não acaba levando a um gueto desses artistas, à necessidade de criar e exibir obras em contextos específicos demais?
STOCKER - Esse tipo de arte não cabe nas exposições tradicionais. Não entra nas feiras como Arco e Art Basel, da mesma forma que ninguém esperaria ver uma peça de teatro numa feira de arte, porque o teatro também tem seus espaços. O número crescente de festivais é uma resposta ao aumento na produção desse setor. Não chamaria de gueto, acho que essa é uma maneira equivocada de olhar para esse tipo de arte.
FOLHA - E, por outro lado, é uma forma de arte com forte demanda de mercado.
STOCKER - Há mais de 6 bilhões de pessoas no mundo, que querem e precisam de arte. O fato de designers, engenheiros e programadores trabalharem nisso torna o meio mais vivo, aberto, e há muito dinheiro envolvido. Talvez porque seja algo novo, fresco, não tão calejado.
FOLHA - E é possível observar essa presença também na cultura pop.
STOCKER - Todo o campo de produção audiovisual usa softwares desenvolvidos por artistas das novas mídias. As ferramentas estão vindo do campo artístico. Também vemos displays em lojas desenvolvidos por esses artistas, essa comunicação interativa entre homem e máquina. Muito antes dos primeiros reality shows nos anos 80, esses artistas já colocavam gente para ser vigiada por câmeras dentro de caixotes nos espaços expositivos. Agora a câmera não é só a ferramenta do artista, é a ferramenta de todos.
FOLHA - E que novidades surgem agora desse processo?
STOCKER - Vemos agora o retorno à importância do corpo, que será uma grande tendência. Por muito tempo, pensamos na máquina, como se o corpo já não fosse mais importante e precisássemos da tecnologia. Não queremos agora perder as possibilidades sensoriais. Por isso o iPhone faz tanto sucesso. Não é bom marketing, é devolver ao homem a sensação tátil, o toque. Quando tocamos algo, milhões de informações navegam pelo nosso corpo até o cérebro. Por que jogar isso fora?
REPORTAGEM LOCAL por SILAS MARTÍ
FONTE: Folha online, 01/01/2010.
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