Os muçulmanos não estão se integrando tão bem quanto muitos europeus gostariam de acreditar. O jornalista político norte-americano Christopher Caldwell, autor de um livro recente sobre o Islã na Europa, argumenta que tabus e ilusões evitam uma discussão honesta do assunto.
Campanha publicitárias às vésperas do referendo que proibiu minaretes na Suíça (nov. 2009)
Spiegel Online: Sr. Caldwell, a Suíça recentemente proibiu os minaretes num referendo. Qual foi seu primeiro pensamento quando ouviu as notícias?
Caldwell: A coisa mais surpreendente sobre isso foi o hiato entre a rejeição clara em relação à proibição nas pesquisas de opinião pública e a aprovação clara dada na votação propriamente dita. Isso significa que existe uma discussão oficial sobre o Islã e uma discussão subterrânea. Isso deveria preocupar os europeus.
Spiegel Online: Você está sugerindo que não haja uma discussão aberta sobre o Islã na Europa?
Caldwell: Acho que essas coisas estão sendo discutidas muito mais abertamente do que há alguns anos. Na Holanda e na Dinamarca existe um debate controverso. Acho que muitos dinamarqueses e holandeses não se orgulham de fato da forma como seus partidos populistas estão discutindo o tema da imigração, mas em geral é bem melhor quando as coisas são discutidas abertamente.
Spiegel Online: Onde, em sua opinião, não é possível falar abertamente sobre isso?
Caldwell: Em países como a França, há leis contra todos os tipos de discurso. Isso tem um efeito muito paralisante. Muitas pessoas têm medo das consequências negativas se elas disserem como de fato se sentem. Às vezes até para as pesquisas, como mostra o exemplo suíço.
Spiegel Online: Em seu livro, "Reflexões Sobre a Revolução na Europa", você revela um olhar cético sobre a relação da Europa com seus imigrantes muçulmanos. Em sua visão, os imigrantes muçulmanos representam uma ameaça para o continente?
Caldwell: Não falo exatamente de uma ameaça. Esta é uma distinção muito importante. O debate até agora foi marcado por dois extremos. De um lado, você tem o extremo apocalíptico, as pessoas que dizem que o Islã está "tomando" a Europa. Do outro, há pessoas que acreditam que não há problema algum, exceto o racismo. Acho que ambas as posições estão erradas, e tenho tentado estabelecer um novo tom.
Spiegel Online: Entretanto, ao ler o seu livro, fica-se com a impressão de que você acha que a Europa terá problemas para integrar seus imigrantes muçulmanos.
Caldwell: O Islã apresenta dificuldades que outros grupos de imigrantes não apresentam. Parte disso é o crescimento do Islã político no mundo nos últimos 50 anos. Uma grande minoria de muçulmanos europeus sentem solidariedade com a comunidade muçulmana internacional, e ao mesmo tempo sentem que o Ocidente está em guerra com este mundo. Isso torna a transição para uma identidade europeia mais difícil. Mas acho que os problemas no nível cultural são mais importantes.
Caldwell: Muitas pessoas excessivamente otimistas esperam que os muçulmanos desistam de sua religião ou a modifiquem com o tempo. Eles irão mudar de certa forma, mas não sabemos exatamente como. E as atitudes em torno da religião fornecem muito potencial para o conflito - as atitudes quanto às mulheres, quanto às relações familiares, a liberdade sexual ou os direitos dos homossexuais.
Spiegel Online: A porcentagem de muçulmanos na população europeia é muito baixa. O total é de cerca de 5%.
Caldwell: Certo. A população da Europa Ocidental é de cerca de 400 milhões, e há cerca de 20 milhões de muçulmanos. Entretanto, a população (de muçulmanos) continua a crescer.
Spiegel Online: Mas em que extensão ela está de fato crescendo? Você baseia este argumento numa taxa de crescimento mais alta, mas vários estudos sugerem que nas segundas e terceiras gerações, os imigrantes terão taxas de crescimento próximas da média nacional.
Caldwell: Isso é verdade. Há duas coisas que farão com que a população descendente de imigrantes na Europa aumente nos próximos anos. Uma é que os imigrantes continuam chegando e a outra é que as taxas de natalidade, apesar de estarem caindo, continuam mais altas. Mas o problema real não é o tamanho da população imigrante. É que sua cultura precisa ser acomodada dentro da Europa de uma forma que exige que a Europa mude suas estruturas. Durante os últimos 20 anos, a sociedade convencional acomodou os imigrantes apenas em relação a alguns assuntos. Às vezes esses assuntos são pequenos, como salas de oração ou espaços de trabalho. E às vezes são importantes, como exemplificado por uma decisão de um tribunal de Lille, na França, que em 2008 anulou o casamento de uma mulher muçulmana porque ela não era virgem.
Spiegel Online: E isso mudará o caráter da Europa?
Caldwell: Como eu digo no meu livro: quando uma cultura insegura, maleável e relativista se encontra com outra que é ancorada, confiante e fortalecida por doutrinas compartilhadas, em geral é a primeira que se modifica para se adaptar à última.
Spiegel: Você acha que a cultura convencional europeia é fraca porque é secular?
Caldwell: O Islã é a segunda maior religião da Europa. Mas isso é verdade apenas se você pensar estatisticamente. Se você pensar culturalmente e espiritualmente, ela parece a primeira religião da Europa. Há muito mais artigos nas primeiras páginas dos jornais sobre o que o Islã diz sobre isso e sobre o que o Alcorão fala sobre aquilo do que existem artigos sobre a teologia cristã. Há inúmeros debates entre muçulmanos e não muçulmanos sobre o que o Alcorão diz sobre os assassinatos por honra e o lenço de cabeça. O que o cristianismo diz não importante tanto para ninguém.
Spiegel Online: Isso é um motivo para lastimar?
Caldwell: Não quero oferecer nenhum conselho para a Europa. Mas me espanta o fato de que muitos europeus veem as dificuldades de uma sociedade multicultural do ponto de vista de uma Europa esclarecida em oposição a um Islã bárbaro. É um erro olhar de cima para a religiosidade dos muçulmanos. Há uma riqueza na forma religiosa de olhar o mundo que falta aos europeus. Esta também é uma das razões que acho que a presença de tão poucos muçulmanos deixa muitos europeus tão nervosos.
Spiegel Online: Como você vê a situação na Alemanha?
Caldwell: A Alemanha é um caso muito especial sob vários aspectos. Provavelmente não há nenhum outro país na Europa onde a comunidade muçulmana seja tão forte e homogênea. Gosto muito da Alemanha turca e ela me lembra muito dos Estados Unidos chineses. Há pessoas muito bem sucedidas, mas há um nível de integração muito baixo.
Spiegel Online: Há intelectuais como Bassam Tibi e o controverso Tariq Ramadan que estão incentivando um Euro Islã e dizem que os muçulmanos não têm problemas em adotar os valores europeus.
Caldwell: O Islã definitivamente tomará um caminho europeu. Foi exatamente isso o que aconteceu com o Islã em todos os lugares a que chegou. E os muçulmanos com certeza podem ser bons europeus. Mas os europeus não muçulmanos também serão os juízes disso. O referendo suíço mostra que os muçulmanos chegaram a uma forma de serem europeus e acreditam que eles encontraram os europeus na metade do caminho. Mas isso não significa que os europeus não muçulmanos sentem o mesmo.
Spiegel Online: Você deixou uma grande questão sem resposta em seu livro: qual é a solução?
Caldwell: Eu não tenho uma resposta, e com frequência sou criticado por isso. Mas oferecer uma resposta não é o meu propósito. Só explicar o conflito já é um grande desafio, uma vez que ele sempre foi obstruído na Europa pelos tabus e ilusões.
Spiegel Online: Em que medida suas visões são moldadas pelo fato de você ser um norte-americano?
Caldwell: Como um estrangeiro, tenho a vantagem de ver paralelos entre os países europeus, bem como diferenças. Venho de um país que tem experiência com uma sociedade multiétnica, e a história dos Estados Unidos tem algumas lições para a Europa. Só porque a comunidade muçulmana europeia é pequena não significa que não tenha influência ou que possa ser ignorada ou que os problemas em torno dela sejam triviais e vão desaparecer. Os negros representam tradicionalmente cerca de apenas 10% da população dos EUA. Mas temos uma história horrível de conflito racial que abalou nosso país por séculos.
Spiegel Online: Os EUA são mais bem sucedidos no que diz respeito a interagir com imigrantes?
Caldwell: No momento, sim. Acho que a primeira razão é a crueldade da economia norte-americana. Ou você se torna parte dela ou volta para casa. Há mais estrangeiros trabalhando, e é no trabalho que acontece boa parte da integração. E como a maior parte dos imigrantes trabalha, você nunca ouve, como na Europa, que os imigrantes não querem trabalhar. Nenhum norte-americano sonharia em dizer isso.
Spiegel Online: Por que você acha que acontece isso?
Caldwell: Não há um Estado de bem-estar social na mesma escala que existe na Europa, e acho que os Estados de bem-estar social são ruins para a imigração em larga escala. Numa sociedade etnicamente diversa, as pessoas não têm tanta familiaridade umas com as outras, e não estão tão dispostas a pagar impostos por benefícios sociais. Dois terços dos imãs da França recebem benefícios. Não há nada de errado em ser um imã. Mas não acho que os franceses ficam muito felizes em pagar o que na prática é um subsídio estatal para a religião dessa forma.
REPORTAGEM por Mathieu von Rohr
Tradução: Eloise De Vylder
FONTE: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2010/01/01/ult2682u1445.jhtm
Tradução: Eloise De Vylder
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